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COMENTÁRIO
Programa é conservador
GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
O programa de combate a fome
proposto pela equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva, comparado a similares existentes no Brasil (incluindo os da
Prefeitura de São Paulo) é, em alguns aspectos, conservador.
O conservadorismo está expresso no fato de restringir o consumo
dos beneficiados aos alimentos
que compõem a cesta básica, como feijão, leite, arroz e óleo.
Rosa Maria Marques, da PUC
de São Paulo, consultora da Opas
(Organização Pan-Americana da
Saúde) e uma das maiores especialistas em políticas de proteção
social do país, diz, por exemplo,
que, numa sociedade onde há forte apelo de marketing na área de
alimentos, é complicado proibir
uma família pobre de consumir,
com os recursos do programa, iogurte, chocolates e outras guloseimas infantis apresentadas na TV.
E, de acordo com as primeiras
informações sobre o programa,
haverá uma lista restrita de alimentos aos quais as famílias terão
direito. Marques ressalta que,
apesar de qualquer crítica que se
faça ao formato do "Fome-Zero",
possibilitar que milhões de brasileiros se alimentem é uma iniciativa política inédita no país.
O fato de o benefício ser concedido na forma de tíquetes e não
em dinheiro também é controverso. Reduz a autonomia das famílias, que poderiam decidir economizar, em determinado mês, uma
parte do recurso (caso recebessem em espécie) para investir de
outra maneira.
A distribuição de tíquetes estimula o surgimento de um "mercado paralelo" de compra desses
vales. Situação quase inevitável
quando as famílias se vêem diante
de emergências, como a necessidade de comprar remédios.
Quando a Prefeitura de São
Paulo começou a estudar o formato dos seus programas sociais
de complementação de renda, o
economista Márcio Pochmann,
titular da pasta a que os programas estão subordinados, foi contrário a distribuição de tíquetes.
Ele defendeu a autonomia do
consumo das famílias, que contribuiria, segundo disse à época, para aumentar a auto-estima dos
atendidos e consequentemente
sua cidadania. Além de evitar o tal
"mercado paralelo".
Fundamental para o sucesso do
programa (desse ou de qualquer
outro na área social) é fazer com
que realmente chegue a quem
precisa.
Isso é difícil, em razão de a
maior parte dos brasileiros miseráveis viver à margem da sociedade organizada.
Para Zilda Arns, coordenadora
da Pastoral da Criança, é importante que o cadastramento dos
beneficiados ocorra em parceria
com entidades sociais que atuam
nos bolsões de miséria do país.
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