Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
João Paulo defende "rito extraordinário" para aprovar projetos e diz que "'8 anos são insuficientes" para "refazer" o país
Governo quer reformas a toque de caixa
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Brasil está sob o PT há um
mês. O país radicalmente diferente prometido no palanque ainda
não foi esboçado. A julgar pelo
que disse João Paulo Cunha (PT-SP) à Folha, o eleitor de Luiz Inácio Lula da Silva pode ter de esperar mais do que desejaria.
"Oito anos são insuficientes para fazer um novo Brasil", afirmou
o deputado. A frase evoca, de resto, um desejo que, embora inconfesso, já é disseminado no PT: o
sonho da reeleição de Lula.
Candidato único, João Paulo será sagrado presidente da Câmara
no domingo. Quer criar um "rito
extraordinário" para a tramitação
das reformas. Seriam votadas a
toque de caixa. O deputado conversou com a Folha ontem.
Folha - A Casa está tomada por
cartazes com dizeres tais como
"Uma nova Câmara para um novo
Brasil". Que cara vai ter essa nova
Câmara?
João Paulo Cunha - A sociedade
quer mudança. A Câmara deve
ter a coragem de aprovar as reformas ansiadas pelo Brasil.
Folha - O material de campanha
faz supor uma disputa que não
existe. O sr. é candidato único.
João Paulo - Não se trata de vencer um adversário. Trata-se de difundir uma nova idéia para a Câmara.
Folha - Quanto custou e quem pagou a propaganda?
João Paulo - Custou R$ 150 mil.
O PT paga.
Folha - Reajustado, o salário do
deputado foi a R$ 12.720. Mais verbas de gabinete e benefícios, o deputado custa R$ 56,9 mil por mês e
quer mais. O que o sr. acha?
João Paulo - Acho adequado. É
imperativo garantir uma estrutura para o deputado exercer o seu
mandato.
Folha - Quais serão as suas primeiras medidas?
João Paulo - Uma se refere ao
processo legislativo. Se mantivermos a rotina da Câmara, o tempo
de apreciação das reformas será
demorado. É preciso adaptar a rotina parlamentar.
Folha - Para agilizar a tramitação
das reformas?
João Paulo - Exatamente.
Folha - Suprimindo etapas?
João Paulo - Haveria um rito extraordinário para apreciar essas
matérias, mantendo o rito ordinário convencional.
Folha - Quem define as propostas
que terão trânsito acelerado?
João Paulo - Não será só o presidente da Câmara. É preciso consentimento da Casa.
Folha - Que procedimentos seriam abolidos?
João Paulo - Isso está em discussão.
Folha - Haveria ganho de quanto
tempo?
João Paulo - Um exemplo: as
matérias constitucionais vão a
uma comissão, que tem 40 sessões
para audiências públicas. Antecipando essa fase, quando recebermos as matérias o debate estará
avançado.
Folha - Como antecipar a discussão sem o projeto?
João Paulo - A Câmara não está
alheia ao que acontece na sociedade. Acompanha tudo.
Folha - Por que a pressa?
João Paulo - Não vamos eliminar
o tempo. Vamos só antecipar a
discussão, iniciando-a antes da
chegada das propostas.
Folha - A inovação será inserida
no regimento interno?
João Paulo - Pode vir a ser.
Folha - Graças à afinidade do sr.
com José Dirceu, diz-se que o chefe
da Casa Civil influirá na sua gestão.
O que o sr. diz?
João Paulo - O tempo dirá.
Folha - Como separar a vontade
do petista da obrigação do presidente de uma Casa independente?
João Paulo - Não confundirei a
relação com o governo com o dever de me portar como presidente
de um Poder independente.
Folha - Para impor José Sarney no
Senado, o Planalto interveio no
PMDB. Passou o rolo compressor.
Como a nova Câmara se encaixa
nesse velho modelo?
João Paulo - A versão sobre a
ação do Planalto no PMDB ainda
será contada de forma mais próxima da verdade. Dirceu não poderia deixar de atender aos parlamentares que o procuraram.
