São Paulo, terça-feira, 30 de dezembro de 2008

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Após desgaste, Lula exonera Lacerda da direção da Abin

Delegado será adido policial em Portugal; cargo foi criado só para acomodá-lo

Participação na Operação Satiagraha e suposta escuta em presidente do STF minam apoio ao delegado, afastado desde setembro

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de quase quatro meses de desgaste, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva exonerou ontem o diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Paulo Lacerda, e o nomeou adido policial na Embaixada do Brasil em Portugal, cargo criado para acomodá-lo. Contudo, o que deveria ser uma saída honrosa para Lacerda soou como desprestígio para o delegado que chefiou a Polícia Federal durante todo o primeiro mandato de Lula (2003-2006), antes de passar para o comando da Abin.
Lacerda foi convidado para assumir o posto em Lisboa pelo número dois do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, secretário-executivo da pasta. Nem Lula nem o ministro Tarso Genro trataram do assunto diretamente com o diretor-geral da agência.
Lacerda foi afastado por Lula do comando da Abin no dia 1º de setembro, após a revista "Veja" ter publicado reportagem sobre um grampo que teria sido realizado pela Abin de uma conversa entre o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). A ação clandestina teria sido realizada por agentes cedidos por Lacerda ao delegado da PF Protógenes Queiroz, que conduziu a Operação Satiagraha até o início de julho. Lacerda sempre negou o envolvimento da Abin no suposto grampo e esperava voltar para o comando da agência após a conclusão do inquérito aberto pela PF para investigar o caso.
O inquérito da PF, contudo, está parado na Justiça, que analisa pedido de prorrogação feito pelos delegados Rômulo Berredo e William Morad. Até agora, a PF não coletou provas de autoria nem vestígios do suposto áudio cuja transcrição foi divulgada pela revista. O período máximo de afastamento de Lacerda vencia ontem. Segundo a Folha apurou, o presidente Lula não queria simplesmente exonerá-lo nem reconduzi-lo ao cargo antes da conclusão da investigação da PF. No primeiro caso, poderia passar a idéia de culpa do diretor da Abin. No segundo, havia o risco de constrangimento para o presidente se, após sua volta para o comando da agência, a PF identificasse o envolvimento de agentes da Abin no episódio. A saída encontrada foi recolocar o policial federal numa nova função.
Duas semanas atrás, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) arquivou sindicância para investigar a participação de agentes da Abin no episódio. O gabinete diz não ter encontrado provas contra os agentes. Mas a apuração do GSI foi considerada pelo Planalto insuficiente para sustentar a decisão de reconduzir Lacerda ao posto. A Abin está subordinada ao gabinete, e o próprio chefe do GSI, general Jorge Felix, disse em uma reunião com agentes que o vazamento do grampo era obra de "um colega". Oficialmente, o general nega, apesar de ter sido ouvido por dezenas de agentes. Interinamente, permanece na direção da agência Wilson Trezza, no entanto a disputa pelo cargo já começou. A Folha não conseguiu falar com ele ou com Lacerda ontem.

"Exílio amigável"
O Ministério da Justiça tinha planos de aumentar o número de adidos policiais nas embaixadas. Antes de entrar em férias no dia 19 passado, o ministro Tarso Genro conversou com Lula e disse que poderia oferecer a Lacerda um posto a ser criado em Lisboa. O presidente gostou da idéia -cargos diplomáticos na capital portuguesa têm sido, historicamente, pontos preferenciais para "exílios políticos amigáveis". Tarso, então, incumbiu seu secretário-executivo para levar o convite ao diretor da Abin.
Lacerda não queria deixar o cargo, mas entendeu o convite como um sinal de que não seria reconduzido. Assim, decidiu aceitar a nova função.
Além de Portugal, o Ministério da Justiça criou as funções de adido policial também nas embaixadas do Brasil nos Estados Unidos e na Itália, mas os nomes para os cargos ainda não foram escolhidos.
Hoje, somente sete embaixadas (Uruguai, Argentina, Paraguai, Colômbia, Bolívia, França e Suriname) contam com a figura do adido policial, que ajuda a coordenar operações policiais conjuntas do Brasil com esses países e também nas ações da Interpol. Em Portugal, a missão principal de Lacerda será cuidar de questões relacionadas a tráfico de pessoas e imigração ilegal. Lula exonerou também Renato Porciúncula, ex-diretor de Inteligência da PF que Lacerda levou para Abin como seu homem de confiança.

Colaborou ANGELA PINHO, da Sucursal de Brasília



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