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NO PLANALTO
A economia rosna para a política
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
V irou lugar-comum o
bordão segundo o qual é
essencial para os partidos políticos e suas lideranças prestar
atenção ao "recado das urnas"
municipais. Pois, na montagem
do xadrez de 2002, ouvir a voz
das urnas ou um disco de pagode
conduz a um mesmo resultado:
a perda de tempo.
O futuro é como tela virgem
diante do pintor. Sabe-se que, cedo ou tarde, do branco nascerá
uma pintura. Entre um traço e
outro, pode-se arriscar um palpite: vai ficar feia, bonita, assim ou
assado. Mas nem ao artista é dado adivinhar os contornos finais
da própria obra antes dos últimos movimentos do pincel.
Assim também com a sucessão
presidencial. Os partidos estão
debruçados sobre o rascunho da
tela que será levada à grande exposição de 2002. Por ora, há sobre o cavalete apenas um borrão.
Ainda assim, políticos e analistas rufam nas páginas dos jornais e nos microfones previsões
para gostos variados. Algumas
tratam o imponderável com precisão milimétrica. Outras contemplam a fluidez da cena política. E embutem dentro do prognóstico a desculpa para o próprio fracasso.
Até bem pouco dizia-se que a
conjugação de calmaria financeira com retomada do crescimento econômico tonificaria
FHC, levando-o a influir na própria sucessão. Porém a atmosfera carregada da semana passada pairava sobre o sonho do tucanato como nuvem carregada
em cima de casa destelhada.
Nuvens, como se sabe, são como ciclos econômicos. Vão e
vêm. Ora ornam o céu azul, ora
cortam o fundo cinza, cuspindo
tempestades. A longa estiagem
que embala a prosperidade americana leva a que muitos suspeitem que o tempo pode virar. Cedo ou tarde, conjectura-se, descerão os raios.
Na última quinta-feira, um diretor do Banco Central manuseava um recorte de jornal que
guarda na gaveta da escrivaninha. Mais do que um pedaço de
papel, trata-se de um alerta
mantido ao alcance dos dedos.
Nele se podia ler uma declaração
feita por Alan Greenspan no último dia 12 de julho.
Greenspan, espécie de oráculo
da economia globalizada, disse
há três meses e meio o seguinte:
"É essencial que o atual período
de relativa estabilidade internacional seja aproveitado da melhor forma possível para reduzir
os riscos potenciais mais evidentes para uma crise".
Como tecelão que trança os
fios sem a pretensão de decifrar
de véspera todos os mistérios da
tapeçaria, o presidente do Federal Reserve disse mais: "Não podemos prever com precisão a natureza da próxima crise financeira internacional. Mas que haverá uma é tão certo quanto a
persistente imprudência financeira humana".
O cenário turvo dos últimos
dias confere às palavras de
Greenspan ares de profecia. Para
onde quer que se olhe, enxergam-se sinais de uma crise que
se insinua: a Argentina derrete,
o Euro murcha, o petróleo ferve,
as cotações de Wall Street encolhem, o crédito mundial escasseia...
Os sábios do governo continuam dizendo que o Brasil, portento financeiro que não resiste
a um salário mínimo de R$ 180,
é firme como rocha vulcânica.
Quem for crente que creia. Desde
que fique entendido o seguinte:
num ambiente permeado por
números frágeis, em que fé e realidade interpenetram-se, as palavras que emanam de Brasília
valem tanto quanto a vontade
dos astros.
Cresce a sensação de que a cartilha da ortodoxia religiosa que
guia o tucanato reclama uma
flexibilização. Ganha uma cadeira de presidente da República
o primeiro que trouxer à boca do
palco um modelo alternativo
que se aguente em pé. Um modelo que ponha a contabilidade a
serviço do ser humano e não o
contrário.
Desqualifique-se desde logo,
por tola, a fórmula fácil da troca
do modelo atual pelo caminho
romântico do isolacionismo nacionalista. O mundo exige raciocínios mais sofisticados, e o eleitor merece mais respeito.
Se vier para a campanha trazendo apenas pedras nas mãos,
a oposição se arrisca a assumir
de novo o papel de urubu sem
causa. Está passando da hora de
a chamada esquerda aprender
que não basta mais bicar o fígado do inimigo. É preciso ter o que
dizer. E não se arruma discurso
com os ouvidos colados nas urnas da província.
Se o que se busca é entretenimento para os ouvidos, melhor
ouvir coisa mais fina -Johann
Sebastian Bach, Kathleen Battle,
Cole Porter... Se o que se deseja é
influir na sucessão de FHC, convém ouvir coisa mais séria -a
voz de Greenspan, por exemplo.
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