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Deputados usam verba da Câmara em "festa de Natal"
Notas fiscais obtidas pela Folha revelam desvio de finalidade da verba indenizatória em 2008
Verba destinada à atividade parlamentar banca despesas irregular em restaurantes e gastos em lojas de vinhos, cestas de Natal e chocolates
RANIER BRAGON
ALAN GRIPP
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O deputado gaúcho Paulo
Roberto Pereira (PTB) passou
o Natal de 2008 em um dos
principais pontos turísticos do
Centro-Oeste, a cidade histórica de Pirenópolis (GO). Escolheu um pacote de quatro dias
-23 a 26 de dezembro- na
Pousada Cavaleiro dos Pirineus, que anuncia chalés de alto padrão, heliponto, spa, trilha
ecológica, ceia natalina e café
da manhã com 40 itens.
A conta ficou em R$ 2.320,
relativa ao aluguel de dois apartamentos, mas esse dinheiro
desfalcou por pouco tempo o
bolso do deputado. Sob o argumento de que o gasto foi relacionado à atividade parlamentar, ele foi ressarcido integralmente pela Câmara.
A história é aferível nos documentos secretos obtidos pela
Folha por via judicial sobre o
uso pelos deputados em 2008
da chamada verba indenizatória, adicional que lhes destina
R$ 15 mil ao mês para auxiliá-los nas tarefas legislativas.
Além do pacote natalino de
Paulo Roberto, o dinheiro público serviu para bancar despesas irregulares em festas, restaurantes, confraternizações
de fim de ano e gastos em lojas
especializadas em vinhos, cestas de Natal e chocolates.
O deputado Takayama (PSC-PR) realizou no seu Estado
uma festa de fim de ano que teve a organização da Porcheta
Calda Buffet & Eventos. A conta, de R$ 1.400, também foi parar na Câmara. Procurado pela
Folha, o deputado afirmou que
desconhecia o fato de que a nota havia sido apresentada e que
irá devolver o dinheiro.
Quem também usou a verba
para confraternização de fim
de ano foi José Mentor (PT-SP), que cobrou da Câmara nota de R$ 1.100 de uma churrascaria de São Paulo, onde disse
ter se reunido com assessores e
colaboradores. "Eu acho que o
gasto era compatível [com a atividade parlamentar] porque é o
pessoal que trabalhou com você no ano inteiro", disse.
Além do desvio de finalidade,
as regras da verba indenizatória em vigor eram claras em
proibir o reembolso de gastos
de terceiros. Segundo o artigo
4º da portaria que regulamentou o uso da verba, de 2003, a
Câmara só poderia custear a
"alimentação do parlamentar".
A restrição, que continua em
vigor, foi confirmada pelos órgãos técnicos da Câmara.
Mas o lote de documentos ao
qual a Folha teve acesso mostra que a regra era letra morta
na maioria dos casos, já que havia prática comum de o deputado bancar toda a conta dos restaurantes e depois cobrar
reembolso da Câmara, não importando qual fosse o motivo
do encontro ou quais pessoas
dele participassem.
De acordo com técnicos da
Câmara, isso ocorria porque as
notas traziam, geralmente,
apenas o nome do deputado e
discriminações genéricas como
"despesas" ou "refeição".
Augusto Farias (PTB-AL),
por exemplo, cobrou R$ 842 de
reembolso de conta do restaurante de comida peruana Wanchako, em Maceió, no dia 29 de
dezembro, sete dias depois de o
Congresso ter entrado oficialmente em recesso. "Se a Câmara pagou, eu não tenho que lhe
dar satisfação", disse Farias.
João Carlos Bacelar (PR-BA)
e Jofran Frejat (PR-DF) fizeram uso da verba na Scotch
House, uma loja de Brasília especializada em vinhos, outras
bebidas e cestas de Natal.
Bacelar obteve reembolso de
R$ 5.500 por duas notas do dia
23 de dezembro. Ele afirma
que a loja forneceu o bufê para
uma confraternização com
prefeitos eleitos de seu partido.
Não informou o endereço da
festa, limitando-se a dizer que
foi em uma "casa privada". A
loja diz não ter serviço de bufê:
"Aqui é uma loja de bebidas, senhor", disse a atendente.
Frejat apresentou à Câmara
nota de R$ 144 da Scotch House, com data de 26 de dezembro. Também foi reembolsado
por gastos de R$ 600 na Casa
de Biscoitos Mineiros, de doces
e salgados, em 27 de dezembro.
Já o gabinete de Valdir Colatto (PMDB-SC) cobrou da
Câmara reembolso de R$ 1.200
em dezembro por despesas na
loja de chocolates Cacau Show.
O deputado Pedro Novais
(PMDB), do Maranhão, apresentou notas de gastos no Rio
entre os dias 24 e 30 de dezembro em estabelecimentos como
Joana e Quitéria Delicatessen
(R$ 52), Restaurante Gero (R$
655) e Wine Ipanema (R$ 236).
Em reportagens publicadas
nos últimos dias, a Folha já
mostrou que o uso da verba indenizatória pelos deputados
em 2008 envolveu empresas
com endereços fantasmas e teve destinação eleitoral e para
empresas dos próprios parlamentares ou de seus familiares.
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