|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIO GASPARI
A linda galera do Brasil
A ida da seleção brasileira
de futebol para uma partida de paz no Haiti é um
grande acontecimento da política mundial, um dos maiores
da história cultural brasileira,
triunfo da galera, de um modo
de ser, de um Brasil negro,
bem-sucedido e amado. Num
mundo em que George Bush
manda 150 mil homens para o
Iraque em nome da prepotência, o Brasil mandará 22 garotos para Porto Príncipe, muitos deles saídos de bairros pobres, todos parecidos com
aqueles "brasileños" que a polícia americana caça pelos desertos da fronteira mexicana.
Ou com Fio Maravilha ("nós
gostamos de você"), o atacante
do Flamengo que, aos 59 anos,
entregava pizzas em San Francisco.
É dura a vida dos cosmopolitas brasileiros. Fazem tudo para chegar ao andar de cima internacional e, no mínimo, falta-lhes sorte. O "New York Times" publicou um editorial
elogiando um discurso do presidente "José Figueiredo". Era
João. O banqueiro David Rockefeller chamou o presidente
Fernando Collor de Mello de
"caçador de marijuana". Era
marajá. Bill Clinton chamou
FFHH de Henrique. O mesmo
Clinton foi bater bola com Pelé
na Mangueira e, como contou
Jamelão, ficou "feliz como pinto no lixo".
O embarque da seleção para
o jogo da paz será um espetáculo de beleza e triunfo do Brasil do andar de baixo. Se a partida puder arrecadar armas, a
seleção pentacampeã terá dado ao mundo um dos seus
mais bonitos momentos de
poesia.
Linda galera a brasileira.
Comeu o seu primeiro bispo,
mas o pior momento da vida
nacional não se deu num campo de batalha. Aconteceu no
dia 16 de julho de 1950, quando Gigghia pegou a bola pela
direita e fez 2 a 1 para o Uruguai. Bastava o empate. Foi
como Pearl Harbor ou a queda
de Paris na memória nacional.
Os triunfos brasileiros não têm
soldados espetando a bandeira na casa dos outros. Eles estão representados em Bellini,
Carlos Alberto ou Cafu, erguendo uma taça. É verdade
que a primeira Jules Rimet,
guardada na CBF, foi roubada
e derretida. Isso não fala mal
do Brasil, apenas mostra que
coisas incríveis acontecem por
aqui. Afinal, comeu-se o bispo.
Há países onde as figuras
históricas mais lembradas são
um general (Bonaparte), um
presidente (Washington) ou
um tirano (Mao). Pindorama
tem Pelé. São 180 milhões de
pessoas incapazes de pensar
que exista um Brasil sem ele.
No país dessa linda galera,
prosperam expressões derrogatórias, tais como "coisa de
primeiro mundo". Supõe-se
que uma parte da população
viva nesta terra por obrigação,
contrafeita. Uma clonagem da
Beatriz (Débora Evelyn) de
"Celebridade". É comum ouvir
que "só no Brasil" se faz isso ou
aquilo, como se numa terra
linda por natureza vivesse um
povo amaldiçoado por Deus. O
que o Brasil tem de melhor são
as suas coisas do outro mundo.
As fitas do Bonfim, as baianas
da Mangueira, um garoto
qualquer correndo atrás de
uma bola na rua, um flanelinha oferecendo-se para guardar o carro, um motoqueiro.
São eles que vão ao Haiti carregando a alma de um grande
povo que sabe jogar futebol.
(Alguém acha que, se a Alemanha tivesse ganhado a Copa, sua seleção estaria convidada para jogar em Porto
Príncipe?)
Houve governantes que foram a Estocolmo para assistir
à premiação de seus conterrâneos com o Nobel. Há também
presidentes ou primeiros-ministros que vão almoçar com
suas tropas aquarteladas no
exterior, como George Bush e
Tony Blair no Iraque. Muito
bem fará Lula indo ao jogo da
seleção brasileira. Descerá no
Haiti como representante da
galera.
Texto Anterior: Papéis enviados pela Suíça mostram contas em nome da família Maluf Próximo Texto: Rio: Relator de CPI estadual vai acusar Waldomiro Índice
|