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Quitação de dívidas distingue valerioduto mineiro do mensalão
Esquemas divergem também no tempo de duração dos repasses e no envio de recursos ao exterior; em comum, está a técnica utilizada por Marcos Valério
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
A comparação entre o mensalão operado pelo PT a partir
de 2003 e o valerioduto comandado pelo PSDB em Minas em
1998 resulta em pelo menos
três diferenças, segundo revelam as investigações da Polícia
Federal e da Procuradoria Geral da República sobre os dois
esquemas. Há divergências
quanto ao tempo de duração
dos pagamentos, à quitação ou
não dos empréstimos bancários para os repasses aos políticos aliados e a remessas ao exterior de parte dos recursos.
No esquema petista, os pagamentos feitos pelas empresas
do publicitário Marcos Valério
de Souza aos políticos, assessores e fornecedores das campanhas se prolongaram até muito
depois da eleição de 2002 -o
último repasse é datado de 1º de
outubro de 2004, segundo a lista de pagamentos entregue ao
Ministério Público por Valério.
Há indicativos de que só pararam ali porque o "Jornal do
Brasil" divulgara, apenas uma
semana antes, uma reportagem
com suspeitas sobre a existência dos pagamentos, cuja investigação decorrente logo foi arquivada pela Câmara. Em junho de 2005, o ex-deputado
Roberto Jefferson (PTB-RJ)
denunciou o mensalão, em entrevista à Folha.
No caso de Minas, os repasses ocorreram sempre em
1998, durante ou logo após a
campanha daquele ano. A diferença leva o ex-governador
Eduardo Azeredo (PSDB) a dizer, por meio de sua assessoria,
que não houve corrupção de
deputados da Assembléia de
Minas para aprovarem matérias de seu interesse. Contudo,
as investigações federais têm
como ponto de partida o ano de
1998, e não se sabe exatamente
se algum esquema estava em
operação antes das eleições.
O segundo ponto divergente
entre os dois esquemas trata do
pagamento dos empréstimos
bancários usados para financiar os políticos. No caso petista, os R$ 55,9 milhões utilizados no mensalão não foram pagos até hoje. Os bancos Rural e
BMG cobram na Justiça de Valério e do PT cerca de R$ 100
milhões, em valores atualizados em dezembro de 2005. O
PT reconhece uma dívida de
R$ 11,6 milhões com os dois.
No episódio mineiro, os empréstimos de R$ 28,5 milhões
utilizados no valerioduto para
custear a campanha majoritária de Azeredo e aliados foram
quitados em 1998 e 99. Segundo a PF, as dívidas bancárias
foram pagas ou mediante outros empréstimos ou por meio
de depósitos em espécie de origem não identificada.
Há pelo menos uma dívida
em aberto no valerioduto mineiro, mas está fora do sistema
financeiro: o ministro das Relações Institucionais, Walfrido
dos Mares Guia, deu R$ 511 mil
para Azeredo, segundo ele, a
fundo perdido, por amizade.
A divergência entre os casos
levanta a suspeita de que, no
caso petista, os empréstimos
foram tomados com a intenção
de não serem pagos, como concluiu a CPI dos Correios. O delegado da PF Luís Zampronha,
que atuou nos dois inquéritos,
levantou outra hipótese: no relatório do valerioduto, ele escreveu que talvez o esquema
petista tenha apenas ficado
"incompleto", por isso os empréstimos ficaram em aberto.
"Diferentemente do apurado
no inquérito policial 2245-4/
140-STF [do mensalão], no
presente caso foi observado o
ciclo completo do procedimento ilícito adotado, que somente
pode ser alcançado após o pagamento dos empréstimos,
momento em que se revela a
verdadeira origem dos recursos disponibilizados pelas empresas de Marcos Valério (...)
Fica evidente que tais empréstimos não passaram de adiantamentos que foram posteriormente cobertos com recursos
públicos desviados ou com valores disponibilizados por empresários que possuem fortes
interesses econômicos junto ao
Estado", concluiu Zampronha.
O terceiro ponto divergente
trata dos pagamentos ao exterior feitos ao marqueteiro da
campanha presidencial de Luiz
Inácio Lula da Silva, Duda
Mendonça. A partir de 2003,
ele recebeu R$ 10,5 milhões
numa conta bancária aberta
nos Estados Unidos em nome
da empresa Dusseldorf, sediada no paraíso fiscal das Bahamas. Esse tipo de operação
com evasão de divisas não foi
registrado no caso mineiro.
Duda também foi o marqueteiro da campanha de Azeredo.
Sua empresa recebeu R$ 4,5
milhões, mas o valor declarado
à Justiça Eleitoral foi de R$
700 mil. Os pagamentos foram
em espécie, em cheques emitidos pela SMPB, de Valério.
Convergência
O principal ponto de convergência entre os dois casos é a
técnica utilizada por Valério e
pelos operadores políticos. Como apontou Zampronha, nos
dois casos foi adotado um sistema que misturava, no caixa das
empresas de Valério, recursos
lícitos (contratos publicitários)
e ilícitos (desvios, doações eleitorais clandestinas).
"Essa técnica, conhecida como "commingling" ou "mescla",
caracterizada por esquemas
que procuram ocultar os recursos de origem criminosa dentro
das atividades normais de estruturas empresariais, é a mais
utilizada por organizações criminosas", escreveu Zampronha. "Valério acredita na infalibilidade da metodologia (...) para dissimular a origem e ocultar
o destino dos recursos da campanha, desconhecendo que essa tipologia de lavagem de dinheiro já foi devidamente esquadrinhada ao longo dos anos
pelos organismos de repressão
ao crime organizado", apontou.
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