São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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JUDICIÁRIO

Integrantes do Ministério Público e do STF trocam acusações devido a encerramento de ações contra magistrados afastados

Operação Anaconda vive refluxo na Justiça

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Juízes federais paulistas afastados do cargo na Operação Anaconda estão se livrando de ações penais em meio a forte tiroteio, numa guerra surda que envolve troca de acusações e ofensas entre membros do Supremo Tribunal Federal e do Ministério Público.
Ao votar pelo fim de uma ação criminal contra o juiz federal Casem Mazloum, o ministro Gilmar Mendes, do STF, citou vários processos da Anaconda e escreveu que o recebimento de "denúncias ineptas e aventureiras pelos Tribunais Regionais Federais e confirmadas pelo Superior Tribunal de Justiça" revela "uma típica covardia institucional".
"É uma ofensa inaceitável e sem precedentes ao STJ, ao TRF e ao Ministério Público Federal", reagiu Janice Ascari, que liderou o trio de procuradoras da República da Operação Anaconda.
Mazloum fora denunciado com os juízes federais João Carlos da Rocha Mattos, Adriana Pileggi de Soveral e três policiais federais pelo uso irregular, em veículos particulares e de parentes, de chapas reservadas, exclusivas para uso em operações da polícia.
"É impensável, para quem os conhece, que a desembargadora Therezinha Cazerta e os membros do TRF sejam covardes porque deram início a uma ação penal. É inadmissível dizer que os ministros José Arnaldo Fonseca, Gilson Dipp e Laurita Vaz, que confirmaram a decisão no STJ, sejam covardes", afirmou Ascari.
Para a procuradora regional da República Luiza Cristina Frischeisen, Mendes estaria sendo "arrogante" porque decidiu sem ter tido acesso ao inteiro teor dos processos e das provas. "Julgar fatos sem conhecer as provas, o que não é viável em habeas corpus, só pode dar em impunidade", diz a procuradora Ana Lúcia Amaral.
Ela alega que matéria criminal não é a especialidade de Mendes, que em seus votos "tem demonstrado um rancor desmedido" em relação ao MPF, "possivelmente por ter sido acionado por improbidade administrativa".
A Folha transmitiu a Gilmar Mendes as principais críticas das procuradoras. O ministro preferiu não fazer comentários. O TRF-3 não quis se manifestar.

Placas
O encerramento da ação penal no caso das placas foi decidido por maioria pela 2ª Turma do STF. Em votação anterior, por unanimidade, a turma negara o trancamento de ação igual contra a juíza Adriana Soveral. Agora, ao julgar o pedido de Casem Mazloum, aceitou que não houve adulteração das placas, mas uso indevido de placas fornecidas pelo Detran. O benefício concedido a Mazloum foi estendido a todos os réus. "A decisão repõe as coisas nos seus devidos lugares, afastando o arbítrio", disse o advogado Alberto Zacharias Toron, que fizera a defesa oral da juíza Soveral.
No julgamento anterior, Mendes entendera que o fato tipificava crime, e acompanhara a ministra relatora, Ellen Gracie.
A relatora sustentou que o TRF e o STJ haviam admitido que "a substituição de placas comuns por placas reservadas configura alteração de sinal identificador externo do veículo automotor". Ou seja, que a conduta se ajusta ao crime previsto no artigo 311 do Código Penal" [reclusão de três a seis anos e multa, pena aumentada em um terço quando cometido por servidor público].
"A julgar pelas palavras do ministro Mendes, a relatora é "covarde", pois tem reafirmado tratar-se de conduta típica retirar-se a placa do veículo, lacrado pelo Detran, e colocar outra, o que permite cometer infrações de trânsito e até crimes sem que se possa identificar o condutor", diz Ana Lúcia.
Mendes citou os desembargadores Peixoto Júnior e Alda Basto, do TRF-3, ao acolher a alegação de que Casem Mazloum "não remarcou nem adulterou placas".
"Não se está aqui a apoiar atuação irregular de magistrado", afirmou Mendes, ao dizer que os atos poderiam configurar irregularidade administrativa, não justificando ação penal. No voto, pediu "escusas" por haver negado habeas corpus, antes, à juíza Soveral.

Gravações
Nos diálogos gravados da Operação Anaconda, Rocha Mattos orienta policiais para forjar respostas em sindicância da Polícia Federal sobre as placas. O juiz pediu ao agente federal César Herman Rodriguez cópia de recurso contra multas, explicando que não tinha mais placa reservada. Interrogado no TRF, Rocha Mattos disse que, ele mesmo, quebrava o lacre do Detran, "coisa de bandido", segundo sua mulher.
Em dezembro de 2004, Ascari, Frischeisen e Amaral já haviam considerado um "desrespeito" ao TRF e ao STJ o fato de o Supremo, a partir de voto de Mendes, haver excluído o juiz Ali Mazloum do processo da Anaconda no dia em que o caso estava sendo julgado em São Paulo. O habeas corpus fora impetrado quatro meses antes e a denúncia havia sido mantida, por unanimidade, pelo STJ.
Mendes considerou que havia "imputações vagas" na denúncia contra Ali Mazloum -acusado de usar serviços prestados pela quadrilha da Anaconda para obter vantagens. O ministro concordou com a alegação da defesa de que a denúncia era "genérica", por atribuir ao magistrado "participação peculiar na quadrilha".
Em seu voto, Mendes citou outros casos da Anaconda, "cuja lembrança chega a ser constrangedora". O primeiro, "uma denúncia que beirava às raias da total irresponsabilidade e que o ministro Celso de Mello classificou de "bizarra'": o MPF denunciara Casem Mazloum por falsidade porque, numa declaração de renda à Receita Federal, dizia possuir US$ 9 mil no Afeganistão, enquanto na cópia entregue ao tribunal informava que o dinheiro estava no Brasil. O STF aceitou a alegação de "erro de digitação", tese rejeitada pelo TRF e pelo STJ.


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