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São Paulo, sexta-feira, 31 de janeiro de 2003

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ENTREVISTA

João Paulo defende "rito extraordinário" para aprovar projetos e diz que "'8 anos são insuficientes" para "refazer" o país

Governo quer reformas a toque de caixa

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Brasil está sob o PT há um mês. O país radicalmente diferente prometido no palanque ainda não foi esboçado. A julgar pelo que disse João Paulo Cunha (PT-SP) à Folha, o eleitor de Luiz Inácio Lula da Silva pode ter de esperar mais do que desejaria.
"Oito anos são insuficientes para fazer um novo Brasil", afirmou o deputado. A frase evoca, de resto, um desejo que, embora inconfesso, já é disseminado no PT: o sonho da reeleição de Lula.
Candidato único, João Paulo será sagrado presidente da Câmara no domingo. Quer criar um "rito extraordinário" para a tramitação das reformas. Seriam votadas a toque de caixa. O deputado conversou com a Folha ontem.
 

Folha - A Casa está tomada por cartazes com dizeres tais como "Uma nova Câmara para um novo Brasil". Que cara vai ter essa nova Câmara?
João Paulo Cunha -
A sociedade quer mudança. A Câmara deve ter a coragem de aprovar as reformas ansiadas pelo Brasil.

Folha - O material de campanha faz supor uma disputa que não existe. O sr. é candidato único.
João Paulo -
Não se trata de vencer um adversário. Trata-se de difundir uma nova idéia para a Câmara.

Folha - Quanto custou e quem pagou a propaganda?
João Paulo -
Custou R$ 150 mil. O PT paga.

Folha - Reajustado, o salário do deputado foi a R$ 12.720. Mais verbas de gabinete e benefícios, o deputado custa R$ 56,9 mil por mês e quer mais. O que o sr. acha?
João Paulo -
Acho adequado. É imperativo garantir uma estrutura para o deputado exercer o seu mandato.

Folha - Quais serão as suas primeiras medidas?
João Paulo -
Uma se refere ao processo legislativo. Se mantivermos a rotina da Câmara, o tempo de apreciação das reformas será demorado. É preciso adaptar a rotina parlamentar.

Folha - Para agilizar a tramitação das reformas?
João Paulo -
Exatamente.

Folha - Suprimindo etapas?
João Paulo -
Haveria um rito extraordinário para apreciar essas matérias, mantendo o rito ordinário convencional.

Folha - Quem define as propostas que terão trânsito acelerado?
João Paulo -
Não será só o presidente da Câmara. É preciso consentimento da Casa.

Folha - Que procedimentos seriam abolidos?
João Paulo -
Isso está em discussão.

Folha - Haveria ganho de quanto tempo?
João Paulo -
Um exemplo: as matérias constitucionais vão a uma comissão, que tem 40 sessões para audiências públicas. Antecipando essa fase, quando recebermos as matérias o debate estará avançado.

Folha - Como antecipar a discussão sem o projeto?
João Paulo -
A Câmara não está alheia ao que acontece na sociedade. Acompanha tudo.

Folha - Por que a pressa?
João Paulo -
Não vamos eliminar o tempo. Vamos só antecipar a discussão, iniciando-a antes da chegada das propostas.

Folha - A inovação será inserida no regimento interno?
João Paulo -
Pode vir a ser.

Folha - Graças à afinidade do sr. com José Dirceu, diz-se que o chefe da Casa Civil influirá na sua gestão. O que o sr. diz?
João Paulo -
O tempo dirá.

Folha - Como separar a vontade do petista da obrigação do presidente de uma Casa independente?
João Paulo -
Não confundirei a relação com o governo com o dever de me portar como presidente de um Poder independente.

Folha - Para impor José Sarney no Senado, o Planalto interveio no PMDB. Passou o rolo compressor. Como a nova Câmara se encaixa nesse velho modelo?
João Paulo -
A versão sobre a ação do Planalto no PMDB ainda será contada de forma mais próxima da verdade. Dirceu não poderia deixar de atender aos parlamentares que o procuraram.

