São Paulo, Domingo, 29 de Agosto de 1999
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PERSONALIDADE
FHC divulga nota oficial ressaltando a dedicação do religioso à defesa dos direitos humanos
Papa lamenta a morte de d. Helder

da Agência Folha, em Recife,
da Sucursal de Brasília
e da Reportagem Local

A morte de dom Hélder Câmara, arcebispo emérito de Recife e Olinda (PE), foi lamentada ontem pelo papa João Paulo 2º e por políticos, intelectuais e religiosos.
O papa enviou ao Brasil mensagem de condolências pela morte de dom Hélder, o mais importante líder da Igreja Católica na história do país e um dos expoentes da ala progressista da instituição.
Na nota, o papa disse que recebeu com pesar a notícia do falecimento de dom Hélder. "Entre suas inúmeras atividades pastorais, ele ajudou a criar o Conselho Episcopal Latino-Americano e a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)", disse o papa.
O presidente Fernando Henrique Cardoso divulgou nota oficial de três linhas na qual ressaltou a dedicação de dom Hélder à defesa dos direitos humanos e "à luta pela paz e pela solidariedade". "O Brasil sentirá sua falta", concluiu.
Dom Hélder morreu em Recife às 22h20 de anteontem, aos 90 anos, de insuficiência respiratória aguda. O enterro estava programado para as 17h de ontem, na Igreja da Sé, em Olinda (PE).
O presidente da CNBB, dom Jayme Chemello, afirmou que dom Hélder "foi o grande homem do episcopado brasileiro".
Chemello lembrou que, em 1952, dom Hélder foi responsável pela fundação da CNBB -primeira entidade do mundo a reunir bispos de um país.
Esse tipo de organização só passaria a ser recomendado oficialmente pela Igreja Católica depois do Concílio Vaticano 2º (62-65), que renovou as práticas da igreja.
FHC foi representado no velório de dom Hélder pelo vice-presidente Marco Maciel, que é pernambucano e católico praticante.
Maciel divulgou nota lamentando a morte do arcebispo. "A ação pastoral de dom Hélder Câmara ultrapassou os limites da Arquidiocese de Olinda e Recife. Sua voz se fez ouvir em praticamente todo o mundo. As suas idéias contribuíram para a atualização da doutrina social da igreja, do que foi exemplo sua destacada participação no Concílio Ecumênico 2º, defendendo, na igreja, a opção preferencial pelos pobres", disse Maciel na nota.
Na opinião do advogado Dalmo Dallari, professor da Universidade de São Paulo, dom Hélder "foi uma das figuras mais importantes da história do Brasil".
Segundo ele, o arcebispo foi um dos principais expoentes da ala progressista da Igreja Católica -aquela mais voltada a preocupações de caráter social.
"Dom Hélder deve ser lembrado não só pelo que fez dentro da Igreja Católica, mas também por sua atitude corajosa nos piores momentos do regime militar", disse Dallari.
O presidente nacional do PT, deputado José Dirceu, afirmou que dom Hélder foi um "símbolo" da resistência ao regime militar e um inspirador da organização da Igreja Católica nos movimentos sociais.
Para o secretário de Estado de Direitos Humanos, José Gregori, dom Hélder foi a maior figura do catolicismo moderno. "Ele conseguiu fazer uma ponte com a sociedade civil. Nessa ponte, ele se comportou com muito equilíbrio e nunca se afastou da mensagem cristã, de conciliação e solidariedade entre os homens."
"A vida de dom Hélder e a sua história se confundem com a luta pela democracia e por justiça social. É um exemplo de dignidade e de simplicidade", afirmou o líder do PT na Câmara, José Genoino.

