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QUESTÃO AGRÁRIA
Assentamento mais antigo da região abriga dois personagens de livro de Antonio Callado, que esteve lá em 1984
Há 20 anos, invasões começavam no Pontal
GUILHERME BAHIA
ENVIADO AO PONTAL DO PARANAPANEMA
O conflito agrário no Pontal do
Paranapanema existe pelo menos
desde o começo do século passado, mas a ação organizada dos
sem-terra e os assentamentos dos
governos estadual e federal só começaram há 20 anos.
Nessa época, o jornalista e escritor Antonio Callado foi à região e
escreveu um livro -"Entre o
Deus e a Vasilha - Ensaio sobre a
Reforma Agrária Brasileira, a qual
Nunca Foi Feita" (editora Nova
Fronteira, R$ 19). Um dos personagens, Moisés Simeão de Oliveira, vive até hoje na Gleba XV de
Novembro, o assentamento onde
Callado o encontrou em 1984.
No mesmo assentamento mora
outro personagem, Jenival Bispo
Santos, que recebeu o escritor em
outra gleba, a Santa Rita, na qual
foi um dos pioneiros que derrubaram a mata para fazer roçado.
Callado foi ao Pontal em novembro de 1984. Quando encontrou Moisés, um forte temporal tinha atingido havia pouco a Gleba
XV, o primeiro assentamento da
região. O assentado trabalhava
para pôr ordem na bagunça deixada pela chuva. "Um momento
nada propício a entrevistas", escreveu o jornalista, que, ainda assim, entrevistou seu personagem.
Callado viajou a convite da Cesp
(Companhia Energética de São
Paulo), que queria um relato sobre as desapropriações e os assentamentos que o governo do Estado começava a fazer.
A companhia havia atraído
muita gente para a região para
trabalhar na construção da usina
hidrelétrica Rosana. Terminada a
obra, veio o desemprego, e, com o
enchimento do reservatório da
usina, muitos pequenos posseiros
tiveram suas terras inundadas.
Estava formado o cenário para o
início das grandes invasões.
A primeira delas foi em 15 de
novembro de 1983, nas fazendas
Tucano e Rosanela, das empresas
Vicar S.A. e Camargo Corrêa. O
Brasil vivia o ocaso do regime militar, e o clima entre os sem-terra
era tenso. Após cinco dias de
acampamento, a Justiça concedeu
reintegração de posse. Um forte
temporal, como o que atingiria a
região um ano mais tarde, obrigou a Polícia Militar a cumprir a
ordem só no dia seguinte.
O adiamento foi essencial para
que os sem-terra conseguissem
um acordo mais favorável com a
polícia, conta o padre José Antonio de Lima, 49, que acompanhou
a ação e recebeu a Folha há dois
meses, em Santo Anastácio, também no Pontal, onde hoje mora e
guarda fotos da época.
Pelo acordo, que teve como fiador o então secretário estadual do
Trabalho, Almir Pazzianotto, os
sem-terra puderam transferir o
acampamento para a beira da rodovia SP-613, em vez de serem
dispersados, como queria a PM.
Em abril de 1984, as quase 600
famílias acampadas foram assentadas na Gleba XV de Novembro,
cujo nome lembra a data de início
do acampamento.
A família de Moisés está entre os
30% dos assentados na Gleba XV
que estão lá até hoje. Outros 50%
mudaram de assentamento, tendo sido em geral substituídos por
novas famílias, e os restantes 20%
deixaram os lotes, segundo o
Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo).
Moisés, que hoje está com 49
anos, mora com a mulher, Creuza
Costa de Oliveira, 41, e dois de
seus cinco filhos -Marco Antonio, 17, e Telma, 20.
Ele chegou ao Pontal em 1980.
Pernambucano, veio de pau-de-arara para trabalhar na construção da usina Rosana. Como tantos outros, ficou desempregado,
virou posseiro, teve sua roça
inundada pela represa e acampou
na SP-613 até ser assentado.
O personagem de Callado já fez
parte do MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra), mas deixou o movimento em
1989 por discordar dos seus métodos, que considera violentos.
Moisés chegou a se filiar ao
PMDB e ao PT. Nos anos 90, trabalhou nas campanhas de Francisco Graziano Neto (PSDB-SP)
para deputado federal. Hoje é sindicalista e vice-presidente estadual do Mast (Movimento dos
Agricultores Sem Terra), movimento rival do MST e ligado à Social Democracia Sindical.
Outro personagem de Callado,
o sergipano Jenival Bispo Santos,
hoje com 60 anos, chegou ao Pontal bem antes de Moisés e hoje
mostra com orgulho a foto que tirou ao lado do jornalista. Callado
encontrou Jenival na gleba Santa
Rita, onde chegou com a mulher,
Terezinha, em 1969. Informado
de que era terra devoluta, derrubou mato e fez sua roça.
Nos anos 70, porém, ele e outros
posseiros começaram a enfrentar
despejos violentos promovidos
por fazendeiros da região e pela
polícia. Jenival conta que, por diversas vezes, por precaução, dormiu fora de casa ao saber que a
polícia o havia procurado.
Em 1994, foi remanejado, com
outras famílias, para a Gleba XV,
o que permitiu que ele e os que ficaram na Santa Rita conseguissem lotes de 15 hectares, em vez
dos cinco de antes.
Jenival, como Moisés, construiu
a casa de alvenaria onde mora,
sem telefone mas com luz elétrica.
A água vem de poços artesianos.
Na varanda, ele pendura quatro
bebedouros com flores de plástico, daqueles que atraem beija-flores. Todos os dias, ordenha suas
vacas e troca a água com açúcar
dos bebedouros. A rotina não o
incomoda. "Se me perguntarem o
que sou, digo que sou trabalhador
da terra", diz, orgulhoso.
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