São Paulo, domingo, 30 de dezembro de 2007

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Juros não caem porque Lula teme o mercado, diz Alencar

Vice-presidente acrescenta, porém, que petista "é um sujeito ultra-responsável'

Ele diz que Lula sabe da sua posição sobre juros ("Claro que sabe, eu falo isso sem parar, né'), mas nunca lhe pediu para ficar em silêncio

VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Crítico recorrente dos juros altos, o vice-presidente José Alencar Gomes da Silva disse à Folha que eles não caem mais porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem "medo" das ameaças feitas por economistas de mercado de que isso causaria uma "inflação violenta" no país.
A alfinetada no colega, contudo, é logo seguida de elogios pelo comportamento "ajuizado" do petista. "O Lula é um sujeito ultra-responsável, ele tem preocupação que [uma queda forte dos juros] pudesse trazer uma inflação brutal."
Ao final da entrevista, feita na véspera de Natal, já com o gravador desligado, José Alencar faz questão de destacar que gosta muito do presidente Lula, tem um grande reconhecimento do valor dele e que sempre será seu amigo.
Isso, segundo ele, não o impede de fazer suas críticas aos juros altos. "Ele não pode me demitir, então falo com absoluta isenção e independência." Diz, porém, que pára de falar de juros no dia que o presidente fizer tal pedido. "Eu não falaria mais, mas nunca me pediu."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida pelo vice-presidente em Belo Horizonte, no escritório de sua empresa, a Coteminas:  

FOLHA - O sr. sempre foi um crítico dos juros altos. Nos últimos tempos, parou de criticar. O que aconteceu?
JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA
- Eu não mudei nada. Eu nunca deixei de condenar. A inflação não era de demanda, não exigia taxas de juros daquele patamar [a taxa Selic chegou a 26,5% ao ano no início do primeiro mandato] para combatê-la.

FOLHA - Por que o sr. acha que o governo não resolveu essa questão dos juros altos?
ALENCAR
- Porque há uma ameaça de articulistas, que são economistas ligados ao sistema financeiro, que é muito organizado, e que colocam quase que como alternativa: ou nós mantemos esses juros ou mais uma vez vamos ter uma inflação violenta no país.

FOLHA - Estão surgindo pressões inflacionárias por causa da forte demanda. Se o Copom (Conselho de Política Monetária) subir os juros, o sr. ficará frustrado?
ALENCAR
- Eu nunca critiquei o Copom diretamente, ele não tem responsabilidade nenhuma perante à nação.

FOLHA - Quem tem?
ALENCAR
- Quem tem é o governo, o presidente da República, é ele quem tem de dar a determinação para que as taxas de juros sejam essas. Agora, se ele não quer fazer diretamente, porque tem medo desses que o ameaçam com inflação, então que ele fortaleça, enriqueça o Conselho Monetário Nacional [que define a meta de inflação anual a ser perseguida pelo Banco Central].

FOLHA - Por que o sr. acha que ele não faz isso?
ALENCAR
- Por que o Lula é um sujeito ultra-responsável, tem preocupação que pudesse trazer uma inflação brutal.

FOLHA - Não estou entendendo. O sr. diz que ele é responsável, preocupado com a inflação, mas diz que é o responsável pelos juros altos...
ALENCAR
- Veja bem, cada um de nós tem sua característica, o presidente da República não tem o dever de ser familiarizado com todas as questões. Por exemplo, não acredito que haja nenhum cientista político que conheça mais política do que o Lula. No campo social, não existe nenhum presidente mais responsável e sensível do que ele. É um craque.

FOLHA - O sr. diz que o Lula é um craque na área política e social, mas na econômica...
ALENCAR
- Na área econômica ele tem a preocupação com a inflação. E como eles batem, batem, batem, ele acredita então que graças a essa política monetária, de taxa de juros elevadas, é que nós temos a inflação baixa no Brasil. Ele acha isso.

FOLHA - O sr. concorda?
ALENCAR
- Não, eu discordo frontalmente. Por quê? Porque isso é graças ao equilíbrio orçamentário, e não à política monetária.

FOLHA - O sr. conversa sobre isso com o presidente?
ALENCAR
- Eu e o Lula nos entendemos muito bem, ele sabe dessa minha encrenca com relação aos juros. Claro que sabe, eu falo isso sem parar, né, então ele sabe. Ele nunca me pediu que não falasse. E digo para você, se ele tivesse pedido, eu não falaria mais, mas nunca me pediu.


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