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FÓRUM ECONÔMICO
Figuras da elite reunida no encontro suíço reconhecem importância política global e credibilidade das ONGs
ONGs roubam a cena em Davos 2001
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
O Fórum de Davos começou
sob a sombra do desaquecimento
da economia norte-americana e
terminou com as ONGs (organizações não-governamentais) roubando a cena e consolidando seu
papel como agentes político-sociais de primeira grandeza.
O atestado de preeminência às
ONGs foi passado, entre tantos
outros, por Claude Smadja, diretor-gerente do Fórum Econômico
Mundial, entidade suíça que organiza todos os anos um encontro
de personalidades do governo, da
universidade e dos negócios que é
tido como o conclave do capitalismo global.
Diz Smadja: "As demonstrações
recentes em todas as partes do
mundo mostram que tomou papel central a questão do envolvimento da sociedade civil em aspectos da governança, seja política, seja corporativa". Mas ele não
está sozinho no reconhecimento
do papel relevante das ONGs (ou
da sociedade civil, a outra forma
de referir-se a elas).
"Não se vê hoje uma única área
em que não haja uma rede de
ONGs trabalhando nela", diz, por
exemplo, Ann Florini, do Instituto Carnegie para a Paz Internacional, respeitado centro de pesquisas dos Estados Unidos.
É natural nesse cenário que Michael Elliot, escritor e editor-chefe
da publicação eletrônica "e-countries", chegue a dizer que os anos
90 "foram a década das ONGs".
Completa: "Saíram da sombra para ocupar o centro do palco no debate internacional".
Não são considerações de valor
apenas acadêmico. O novo papel
das ONGs tem muito a ver com o
desempenho de instituições essenciais à vida de cada um, quais
sejam governos, empresas, partidos e instituições internacionais.
"As ONGs não têm idéia de como os representantes dos governos estão perplexos com o fato de
que elas têm, conforme pesquisas,
mais credibilidade que os governos e as empresas", diz Philippe
Petit, embaixador da França junto
aos organismos internacionais sediados em Genebra.
"Elas são as porta-vozes do mal-estar e das incertezas causadas pela globalização e pela revolução na
tecnologia da informação", avalia
Smadja, do Fórum de Davos.
Pela análise de Smadja, também
um cientista político (Universidade de Lausanne), as ONGs entram
no vácuo de falências dos governos e das empresas.
"O mundo político está em
completa desorganização por não
ter ainda achado seu novo papel
no mundo globalizado. E as empresas são ou, ao menos, são vistas como extremamente arrogantes", avalia o diretor-gerente do
Fórum.
Emenda Walter Lewalter, o embaixador da Alemanha em Genebra: "Os partidos políticos não
existem no plano global, mas algumas decisões têm que ser tomadas no plano global".
Empresas arrogantes
O fortalecimento das ONGs é
reconhecido até por empresas
que, até há pouco, se negavam a
dialogar com elas. É o caso da
Monsanto, sempre envolvida em
polêmicas sobre os GMOs (organismos geneticamente modificados). Seu executivo-chefe, Hendrik Verfaillie, conta que, até há
oito meses, a política da companhia era a de não escutar a sociedade civil. "Achávamos que ela é
que deveria ouvir nossos argumentos e calar-se."
Não funcionou, admite Verfaillie. Agora, a Monsanto "mudou o
curso e passou a dialogar com
grande número de ONGs", diz.
Mas o diálogo não é fácil. Verfaillie, como a maioria dos empresários e mesmo observadores
neutros, divide as ONGs em duas
categorias, que ele define assim:
"Há as que buscam a controvérsia pela controvérsia e não estão
interessadas em soluções e há as
que defendem causas muito boas,
aliás, a maioria".
O fortalecimento das ONGs não
levou apenas ao diálogo. Fez nascer instintos conspiratórios em
certos meios empresariais.
Lori Wallach (Global Trade
Watch, uma das mais ativas
ONGs que lidam com comércio
internacional) conta que, três meses depois das espetaculares manifestações promovidas pelas
ONGs em Seattle, um grupo empresarial convocou uma reunião
para discutir meios de minar as
organizações da sociedade civil.
As ONGs só ficaram sabendo da
conspiração graças a uma outra
característica do vasto mundo de
organizações da sociedade civil: é
tão povoado, não raro caótico,
que uma das entidades convocadas pelos empresários era ONG,
mas seu nome parecia o de uma
organização empresarial.
De toda forma, a tendência para
o fortalecimento da sociedade civil é comemorada com previsões
apocalípticas para o caso de se dar
o contrário.
Pierre Sané, secretário-geral da
Anistia Internacional, lembra os
200 milhões de mortos do século
20, "o mais sangrento da história", para dizer: "Sem o fortalecimento da sociedade civil, o século
21 tem o potencial para ser pior".
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