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DAVOS - DEBATE GLOBAL - PORTO ALEGRE
Após encontro em Davos, entusiasmo de dirigente do banco deu espaço a investidores tecerem críticas e elogios à política econômica de Lula
"Lula é exemplo para o mundo", diz Citibank
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
Produziu-se, no luxuoso Hotel
Belvedere, em Davos, a mais formidável evidência da imensa
transformação sofrida por Luiz
Inácio Lula da Silva desde que assumiu o poder há dois anos.
William B. Rhodes, presidente
do Citibank, fez questão de tomar
o microfone, ao final da exposição
de Lula e seus ministros a investidores estrangeiros, para proclamar: "A implementação de seu
programa econômico é um bom
exemplo para o mundo".
Rhodes, que completa 70 anos
em agosto, foi durante muito
tempo um dos grandes demônios
da esquerda latino-americana,
como principal negociador, pelos
bancos, da dívida da região, a cada uma das muitas crises. Uma dívida sobre a qual o velho PT exigia
auditoria e até propunha plebiscitos para que o eleitor decidisse se
deveria ou não ser paga.
Como se já não fosse suficiente,
o encontro com os investidores
forneceu um contraponto ao entusiasmo incontido de Rhodes, na
voz de Belmiro de Azevedo, presidente do grupo português Sonae,
com 2,4 milhões de euros de investimento no Brasil, país em que
emprega 25 mil pessoas. "As condições para investir dinheiro novo (no Brasil) estão longe de ser
atrativas", disparou Azevedo.
Explicou: "Neste momento,
quem trabalha na "ferragem", como nós portugueses chamamos a
indústria, está sendo muito prejudicado, enquanto o setor financeiro tem vida fácil".
O empresário português queixou-se ainda da concorrência
desleal dos sonegadores.
Reproduziu-se dessa forma em
Davos o que acontece no Brasil: o
encanto do setor financeiro com a
política econômica e um certo
azedume dos industriais, mesmo
com o crescimento do ano passado, que levou Azevedo a admitir
que, pela primeira, tivera algum
lucro em 2004 no Brasil.
Também no café da manhã com
um grupo menor de investidores
(17), fechado à imprensa, surgiram queixas sobre o elevado nível
de juros.
A questão dos juros altos é a
principal ressalva que faz à política de Lula o público de Davos, na
grande maioria constituído de
homens de negócio.
A resposta da equipe econômica, reiterada ontem, desta vez na
boca do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, é a de tentar provar
que os juros estão caindo e não
subindo, usando médias de anos
anteriores.
Mais uma vez não convenceram, como o demonstra a reação
pública de Belmiro de Azevedo e
também o comentário sintético à
Folha de um peso-pesado do empresariado brasileiro, como Jorge
Gerdau Johannpeter, presidente
do Grupo Gerdau: "Afugenta",
afirmou, sobre o nível dos juros.
Intervenção no câmbio
Uma segunda preocupação, que
já surgira no almoço de sexta-feira com o presidente do BC, Henrique Meirelles, reapareceu ontem,
em pergunta de Guillermo de la
Dehesa, ex-ministro do governo
socialista espanhol e, hoje, diretor
do Banco Santander: queria saber
se a depreciação do dólar não provocaria a "tentação" de o BC intervir no câmbio.
Como era previsível, Meirelles
respondeu que não, com o argumento de que "tentativas anteriores de controle do mercado cambial fracassaram".
Um terceiro fantasma, que também já havia flutuado no almoço
de Meirelles, surgiu ontem: a
questão da Argentina.
Ressalvas à parte, a exposição
do presidente, de Palocci, Meirelles, do ministro Luiz Fernando
Furlan e do chefe da Casa Civil,
José Dirceu, foi um sucesso, na visão dos empresários (cerca de 50).
Alain Belda, o brasileiro que
preside a multinacional Alcoa,
disse que sua companhia já tinha
US$ 1,8 bilhão de investimento no
Brasil e investiria mais US$ 1 bilhão, "com toda a tranqüilidade
porque confia nesse governo".
Belda é uma espécie de assessor
informal para economia do PFL,
partido de oposição ao governo
do presidente Lula.
Reforçou Paul Skinner, presidente da mineradora Rio Tinto,
uma das maiores concorrentes da
Vale do Rio Doce: "Eu já estive
preocupado com a situação brasileira, mas agora começo a ver um
desejo forte de companhias como
a nossa de implementar projetos
no Brasil". É mais que desejo:
"Acabamos de decidir aumentar
o nível de produção de uma de
nossas minas, o que representará
investimentos significativos".
Emendou Erik Belfrage, executivo da Saab AB (fabricante de
carros e aviões, que participa da
concorrência dos caças da Aeronáutica): "Estou impressionado
com o modo como o presidente
Lula e sua equipe têm agido no
sentido de pôr ordem na casa, o
que significa Orçamento adequado, balanço de pagamentos positivo, e ao mesmo tempo, reduzir a
pobreza no Brasil".
Por fim, Lorenzo Mendoza, executivo-chefe da cervejaria venezuelana Polar, se disse "orgulhoso, como latino-americano, pelo
papel de liderança que o Brasil tomou". Não é um elogio menor
nem bairrista, se se considerar
que o empresariado venezuelano
está em guerra com o presidente
Hugo Chávez, aliado de Lula, que,
aliás, mencionou no seu discurso
os projetos de integração com a
Venezuela, financiados tanto pela
Corporação Andina de Fomento
como pelo BNDES brasileiro.
A explicação para o sucesso entre empresários de um presidente
originalmente de esquerda e, por
isso, visto com desconfiança, é
simples, diz Belfrage, o diretor da
sueca Saab: "Não olho para o passado, mas para hoje e para o que
as pessoas estão fazendo".
Colaborou LEONARDO SOUZA, enviado
especial a Davos
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