São Paulo, sexta-feira, 30 de abril de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

O Brasil repudia, mas não condena

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ao votar pela manutenção da Lei da Anistia, o Supremo Tribunal Federal deu ontem sua contribuição para manter o Brasil na categoria dos países que preferem o caminho da conciliação e quase nunca o do confronto. Prevaleceu o medo atávico de enfrentar as vergonhas do passado.
Essa tem sido uma característica da história brasileira. A ditadura militar por aqui durou 21 anos, de 1964 a 1985. Exceto a de Cuba, foi uma das mais longas da América Latina.
A marca mais curiosa do período autoritário foi a oposição consentida. Os ditadores mantiveram, na maior parte do tempo, o Congresso aberto -manietado e subjugado.
Nunca faltou quem se refestelasse nesse modelo. Em 1973, a oposição consentida montou uma anticandidatura a presidente, com Ulysses Guimarães (1916-1992) à frente. A ideia era chamar a atenção para a fraude da eleição indireta que nomearia o próximo presidente, o general Ernesto Geisel. Na hora de desistir e desmoralizar o processo, Ulysses preferiu se manter na disputa e validou a "eleição" do novo ditador.
Essa predileção pela não agressão na política culminou na transição lenta e gradual maquinada por Golbery do Couto e Silva (1911-1987).
O regime estava falido, mas a ditadura queria um último favor da sociedade brasileira: o perdão para quem havia cometido toda ordem de desmandos. Veio a anistia "ampla, geral e irrestrita", inclusive para os torturadores. Foi aprovada por um Congresso ainda habitado por Arena e MDB.
Ao votarem pela validade da Lei da Anistia, vários ministros do STF ontem diziam que essa foi uma lei "possível" naquela circunstância. Uma pactuação cujo saldo foi a volta à democracia. Ninguém duvide, declarou o presidente da corte, Cezar Peluso, que todos ali têm "profunda aversão" por atos de tortura ou sequestros.
O relator Eros Grau, que puxou a votação, também fez uma ressalva: "É necessário dizer, vigorosa e reiteradamente, que a decisão (...) não exclui o repúdio a todas as modalidades de tortura, de ontem e de hoje, civis ou militares".
Dessa forma, o Brasil se mantém coerente com sua tradição de concertação, avesso ao confronto. Nas palavras da maioria dos ministros do Supremo, aqui os torturadores são repudiados, mas não condenados.


Texto Anterior: Corte "perdeu bonde da história", diz OAB
Próximo Texto: Revista "Time" inclui Lula entre os cem mais influentes do mundo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.