São Paulo, quarta, 30 de setembro de 1998

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QUESTÃO AGRÁRIA
Jaime Amorim diz que conflito é possível e que o movimento pode perder controle sobre os saques
Líder do MST admite luta armada em PE

Cleo Velleda - 28.ago.98/Folha Imagem
Jaime Amorim, do MST, diz que os saques podem sair do controle


FÁBIO GUIBU
da Agência Folha, em Recife

O principal líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em Pernambuco, Jaime Amorim, admitiu ontem a possibilidade de o movimento recorrer à luta armada para defender os agricultores e seus ideais de reforma agrária.
"É possível (a luta armada), se a circunstância assim nos empurrar", declarou. Amorim afirmou ainda que nos locais onde "existem latifundiários" armados "necessariamente a política vai ter que ser a da defesa armada".
Em entrevista à Agência Folha, Amorim admitiu que o MST pode perder o controle dos saques promovidos por sem-terra no Estado.

Agência Folha - Por que o MST retomou saques em Pernambuco?
Jaime Amorim -
Os trabalhadores estão passando fome nos assentamentos. Vamos chegar numa situação de perda de controle porque eles vão buscar alimentação.
Agência Folha - O que você quer dizer com perda de controle?
Amorim -
Quando nós fizemos isso em maio, nós planejávamos mostrar a situação. Aquela situação mais planejada pode acabar. Os trabalhadores já estão começando a ter iniciativa própria.
Agência Folha - Como o MST pensa em retomar esse controle?
Amorim -
Quem tem de retomar o controle é o governo e não nós. Nós somos um movimento social e a nossa tarefa não é aliviar conflito, é criar mais, dentro das reais necessidades do povo.
Agência Folha - Os saques têm alguma relação com as eleições?
Amorim -
Não, porque, se assim fosse, não haveria saques depois das eleições, e vai haver. O que está motivando os saques não é a questão eleitoral, é a fome.
Agência Folha - Como você vê a ação dos proprietários de terras?
Amorim -
O latifúndio está agonizando e quem está agonizando só tem duas alternativas: ou morre ou sai arrebentando o que vê na frente. Na agonia, pode criar grupos paramilitares para tentar se defender ou entregar as terras para o Incra para salvar o que tem.
Agência Folha - E o que tem acontecido?
Amorim -
Ultimamente nós temos enfrentado muitos grupos armados no Estado. Temos procurado negociar, mas, se o Incra não fizer uma ofensiva e os trabalhadores continuarem a ser pressionados, é claro que a organização vai ter que tomar uma atitude.
Agência Folha - Com armas?
Amorim -
Essa é uma situação que não será determinada por nós. Se o governo empurrar para essa circunstância, os trabalhadores vão ter que tomar uma decisão: ou renunciar à luta e abandonar a reforma agrária ou buscar uma nova forma de luta.
Agência Folha - No caso, uma luta armada?
Amorim -
É possível, se a circunstância assim nos empurrar. Mas não é o que nós queremos.
Agência Folha - Hoje o MST imagina que possa haver luta armada contra quem?
Amorim -
Hoje o inimigo principal do MST é o governo. O normal seria o latifúndio, que está perdendo um poder histórico. Mas, quem se meteu na briga e está sentindo as dores do latifúndio é o governo. Existem latifundiários, usineiros que estão resistindo de forma armada. E, se eles vão resistir armados, a política vai ter que ser a da defesa armada.
Agência Folha - Quer dizer que os sem-terra podem se armar?
Amorim -
Podem. Para evitar o massacre, para se defender. O povo não pode viver eternamente massacrado pelos latifundiários.
Se não vai para a terra, morre de fome. Se vai para a terra, morre pelas armas do latifúndio. Então, a opção certamente sempre vai ser a de morrer lutando.



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