Folha - Ele não foi procurado, procurou.
João Paulo -
É preciso ver quantos peemedebistas foram convidados e quantos o procuraram. O problema no Senado foi menos de rolo compressor e mais de divisão interna do PMDB.

Folha - Há um mês, o sr. disse que a reforma tributária seria a mais fácil de aprovar. Não é a mais difícil?
João Paulo -
Acho que sim. Há um projeto de reforma tributária aqui. Eu quis dizer que a discussão poderia se iniciar mais rapidamente. Não significa que será votada facilmente. É uma das reformas mais difíceis. A da Previdência é mais urgente e, por conseguinte, mais fácil de ser feita.

Folha - Parece não haver mais interesse no debate tributário.
João Paulo -
Não diria isso. Há o desejo. Ou fazemos, ou teremos de aprovar medidas pontuais como a prorrogação da CPMF e da alíquota de 27,5% para o Imposto de Renda das pessoas físicas.

Folha - Que reformas serão aprovadas em 2003?
João Paulo -
A da Previdência certamente. Creio que alguns pontos das outras podem ser aprovados ainda neste ano.

Folha - A eleição de Lula impôs malabarismos ao PT. Aprovou o que repudiava -os 27,5% do IR- e sepultou o que desejava -o mínimo de R$ 240. E a autocrítica?
João Paulo -
São dois casos que não exigem autocrítica. Renovamos os 27,5% até que o tema seja debatido no bojo da reforma tributária. Seria um erro impedir que se arrecadassem R$ 2 bilhões a mais.

Folha - Era o que dizia Fernando Henrique Cardoso, sob gritaria do PT.
João Paulo -
FHC não tinha compromisso com a reforma tributária.

Folha - O compromisso continua só no discurso.
João Paulo -
O governo está começando. A autocrítica deve ser exigida se não fizermos a reforma tributária. Quanto ao mínimo, adiamos a definição para maio.

Folha - Maio está aí e o mínimo não será de R$ 240.
João Paulo -
Não sei. Acredito que poderá ser.

Folha - O Brasil novo do palanque depende da "transição", diz o ministro Antonio Palocci. É a reedição da tese de que é preciso fazer crescer o bolo para depois repartir?
João Paulo -
Estamos todos debaixo de uma casa. Para reconstruir a casa, você não começa tirando o alicerce da casa velha. Ela desmoronaria. É preciso destelhar, trocar o madeiramento, consertar as paredes. A economia está sustentada sobre pilares que devem ser mantidos até que sejam criadas as condições para levantar outros pilares. Alguns pilares têm relação direta com a situação internacional. O tempo de transição depende das condições externas. Havendo guerra no Iraque, demora mais. Sem guerra, menos.

Folha - A filosofia é nova. O PT queria dinamitar a casa.
João Paulo -
É nova. De fato, abandonamos a idéia de dinamitar a casa. Queremos reconstruir.

Folha - O argumento do cenário externo, embora lógico, é velho. FHC atribuía percalços internos a crises como a da Ásia e a da Rússia.
João Paulo -
Não é justa a comparação. Foi o governo FHC que levou o Brasil às amarras do capital internacional. Herdamos uma situação que não pode ser rompida de repente.

Folha - Quatro anos bastam para mudar o Brasil?
João Paulo -
Não. Vamos pôr a casa de pé. Vai faltar a pintura, o jardim, a edícula...

Folha - O PT precisaria então de mais quatro anos para a pintura e os complementos?
João Paulo -
Mesmo oito anos são insuficientes para fazer um novo Brasil.

Folha - O PSDB queria 20 anos. Haverá ambiente para que Lula se reeleja e depois faça o sucessor?
João Paulo -
Independe de quem irá suceder o presidente Lula em quatro ou em oito anos. O que digo é que o sonho de refazer o Brasil não se esgota em oito anos.


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