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JUDICIÁRIO
Integrantes do Ministério Público e do STF trocam acusações devido a encerramento de ações contra magistrados afastados
Operação Anaconda vive refluxo na Justiça
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Juízes federais paulistas afastados do cargo na Operação Anaconda estão se livrando de ações
penais em meio a forte tiroteio,
numa guerra surda que envolve
troca de acusações e ofensas entre
membros do Supremo Tribunal
Federal e do Ministério Público.
Ao votar pelo fim de uma ação
criminal contra o juiz federal Casem Mazloum, o ministro Gilmar
Mendes, do STF, citou vários processos da Anaconda e escreveu
que o recebimento de "denúncias
ineptas e aventureiras pelos Tribunais Regionais Federais e confirmadas pelo Superior Tribunal
de Justiça" revela "uma típica covardia institucional".
"É uma ofensa inaceitável e sem
precedentes ao STJ, ao TRF e ao
Ministério Público Federal", reagiu Janice Ascari, que liderou o
trio de procuradoras da República da Operação Anaconda.
Mazloum fora denunciado com
os juízes federais João Carlos da
Rocha Mattos, Adriana Pileggi de
Soveral e três policiais federais pelo uso irregular, em veículos particulares e de parentes, de chapas
reservadas, exclusivas para uso
em operações da polícia.
"É impensável, para quem os
conhece, que a desembargadora
Therezinha Cazerta e os membros do TRF sejam covardes porque deram início a uma ação penal. É inadmissível dizer que os
ministros José Arnaldo Fonseca,
Gilson Dipp e Laurita Vaz, que
confirmaram a decisão no STJ, sejam covardes", afirmou Ascari.
Para a procuradora regional da
República Luiza Cristina Frischeisen, Mendes estaria sendo "arrogante" porque decidiu sem ter tido acesso ao inteiro teor dos processos e das provas. "Julgar fatos
sem conhecer as provas, o que
não é viável em habeas corpus, só
pode dar em impunidade", diz a
procuradora Ana Lúcia Amaral.
Ela alega que matéria criminal
não é a especialidade de Mendes,
que em seus votos "tem demonstrado um rancor desmedido" em
relação ao MPF, "possivelmente
por ter sido acionado por improbidade administrativa".
A Folha transmitiu a Gilmar
Mendes as principais críticas das
procuradoras. O ministro preferiu não fazer comentários. O
TRF-3 não quis se manifestar.
Placas
O encerramento da ação penal
no caso das placas foi decidido
por maioria pela 2ª Turma do
STF. Em votação anterior, por
unanimidade, a turma negara o
trancamento de ação igual contra
a juíza Adriana Soveral. Agora, ao
julgar o pedido de Casem Mazloum, aceitou que não houve
adulteração das placas, mas uso
indevido de placas fornecidas pelo Detran. O benefício concedido
a Mazloum foi estendido a todos
os réus. "A decisão repõe as coisas
nos seus devidos lugares, afastando o arbítrio", disse o advogado
Alberto Zacharias Toron, que fizera a defesa oral da juíza Soveral.
No julgamento anterior, Mendes entendera que o fato tipificava
crime, e acompanhara a ministra
relatora, Ellen Gracie.
A relatora sustentou que o TRF
e o STJ haviam admitido que "a
substituição de placas comuns
por placas reservadas configura
alteração de sinal identificador
externo do veículo automotor".
Ou seja, que a conduta se ajusta ao
crime previsto no artigo 311 do
Código Penal" [reclusão de três a
seis anos e multa, pena aumentada em um terço quando cometido
por servidor público].
"A julgar pelas palavras do ministro Mendes, a relatora é "covarde", pois tem reafirmado tratar-se
de conduta típica retirar-se a placa do veículo, lacrado pelo Detran, e colocar outra, o que permite cometer infrações de trânsito e
até crimes sem que se possa identificar o condutor", diz Ana Lúcia.
Mendes citou os desembargadores Peixoto Júnior e Alda Basto,
do TRF-3, ao acolher a alegação
de que Casem Mazloum "não remarcou nem adulterou placas".
"Não se está aqui a apoiar atuação irregular de magistrado", afirmou Mendes, ao dizer que os atos
poderiam configurar irregularidade administrativa, não justificando ação penal. No voto, pediu
"escusas" por haver negado habeas corpus, antes, à juíza Soveral.
Gravações
Nos diálogos gravados da Operação Anaconda, Rocha Mattos
orienta policiais para forjar respostas em sindicância da Polícia
Federal sobre as placas. O juiz pediu ao agente federal César Herman Rodriguez cópia de recurso
contra multas, explicando que
não tinha mais placa reservada.
Interrogado no TRF, Rocha Mattos disse que, ele mesmo, quebrava o lacre do Detran, "coisa de
bandido", segundo sua mulher.
Em dezembro de 2004, Ascari,
Frischeisen e Amaral já haviam
considerado um "desrespeito" ao
TRF e ao STJ o fato de o Supremo,
a partir de voto de Mendes, haver
excluído o juiz Ali Mazloum do
processo da Anaconda no dia em
que o caso estava sendo julgado
em São Paulo. O habeas corpus
fora impetrado quatro meses antes e a denúncia havia sido mantida, por unanimidade, pelo STJ.
Mendes considerou que havia
"imputações vagas" na denúncia
contra Ali Mazloum -acusado
de usar serviços prestados pela
quadrilha da Anaconda para obter vantagens. O ministro concordou com a alegação da defesa de
que a denúncia era "genérica",
por atribuir ao magistrado "participação peculiar na quadrilha".
Em seu voto, Mendes citou outros casos da Anaconda, "cuja
lembrança chega a ser constrangedora". O primeiro, "uma denúncia que beirava às raias da total irresponsabilidade e que o ministro Celso de Mello classificou
de "bizarra'": o MPF denunciara
Casem Mazloum por falsidade
porque, numa declaração de renda à Receita Federal, dizia possuir
US$ 9 mil no Afeganistão, enquanto na cópia entregue ao tribunal informava que o dinheiro
estava no Brasil. O STF aceitou a
alegação de "erro de digitação",
tese rejeitada pelo TRF e pelo STJ.
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