São Paulo, segunda-feira, 30 de setembro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

A morte e a morte de Vicente Lobão

JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO

Junho de 1959. Vicente Lobão era, definitivamente, um sujeito muito popular. Goleiro, juiz de futebol, leão-de-chácara, foi quase tudo no Recife. Anunciou que seria candidato a vereador. Cumprindo, no sobrenome, as melhores tradições pernambucanas João Roberto Peixe, Amauri Pinto, Ricardo Leitão, Newton Carneiro, Cordeiro de Deus. Sem falar nos governadores Cordeiro de Farias e Nilo Coelho. Certo é que poucos duvidaram dessa eleição. Mas seus planos acabaram atrapalhados por um pequeno acidente. Resumindo, ele morreu.
Esmaragdo Marroquim, diretor de Redação do "Jornal do Commércio", destacou Severino Pedrosa para tirar as fotos desse lamentável evento. Pedrosa era presença obrigatória em literalmente todos os casamentos da cidade. Com sua máquina "Laika", seus tiques nervosos e sua imensa capacidade de causar confusão. Estava, então, em começo de carreira. Mas nunca teve pressa nessa vida. Razão por que acabou voltando ao jornal sem a foto.
Esmaragdo quase teve um infarto. "Seu Pedrosa, pegue Mata-Sete, e só volte aqui com a 3x4 do morto. E loooogo!!!" Mata-Sete era um desses faz-tudo que se encontra em todas as redações, raquítico e preto como noite sem lua. Tomou garupa na lambreta de Pedrosa e foram os dois para o pronto-socorro, na Fernandes Vieira. O necrotério ficava em uma entrada lateral. O corpo, inerte e solitário, jazia sobre a lousa fria.
Gorducho, Lobão era mais pesado do que deveria. Demais, para os braços franzinos do pobre Mata-Sete. Sem contar que, depois de algum tempo, todo corpo endurece. É o "rigor mortis", como dizem os entendidos. Pedrosa se equilibrou num banquinho e anunciou a estratégia. Eu grito "Vá", você dá um golpe de caratê na barriga do homem, ele vai um pouco para frente, você sapeca um pescoção na nuca dele, se abaixa, o corpo vai para a frente, eu tiro a foto e a gente se manda. Dito e feito. Só não contavam que, ao fim da operação, precisamente na hora em que o flash espocou, o morto desse um berro monumental, "Uuaaaaiii". E saísse correndo do necrotério. Era o vigia.
O resto dessa história fomos sabendo aos poucos. Esmaragdo acabou ficando sem sua foto. Pedrosa quebrou a perna, coitado, ao sair do banco, Mata-Sete virou pai-de-santo -com fama de ter mãos milagreiras, capazes de ressuscitar defunto. O vigia se queixou, ao delegado, de ter sido covardemente agredido. Mas os agressores nunca foram localizados. Só o pobre do Vicente Lobão cumpriu, obediente e sereno, seu destino de defunto. Perda inestimável para a democracia brasileira. Era São João. Nessa noite, segundo se comentou, um grande balão colorido subiu aos céus. E nunca mais voltou.


JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO, 54, advogado no Recife, escreve às segundas-feiras nesta coluna


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