Folha - Ele não foi procurado, procurou.
João Paulo - É preciso ver quantos peemedebistas foram convidados e quantos o procuraram. O
problema no Senado foi menos de
rolo compressor e mais de divisão
interna do PMDB.
Folha - Há um mês, o sr. disse que
a reforma tributária seria a mais fácil de aprovar. Não é a mais difícil?
João Paulo - Acho que sim. Há
um projeto de reforma tributária
aqui. Eu quis dizer que a discussão poderia se iniciar mais rapidamente. Não significa que será votada facilmente. É uma das reformas mais difíceis. A da Previdência é mais urgente e, por conseguinte, mais fácil de ser feita.
Folha - Parece não haver mais interesse no debate tributário.
João Paulo - Não diria isso. Há o
desejo. Ou fazemos, ou teremos
de aprovar medidas pontuais como a prorrogação da CPMF e da
alíquota de 27,5% para o Imposto
de Renda das pessoas físicas.
Folha - Que reformas serão aprovadas em 2003?
João Paulo - A da Previdência
certamente. Creio que alguns
pontos das outras podem ser
aprovados ainda neste ano.
Folha - A eleição de Lula impôs
malabarismos ao PT. Aprovou o
que repudiava -os 27,5% do IR-
e sepultou o que desejava -o mínimo de R$ 240. E a autocrítica?
João Paulo - São dois casos que
não exigem autocrítica. Renovamos os 27,5% até que o tema seja
debatido no bojo da reforma tributária. Seria um erro impedir
que se arrecadassem R$ 2 bilhões
a mais.
Folha - Era o que dizia Fernando
Henrique Cardoso, sob gritaria do
PT.
João Paulo - FHC não tinha
compromisso com a reforma tributária.
Folha - O compromisso continua
só no discurso.
João Paulo - O governo está começando. A autocrítica deve ser
exigida se não fizermos a reforma
tributária. Quanto ao mínimo,
adiamos a definição para maio.
Folha - Maio está aí e o mínimo
não será de R$ 240.
João Paulo - Não sei. Acredito
que poderá ser.
Folha - O Brasil novo do palanque
depende da "transição", diz o ministro Antonio Palocci. É a reedição
da tese de que é preciso fazer crescer o bolo para depois repartir?
João Paulo - Estamos todos debaixo de uma casa. Para reconstruir a casa, você não começa tirando o alicerce da casa velha. Ela
desmoronaria. É preciso destelhar, trocar o madeiramento, consertar as paredes. A economia está
sustentada sobre pilares que devem ser mantidos até que sejam
criadas as condições para levantar
outros pilares. Alguns pilares têm
relação direta com a situação internacional. O tempo de transição
depende das condições externas.
Havendo guerra no Iraque, demora mais. Sem guerra, menos.
Folha - A filosofia é nova. O PT
queria dinamitar a casa.
João Paulo - É nova. De fato,
abandonamos a idéia de dinamitar a casa. Queremos reconstruir.
Folha - O argumento do cenário
externo, embora lógico, é velho.
FHC atribuía percalços internos a
crises como a da Ásia e a da Rússia.
João Paulo - Não é justa a comparação. Foi o governo FHC que
levou o Brasil às amarras do capital internacional. Herdamos uma
situação que não pode ser rompida de repente.
Folha - Quatro anos bastam para
mudar o Brasil?
João Paulo - Não. Vamos pôr a
casa de pé. Vai faltar a pintura, o
jardim, a edícula...
Folha - O PT precisaria então de
mais quatro anos para a pintura e
os complementos?
João Paulo - Mesmo oito anos
são insuficientes para fazer um
novo Brasil.
Folha - O PSDB queria 20 anos.
Haverá ambiente para que Lula se
reeleja e depois faça o sucessor?
João Paulo - Independe de quem
irá suceder o presidente Lula em
quatro ou em oito anos. O que digo é que o sonho de refazer o Brasil não se esgota em oito anos.
Texto Anterior: Historiador pôs República na ordem do dia Próximo Texto: Frases Índice
|