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CUSTO ELEITORAL
Código de Ética da Câmara proíbe deputado de relatar matéria que favoreça seu financiador de campanha
Doações expõem ação do lobby no Congresso
EDUARDO SCOLESE
JAIRO MARQUES
DA AGÊNCIA FOLHA
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
As doações financeiras para a
campanha eleitoral de 2002 revelam que parlamentares responsáveis pela relatoria de projetos polêmicos na Câmara dos Deputados receberam contribuições de
setores e empresas beneficiados
pelos seus pareceres.
Os documentos indicam que o
relator e o presidente de uma comissão que, entre outras medidas,
isentou a cobrança da CPMF
(Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira) nas
operações em Bolsas receberam
doações das próprias instituições
do mercado financeiro. A isenção
significou R$ 300 milhões anuais
a menos nos cofres da União.
Dois deputados federais que relataram e foram contrários ao
projeto de lei que prevê o desarmamento da população civil receberam doações da fabricante de armas e munições CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos).
O Código de Ética da Câmara
proíbe, sob pena de cassação, que
um deputado relate "matéria submetida à apreciação da Câmara
de interesse específico de pessoa
física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de
sua campanha eleitoral". Isso só
vale para quem recebeu doação
anterior à relatoria.
Além disso, parlamentares responsáveis por investigar empresas e setores em pelo menos duas
CPIs do Congresso receberam
contribuições exatamente dos
seus investigados. Nesse caso, não
há restrição legal para a doação.
Três deputados federais que integraram a CPI dos Medicamentos (1999-2000) tiveram parte de
suas campanhas à reeleição financiada por empresas citadas no relatório final, mas que não foram
indiciadas pela comissão.
Deputados e senadores que foram acusados pelos próprios colegas de trabalhar para abafar denúncias contra a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e seu
presidente, Ricardo Teixeira, no
decorrer das CPIs da CBF/Nike
(Câmara) e do Futebol (Senado),
também receberam dinheiro da
entidade meses depois, durante a
campanha eleitoral.
A análise foi feita pela reportagem a partir das prestações de
conta dos 513 deputados federais
e 54 senadores eleitos e reeleitos
entregues ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Sistema financeiro
Relator da comissão que, entre
outras medidas, sugeriu ao Congresso no ano passado a isenção
da cobrança da CPMF nas operações realizadas em Bolsas de Valores e de Mercadorias, o deputado federal Delfim Netto (PPB-SP),
74, teve parte de suas duas últimas
campanhas à Câmara financiada
pelo próprio mercado financeiro.
Na campanha de 1998, Delfim
recebeu dinheiro da Bovespa (R$
20 mil), da BM&F (R$ 5.000) e da
Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (R$ 5.000).
No ano passado, reeleito mais
uma vez, o deputado pepebista foi
financiado pela Bovespa (R$ 33
mil) e CBLC (R$ 17 mil).
O presidente da comissão especial, da qual Delfim foi o relator,
também teve parte de suas duas
últimas campanhas financiada
pelo mercado.
Rodrigo Maia (PFL-RJ), que em
1998 recebeu R$ 20 mil da Bolsa
de Valores do Rio de Janeiro, no
ano passado ganhou dinheiro da
Bovespa (R$ 27 mil) e da CBLC
(R$ 13 mil).
Juntas, Bovespa, BM&F e CBLC
desembolsaram cerca de R$ 1,8
milhão para candidatos em 2002.
Armas
Deputados que relataram o projeto de lei que prevê o desarmamento civil, Alberto Fraga
(PMDB-DF) e Luiz Antonio
Fleury (PTB-SP) receberam doações financeiras na última campanha eleitoral da fabricante de armas e munições CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos).
Fraga, 45, teve 64% dos gastos
de sua campanha à reeleição (R$
94 mil no total) financiados pela
CBC. Em 1999, o então secretário
nacional de Direitos Humanos,
José Gregori, disse que o projeto
estava "bloqueado" na Câmara
graças ao deputado Fraga.
A doação da CBC para Fleury,
de R$ 50 mil, foi feita por via indireta, pela empresa geradora de
energia Enguia, que integra a
mesma holding da fabricante de
cartuchos, o Grupo Arbi.
O ex-governador paulista (1991-94) admitiu saber que a doação
era oriunda da CBC. Ele relatou o
projeto do desarmamento na Comissão de Constituição e Justiça.
Com os dois pareceres contrários, hoje o projeto aguarda ser
votado em plenário. O Código de
Ética da Câmara só veta doações
ocorridas antes da relatoria. No
total, as indústrias de armamento
CBC e Forjas Taurus doaram cerca de R$ 1 milhão.
Além de Fraga, a CBC, cujos
principais clientes são as Forças
Armadas e as polícias Civil e Militar, financiou diretamente parte
das candidaturas do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (R$ 100
mil), do atual secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro,
Josias Quintal (R$ 40 mil), do ex-secretário de São Paulo Marco Vinicio Petrelluzzi (R$ 30 mil), entre
13 candidatos.
Medicamentos e CBF
Os parlamentares Ney Lopes
(PFL-RN) -que foi relator da comissão-, José Linhares (PPB-CE) e Darcísio Perondi (PMDB-RS) recolheram entre R$ 10 mil e
R$ 20 mil das companhias que investigaram na CPI dos Medicamentos. As empresas, ao final da
CPI, não foram indiciadas.
O objetivo da CPI (1999-2000)
era apurar preços abusivos e falsificação de medicamentos, de insumos hospitalares e de materiais
de laboratórios.
A empresa Altana Pharma, que
tinha anteriormente o nome de
BYK Química Farmacêutica, contribuiu com R$ 15 mil para a campanha de cerca de R$ 490 mil do
deputado Ney Lopes.
Ela foi investigada pela Polícia
Federal por suposta prática de
cartelização e por propaganda enganosa.
A empresa Fresenius Medical
Care ajudou a eleger o deputado
José Linhares (PPB-CE), membro
titular da CPI, com R$ 20 mil. Foi
citada na CPI por suspeita de formação de cartel para controlar as
unidades de hemodiálise e diálise
no país.
O então diretor da empresa no
Brasil, João Pedrinelli, negou todas as acusações.
Em sua campanha de R$ 218
mil, o membro da comissão pelo
PMDB Darcísio Perondi foi ajudado com R$ 10 mil pela Libra
Produtos Laboratoriais. O CRM
(Conselho Regional de Medicina)
de SC registrou queixa na CPI de
que um de seus medicamentos
não tinha o efeito esperado.
No outro caso envolvendo doações e CPI, a CBF financiou parte
das campanhas de Perondi, José
Rocha (PFL-BA) e Eurico Miranda (PPB-RJ) -da CPI da CBF/Nike- e dos senadores do PMDB
Gilvam Borges (AP) e Renan Calheiros (AL), da CPI do Futebol.
Cada um recebeu R$ 100 mil.
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