Velório
O corpo de dom Hélder foi velado na Igreja das Fronteiras, de acordo com recomendação deixada por ele antes de morrer.
Em documento registrado em 1º de junho de 1998 no 18º Cartório de Registro de Notas de Ipanema, no Rio, onde moram seus irmãos, dom Hélder pediu também uma cerimônia sem pompa e manifestou o desejo de ser sepultado na catedral da Sé, em Olinda.
Durante a madrugada e a manhã de ontem, pouca gente compareceu à Igreja das Fronteiras. As portas da igreja foram abertas às 2h15 para visitação pública.
O vice-presidente da República permaneceu durante 15 minutos ao lado do corpo de dom Hélder e depois deixou o local.
A ex-prefeita de São Paulo e deputada federal, Luiza Erundina, também esteve no velório. "Na década de 70, quando eu dava aulas em Recife, sempre mantive contato com dom Hélder para discutir os problemas do regime militar." Para Erundina, dom Hélder sempre foi uma referência no combate à repressão. "Ele não calou a boca, nem diante da perseguição da Igreja."
Antes da chegada de Marco Maciel, o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB), e o prefeito de Recife, Roberto Magalhães (PFL), também estiveram presentes no velório.
O velório de dom Hélder foi marcado pela realização de missas de hora em hora, acompanhado, basicamente, por pessoas humildes.
A Arquidiocese de Olinda e Recife aguardava para o início da tarde de ontem a chegada de caravanas do interior para participar do enterro. Segundo a arquidiocese, pelo menos 80 ônibus deveriam chegar à capital pernambucana para acompanhar o cortejo fúnebre.
Até chegar à catedral, o corpo de dom Hélder deveria percorrer as principais ruas e avenidas de Recife, em um carro aberto do Corpo de Bombeiros, seguido por quatro batedores da PM (Polícia Militar).
Dom Hélder Câmara deixou a Arquidiocese de Olinda e Recife em 1985, quando completou 75 anos, e passou a morar em uma casa simples, construída a 20 metros da Igreja das Fronteiras.
A CNBB também divulgou nota oficial pelo falecimento de dom Hélder. "(Dom Hélder) deixa para todos exemplo de um profundo amor à igreja, que se traduziu na colegialidade episcopal", disse a nota, assinada pelo secretário-geral da entidade, d. Raimundo Damasceno Assis.
"Ele testemunhou com sua vida e com sua pregação, um grande amor ao Brasil, expresso na promoção da dignidade e dos direitos da pessoa humana, especialmente dos mais pobres. Neste momento, é preciso recordar e assumir sua herança espiritual e humana, e sobretudo seu grande anseio por um milênio sem fome", disse a mensagem oficial da CNBB.
O bispo-auxiliar de Curitiba, Ladislau Biernaski, também enviou uma nota de condolências, dizendo: "Louvo ao Deus da vida pelo dom da vida de d. Hélder Câmara, pelo seu testemunho, seu profetismo, pelo seu amor ao povo e à Igreja, em especial, pela sua dedicação à CNBB."

Biografia
Nascido em 7 de fevereiro de 1909, dom Hélder ordenou-se padre em 1931. Nesse mesmo ano, organizou a Juventude Operária Cristã, ligada à LCT (Legião Cearense do Trabalho), organização inspirada no salazarismo. Em 1932, tornou-se dirigente da LCT, que passa a fazer parte da Ação Integralista Brasileira, organização fascista.
Quando se mudou para o Rio de Janeiro, na metade dos anos 30, foi convidado pelos superiores a abandonar as atividades políticas, que retomaria nos anos 60.
Nomeado arcebispo de Olinda e Recife em abril de 1964, foi acusado de comunista por suas denúncias de violação de direitos humanos no regime militar e por seus trabalhos com movimentos populares -criou as Comunidades Eclesiais de Base.
Por sua postura e seu prestígio internacional, dom Hélder tornou-se o inimigo número um do regime, que chegou a proibir qualquer menção a seu nome nos meios de comunicação.
Nos início dos anos 70, o governo Emílio Médici (1969-74) moveu, por meio da Embaixada do Brasil em Oslo (Noruega), uma campanha secreta contra a candidatura do arcebispo ao Prêmio Nobel da Paz.
A revelação está contida no livro "Dom Hélder Câmara - Entre o Poder e a Profecia", de Nelson Piletti e Walter Praxedes, de 1997.
Nos últimos anos, por recomendação médica, o arcebispo evitava falar sobre temas polêmicos.


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