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FOLCLORE POLÍTICO
A morte e a morte de Vicente Lobão
JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO
Junho de 1959. Vicente Lobão era,
definitivamente, um sujeito muito
popular. Goleiro, juiz de futebol, leão-de-chácara, foi quase tudo no Recife.
Anunciou que seria candidato a vereador. Cumprindo, no sobrenome, as melhores tradições pernambucanas João
Roberto Peixe, Amauri Pinto, Ricardo
Leitão, Newton Carneiro, Cordeiro de
Deus. Sem falar nos governadores Cordeiro de Farias e Nilo Coelho. Certo é
que poucos duvidaram dessa eleição.
Mas seus planos acabaram atrapalhados por um pequeno acidente. Resumindo, ele morreu.
Esmaragdo Marroquim, diretor de
Redação do "Jornal do Commércio",
destacou Severino Pedrosa para tirar as
fotos desse lamentável evento. Pedrosa
era presença obrigatória em literalmente todos os casamentos da cidade.
Com sua máquina "Laika", seus tiques
nervosos e sua imensa capacidade de
causar confusão. Estava, então, em começo de carreira. Mas nunca teve pressa nessa vida. Razão por que acabou
voltando ao jornal sem a foto.
Esmaragdo quase teve um infarto.
"Seu Pedrosa, pegue Mata-Sete, e só
volte aqui com a 3x4 do morto. E
loooogo!!!" Mata-Sete era um desses
faz-tudo que se encontra em todas as
redações, raquítico e preto como noite
sem lua. Tomou garupa na lambreta
de Pedrosa e foram os dois para o
pronto-socorro, na Fernandes Vieira.
O necrotério ficava em uma entrada
lateral. O corpo, inerte e solitário, jazia sobre a lousa fria.
Gorducho, Lobão era mais pesado do
que deveria. Demais, para os braços
franzinos do pobre Mata-Sete. Sem
contar que, depois de algum tempo, todo corpo endurece. É o "rigor mortis",
como dizem os entendidos. Pedrosa se
equilibrou num banquinho e anunciou
a estratégia. Eu grito "Vá", você dá um
golpe de caratê na barriga do homem,
ele vai um pouco para frente, você sapeca um pescoção na nuca dele, se abaixa,
o corpo vai para a frente, eu tiro a foto e
a gente se manda. Dito e feito. Só não
contavam que, ao fim da operação, precisamente na hora em que o flash espocou, o morto desse um berro monumental, "Uuaaaaiii". E saísse correndo
do necrotério. Era o vigia.
O resto dessa história fomos sabendo
aos poucos. Esmaragdo acabou ficando
sem sua foto. Pedrosa quebrou a perna,
coitado, ao sair do banco, Mata-Sete virou pai-de-santo -com fama de ter
mãos milagreiras, capazes de ressuscitar defunto. O vigia se queixou, ao delegado, de ter sido covardemente agredido. Mas os agressores nunca foram localizados. Só o pobre do Vicente Lobão
cumpriu, obediente e sereno, seu destino de defunto. Perda inestimável para
a democracia brasileira. Era São João.
Nessa noite, segundo se comentou, um
grande balão colorido subiu aos céus. E
nunca mais voltou.
JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO, 54, advogado no Recife, escreve às
segundas-feiras nesta coluna
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