|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
A única opção realista para a economia do Brasil: a menos pavorosa
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Caro presidente eleito Lula, permita-me lhe oferecer
tanto congratulações quanto comiseração. Em sua quarta tentativa, o senhor foi eleito presidente
do Brasil por uma imensa maioria. Mas sua vitória veio em um
momento de crise econômica. O
que o senhor fizer e disser ao longo dos próximos meses determinará não só o seu destino mas
também o destino de seu partido,
de seu país e talvez até mesmo o
da América Latina, na década vindoura.
Seu predecessor obteve grandes
realizações, especialmente a eliminação de uma inflação muito
alta. Mas o senhor herda agora
uma crise de dívida, muito agravada pela falta de confiança que
os investidores demonstram no
senhor. Para compreender suas
opções, o senhor precisa começar
pela posição que lhe foi legada.
A dívida líquida do setor público brasileiro explodiu, de 30% do
Produto Interno Bruto (PIB) em
1994 para 42% às vésperas da desvalorização cambial do começo
de 1999, e chegou a 59% em agosto último. Como aponta John Williamson, do Instituto de Economia Internacional, em agosto
42% da dívida interna do país estava denominada em dólares, 8%
era corrigida pela inflação e 37%
estava vinculada à taxa de juros
do overnight do Banco Central. O
mais importante é que 80% da dívida pública líquida e 70% da dívida pública bruta brasileira é doméstica. Uma moratória sobre essa dívida, portanto, devastaria a
economia de seu país.
Uma dívida elevada, boa parte
dela vinculada a moedas estrangeiras, e majoritariamente detida
por instituições domésticas, taxas
de juros em disparada e uma taxa
de câmbio em queda profunda representam uma combinação letal.
E a situação é agravada pelo virtual desaparecimento do crescimento econômico: a previsão de
consenso mais recente é de crescimento de 1,1% este ano. Mas mesmo com um crescimento de 4%, o
nível de dívida atual só seria estabilizado, levando em conta o superávit fiscal (o saldo anterior aos
pagamentos juros) planejado pelo governo da ordem de 3,75% do
PIB, caso as taxas reais de juros ficassem abaixo dos 10,25%. Hoje,
as taxas reais sobre empréstimos
em moeda estrangeiras são duas
vezes mais altas.
Assim, o que o senhor pode fazer? Sua primeira alternativa seria
aceitar que as pessoas que detêm
o dinheiro não confiam no senhor, dar de ombros e decretar
uma moratória. Mas isso criaria
uma gigantesca confusão. O sistema financeiro seria devastado, o
crédito se esgotaria e a economia
despencaria a uma profunda recessão. A alternativa seria decretar moratória só da dívida externa, combinada à adoção de controles de câmbio, mas isso causaria inadimplência do setor privado brasileiro, que está endividado
no exterior. O crédito comercial
desapareceria. A economia do
país ficaria sob estado de sítio.
A segunda alternativa seria aderir aos planos acertados com o
Fundo Monetário Internacional
(FMI) quando o Brasil obteve um
crédito de US$ 30,4 bilhões em setembro. Mas em recente depoimento diante do Congresso dos
Estados Unidos, Michael Mussa,
ex-economista chefe do Fundo,
condena essa posição como "um
compromisso insustentável". Como ele aponta, "o mercado está
bem ciente do programa existente
com o FMI, e claramente considera que ele seja inadequado".
A terceira alternativa seria muito mais ousada. O senhor dispõe,
no momento, de uma autoridade
única. O senhor poderia afirmar
-porque é verdade- que as
maiores vítimas de uma recessão
induzida por uma moratória são
os seus próprios partidários. Em
um país com carga fiscal relativamente elevada (mais que o dobro
da argentina), deve ser possível
elevar o superávit fiscal primário
planejado para os 6% do PIB, como fez a Turquia, sem prejudicar
os pobres. O custo econômico de
um aumento dessas dimensões
no superávit seria bastante inferior ao de uma moratória.
O seu governo precisaria convencer as instituições domésticas
a rolar a dívida a taxas razoáveis
de juros. E deveria persuadir os
países desenvolvidos a solicitar
que seus bancos fizessem o mesmo, como aconteceu no caso da
Coréia do Sul, em 1998. Seria preciso que o senhor selecionasse
uma equipe de profissionais respeitados. É lastimável que o senhor tenha decidido não reconduzir o esplêndido Armínio Fraga
à presidência do Banco Central.
O crescimento retornará, estimulado pela grande virada que
agora começa a se fazer sentir na
conta corrente brasileira, que entrou em superávit no terceiro trimestre, com, aumento de 40%
nas exportações ante o trimestre
anterior. Com a confiança renovada, surgirão taxas de juros mais
baixas e uma taxa de câmbio mais
favorável. Mussa acredita que o
senhor precisará de um pacote de
financiamento externo muito
maior. Ele fala em US$ 100 bilhões
a US$ 120 bilhões, dado o tamanho da economia de seu país. É
bastante improvável que apoio
nessa escala seja obtido.
O senhor herda um país desprovido de recursos. A única questão
é de que maneira responderá a isso. Pode escolher a moratória e
enfrentar as consequências posteriores. Pode manter o rumo definido pelo seu predecessor, que
provavelmente conduzirá a uma
moratória. Ou pode fazer da restauração da confiança nas finanças brasileiras a sua prioridade suprema. O senhor deveria escolher
a última alternativa, não porque é
uma boa escolha mas porque é a
menos pavorosa. É preciso fazer
do Brasil um país de crescimento
estável e finanças públicas sólidas.
Só com base nisso o senhor poderá ajudar os pobres. Governar é
escolher. Escolha bem.
Sinceramente, Martin Wolf.
Martin Wolf, ex-economista do Banco
Mundial, é colunista do "Financial Times".
Tradução de Paulo Migliacci
Texto Anterior: Todas as Línguas: Intérprete de Lula já foi surpreendido por quebradeira de babaçu Próximo Texto: País é capaz de superar crise, diz Armínio Índice
|