São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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ECOS DO REGIME

Clarice se reuniu com ministro Nilmário Miranda e analisou fotografias que foram divulgadas recentemente

Viúva conclui que fotos não são de Herzog

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A viúva do jornalista Vladimir Herzog, Clarice, viu ontem o dossiê do extinto Serviço Nacional de Informações e concluiu que as três fotos que vêm sendo publicadas como sendo de seu marido não se referem a ele. Herzog morreu sob custódia dos órgãos de repressão da ditadura em 1975.
Há 12 dias as fotos vieram a público. Elas fazem parte de um relatório do SNI sobre o padre canadense Leopoldo d'Astous, investigado por ligação com a oposição à ditadura na década de 70.
"Vi várias fotos, a seqüência leva à dedução. Reconheci o Vlado nas fotos [na semana passada], conhecia aquele corpo, aquele rosto, mas as fotos são de qualidade muito ruim. São cópias de cópias. [O homem] é muito semelhante, é de uma semelhança terrível, mas não é o Vlado", disse.
O relatório, ao qual a Folha também teve acesso na semana passada, mostra o padre D'Astous em 1974 sozinho ou em companhia da irmã Terezinha de Salles em uma chácara em Goiás. Os dois foram espionados e, segundo o religioso, forçados a posar para fotos nus. A manobra, disse, tinha o objetivo de difamar publicamente D'Astous que, em suas missas e vigílias, manifestava posições contrárias ao regime.
No início da tarde de ontem, os ministros Nilmário Miranda (Direitos Humanos) e general Jorge Armando Félix (Segurança Institucional) reuniram-se com Clarice em seu escritório, em São Paulo, para mostrar-lhe o relatório.
"A senhora Clarice Herzog nos recebeu na companhia de uma amiga da família. E, depois de analisar toda a seqüência de fotos, chegou à conclusão de que nenhuma daquelas fotos, inclusive as que foram publicadas pela imprensa nos últimos dias, retratava seu marido Vladimir Herzog", disse Nilmário em nota.
Antes de ver o relatório do SNI, Clarice ainda acreditava que seria de Herzog uma das imagens, a que mostra um homem escondendo o rosto, usando um relógio na mão direita. Isso porque o jornalista usava um relógio semelhante ao que aparece na foto. Ontem, a dúvida foi esclarecida.
"Na verdade, pensei que poderia ser uma foto do Vlado inserida no meio das outras, mas pela seqüência você vê que não", afirmou Clarice Herzog.
Ao serem divulgadas, as fotos provocaram imediata reação do Exército, que considerou "legítimas" as medidas repressoras adotadas contra movimentos "subversivos" durante o regime militar (1964-1985). A nota desagradou à cúpula do governo e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou a divulgação de novo texto, desta vez lamentando a morte do jornalista. Na semana passada, o ministro Nilmário Miranda já havia divulgado uma nota negando que o homem nas fotos fosse Herzog, mas não identificou D'Astous.

CNBB
Ao dizer que só um governo corajoso "abrirá arquivos da ditadura", a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) defendeu ontem a divulgação de documentos secretos da ditadura.
Segundo dom Geraldo Majella Agnelo, presidente da CNBB, a abertura de arquivos é necessária para que "as pessoas que foram injustiçadas recebam reconhecimento". "Não queremos levar ninguém aos tribunais, mas a democracia cresce com a busca de justiça para todos", diz.
Dom Antônio Celso de Queirós, vice-presidente da CNBB, disse que há "grupos influentes na sociedade que se opõem fortemente" à abertura dos arquivos. "Eu compreendo que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, em uma atitude corporativista, se julguem ofendidos. Mas acho que é preciso ter coragem de olhar os próprios erros, que não foram erros das pessoas de hoje", afirmou.
(IURI DANTAS)


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