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"Tendência era amaciar para Dirceu", diz ministro do STF
Lewandowski afirma que "imprensa acuou o Supremo" no julgamento do mensalão
"Todo mundo votou com a faca no pescoço", declara o autor do único voto contra
a imputação do crime de quadrilha ao petista
VERA MAGALHÃES
DO PAINEL, EM BRASÍLIA
Em conversa telefônica na
noite de anteontem, o ministro
Ricardo Lewandowski, do STF
(Supremo Tribunal Federal),
reclamou de suposta interferência da imprensa no resultado do julgamento que decidiu
pela abertura de ação penal
contra os 40 acusados de envolvimento no mensalão. "A imprensa acuou o Supremo", avaliou Lewandowski para um interlocutor de nome "Marcelo".
"Todo mundo votou com a faca
no pescoço." Ainda segundo
ele, "a tendência era amaciar
para o Dirceu".
Lewandowski foi o único a
divergir do relator, Joaquim
Barbosa, quanto à imputação
do crime de formação de quadrilha para o ex-ministro da
Casa Civil e deputado cassado
José Dirceu, descrito na denúncia do procurador-geral da
República, Antonio Fernando
de Souza, como o "chefe da organização criminosa" de 40
pessoas envolvidas de alguma
forma no escândalo.
O telefonema de cerca de dez
minutos, inteiramente testemunhado pela Folha, ocorreu
por volta das 21h35. Lewandowski jantava, acompanhado,
no recém-inaugurado Expand
Wine Store by Piantella, na Asa
Sul, em Brasília.
Apesar de ocupar uma mesa
na parte interna do restaurante, o ministro preferiu falar ao
celular caminhando pelo jardim externo, que fica na parte
de trás do estabelecimento, onde existem algumas mesas
-entre elas a ocupada pela repórter da Folha, a menos de
cinco metros de Lewandowski.
A menção à imprensa se deve
à divulgação na semana passada, pelo jornal "O Globo", do
conteúdo de trocas de mensagens instantâneas pelo computador entre ministros do STF,
sobretudo de uma conversa entre o próprio Lewandowski e a
colega Cármen Lúcia.
Nos diálogos, os dois partilhavam dúvidas e opiniões a
respeito do julgamento, especulavam sobre o voto de colegas e aludiam a um suposto
acordo envolvendo a aposentadoria do ex-ministro Sepúlveda Pertence e a nomeação
-que veio a se confirmar- de
Carlos Alberto Direito para seu
lugar. Lewandowski chegou a
relacionar o suposto acordo ao
resultado do julgamento.
Ontem, na conversa de cerca
de dez minutos com Marcelo,
opinou que a decisão da Corte
poderia ter sido diferente, não
fosse a exposição dos diálogos.
"Você não tenha dúvida", repetiu em seguidas ocasiões ao
longo da conversa.
O fato de os 40 denunciados
pelo procurador-geral terem
virado réus da ação penal e o
dilatado placar a favor do recebimento da denúncia em casos
como o de Dirceu e de integrantes da cúpula do PT surpreenderam advogados de defesa e o governo. Na véspera do
início dos trabalhos, os ministros tinham feito uma reunião
para "trocar impressões" sobre
o julgamento, inédito pelo número de denunciados e pela
importância política do caso.
Em seu voto divergente no
caso de Dirceu, Lewandowski
disse que "não ficou suficientemente comprovada" a formação de quadrilha no que diz respeito ao ex-ministro. "Está se
potencializando o cargo ocupado [por Dirceu] exatamente para se imputar a ele a formação
de quadrilha", afirmou.
Enrique Ricardo Lewandowski, 58, foi o quinto ministro do STF nomeado por Lula,
em fevereiro do ano passado,
para o lugar de Carlos Velloso.
Antes, era desembargador do
Tribunal de Justiça de SP.
No geral, o ministro foi o que
mais divergiu do voto de Barbosa: 12 ocasiões. Além de não
acolher a denúncia contra Dirceu por formação de quadrilha,
também se opôs ao enquadramento do deputado José Genoino nesse crime, no que foi
acompanhado por Eros Grau.
No telefonema com Marcelo,
ele deu a entender que poderia
ter contrariado o relator em
mais questões, não fosse a suposta pressão da mídia. Ao analisar o efeito da divulgação das
conversas sobre o tribunal, disse que, para ele, não haveria
maiores conseqüências: "Para
mim não ficou tão mal, todo
mundo sabe que eu sou independente". Ainda assim, logo
em seguida deu a entender que,
não fosse a divulgação dos diálogos, poderia ter divergido do
relator em outros pontos: "Não
tenha dúvida. Eu estava tinindo nos cascos".
Lewandowski fez ainda referência à nomeação de Carlos
Alberto Direito, oficializada
naquela manhã pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Negou ao interlocutor que fizesse parte de um grupo do
STF contrário à escolha do ministro do Superior Tribunal de
Justiça para a vaga de Pertence, como se depreende da conversa eletrônica entre ele e
Cármen Lúcia. "Sou amigo do
Direito. Todo mundo sabia que
ele era o próximo. Tinha uma
campanha aberta para ele."
Ainda em tom queixoso, gesticulando muito e passando várias vezes a mão livre pela vasta
cabeleira branca enquanto falava ao celular, Lewandowski
disse que a prática de trocar
mensagens pelos computadores é corriqueira entre os ministros durante as sessões.
"Todo mundo faz isso. Todo
mundo brinca."
Já prestes a encerrar a conversa, o ministro, que ainda
trajava o terno azul acinzentado e a gravata amarela usados
horas antes, no último dia de
sessão do mensalão, procurou
resignar-se com a exposição
inesperada e com o resultado
do julgamento. "Paciência",
disse, várias vezes. E ainda filosofou: "Acidentes acontecem.
Eu poderia estar naquele avião
da TAM".
Além dos trechos claramente
identificados pela reportagem,
a conversa teve outras considerações sobre o julgamento, cuja
íntegra não pôde ser depreendida, uma vez que Lewandowski caminhou para um lado e para outro durante o telefonema.
Logo após desligar, ao voltar
para o salão principal do restaurante, Lewandowski se deteve para cumprimentar um
dos proprietários, o advogado
Antonio Carlos de Almeida
Castro, o Kakay, figura muito
conhecida em Brasília e amigo
de vários advogados e políticos
-entre eles o próprio Dirceu,
citado na conversa.
Lewandowski ficou pouco
mais de uma hora no restaurante. A Expand Wine Store by
Piantella é um misto de loja de
vinhos, restaurante e bar localizada na quadra 403 Sul, no
Plano Piloto. Pertence ao mesmo grupo de proprietários do
Piantella, o mais tradicional
restaurante da capital federal,
ponto de encontro de políticos.
Só depois da conversa com
Marcelo é que Lewandowski
sentou-se e fez os pedidos: uma
garrafa de vinho argentino
Santa Júlia, R$ 49 segundo o
cardápio, uma porção mista de
queijos e outra de presunto, cada uma ao preço de R$ 35. No
telão localizado às costas do
ministro, eram exibidos DVDs
musicais -um show do grupo
Simply Red e uma apresentação da cantora Ana Carolina.
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