|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Contra "Comissão da Verdade", comandantes ameaçam sair
Exército e Aeronáutica dizem que plano para apurar tortura na ditadura é revanchista
Secretário de Direitos Humanos também diz que se demite se houver recuo; Lula deve deixar decisão de impasse para volta de férias
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
SIMONE IGLESIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os comandantes do Exército,
general Enzo Martins Peri, e da
Aeronáutica, brigadeiro Juniti
Saito, ameaçaram pedir demissão caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não revogue
alguns trechos do Plano Nacional de Direitos Humanos 3, que
cria a "Comissão da Verdade"
para apurar torturas e desaparecimentos durante o regime
militar (1964-1985).
Em reunião com o ministro
da Defesa, Nelson Jobim, no
dia 23, às vésperas do Natal, os
dois classificaram o documento
como "excessivamente insultuoso, agressivo e revanchista"
às Forças Armadas e disseram
que os seus comandados se
sentiram diretamente ofendidos. O comandante da Marinha, Júlio Soares de Moura Neto, não estava em Brasília.
Jobim disse que não tinha sido consultado sobre os termos
do plano, que não concordava
com tentativas de revanchismo
e que iria falar com Lula a respeito. Com isso, acabou colocando o presidente entre dois
polos de pressão: os militares,
de um lado, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o secretário
de Direitos Humanos, Paulo
Vannuchi, do outro.
Lula embarca hoje para a folga de fim de ano na Bahia procurando uma solução de contemporização. Os militares se
contentariam com mudanças
no texto, mas Vannuchi está irredutível e também ameaça
sair do governo caso haja recuo.
Até ontem, a opção de Lula
para minimizar a crise era uma
saída de meio termo: não mexer no texto, mas orientar as
comissões técnicas encarregadas de executá-lo a ignorar na
prática os pontos mais críticos.
À Folha, um alto funcionário
civil disse que a "tensão está
fortíssima". Esse clima ficou
evidente na cerimônia que Lula presidiu anteontem, no
CCBB, para sancionar a nova
lei de cargos e salários dos taifeiros da Aeronáutica, na presença de Saito, que conversou à
parte com o presidente.
Convidado por Lula, Jobim
disse que não poderia comparecer à cerimônia porque estaria fora de Brasília. Quem acabou aparecendo, para um evento da Funai, foi Tarso Genro.
Também conversou reservadamente com o presidente.
Vannuchi está no olho do furacão: ele tinha despacho com
o presidente às 18h do mesmo
dia, mas o encontro foi adiado
de última hora para ontem e,
no final, acabou não acontecendo, o que aumentou a suspeita de que ele também tenha
colocado o cargo à disposição.
Lula conversou com Vannuchi por telefone e lhe falou sobre a "fórmula de conciliação",
mas o desfecho ficará para a
volta de Lula, em 11 de janeiro.
O foco da crise é o sexto capítulo do Plano de Direitos Humanos, anunciado por Lula no
dia 21 e publicado no "Diário
Oficial" da União, no dia seguinte, com 180 páginas.
O capítulo se chama "Eixo
Orientador 6: Direito à Memória e à Verdade". Duas propostas deixaram a área militar particularmente irritada: identificar e tornar públicas as "estruturas" utilizadas para violações
de direitos humanos durante a
ditadura e criar uma legislação
nacional proibindo que ruas,
praças, monumentos e estádios
tenham nomes de pessoas que
praticaram crimes na ditadura.
Na leitura dos militares, isso
significa que o governo do PT,
formado por muitos personagens que atuaram "do outro lado" no regime militar, está querendo jogar a opinião pública
contra as Forças Armadas.
Imaginam que o resultado
dessas propostas seja a depredação ou até a invasão de instalações militares que supostamente tenham abrigado atos
de tortura e não admitem o
constrangimento da retirada
de nomes de altos oficiais de
avenidas pelo país afora.
Em Brasília, por exemplo, há
a ponte Costa e Silva e o Ginásio Presidente Médici -ambos
presidentes no regime militar.
Texto Anterior: Elio Gaspari: De obama@gov para dilma.e.serra@org Próximo Texto: Há 50 anos, as "Folhas" se tornavam a Folha de S.Paulo Índice
|