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São Paulo, sexta-feira, 31 de janeiro de 2003

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CUSTO ELEITORAL

Código de Ética da Câmara proíbe deputado de relatar matéria que favoreça seu financiador de campanha

Doações expõem ação do lobby no Congresso

EDUARDO SCOLESE
JAIRO MARQUES
DA AGÊNCIA FOLHA
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

As doações financeiras para a campanha eleitoral de 2002 revelam que parlamentares responsáveis pela relatoria de projetos polêmicos na Câmara dos Deputados receberam contribuições de setores e empresas beneficiados pelos seus pareceres.
Os documentos indicam que o relator e o presidente de uma comissão que, entre outras medidas, isentou a cobrança da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) nas operações em Bolsas receberam doações das próprias instituições do mercado financeiro. A isenção significou R$ 300 milhões anuais a menos nos cofres da União.
Dois deputados federais que relataram e foram contrários ao projeto de lei que prevê o desarmamento da população civil receberam doações da fabricante de armas e munições CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos).
O Código de Ética da Câmara proíbe, sob pena de cassação, que um deputado relate "matéria submetida à apreciação da Câmara de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral". Isso só vale para quem recebeu doação anterior à relatoria.
Além disso, parlamentares responsáveis por investigar empresas e setores em pelo menos duas CPIs do Congresso receberam contribuições exatamente dos seus investigados. Nesse caso, não há restrição legal para a doação.
Três deputados federais que integraram a CPI dos Medicamentos (1999-2000) tiveram parte de suas campanhas à reeleição financiada por empresas citadas no relatório final, mas que não foram indiciadas pela comissão.
Deputados e senadores que foram acusados pelos próprios colegas de trabalhar para abafar denúncias contra a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e seu presidente, Ricardo Teixeira, no decorrer das CPIs da CBF/Nike (Câmara) e do Futebol (Senado), também receberam dinheiro da entidade meses depois, durante a campanha eleitoral.
A análise foi feita pela reportagem a partir das prestações de conta dos 513 deputados federais e 54 senadores eleitos e reeleitos entregues ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Sistema financeiro
Relator da comissão que, entre outras medidas, sugeriu ao Congresso no ano passado a isenção da cobrança da CPMF nas operações realizadas em Bolsas de Valores e de Mercadorias, o deputado federal Delfim Netto (PPB-SP), 74, teve parte de suas duas últimas campanhas à Câmara financiada pelo próprio mercado financeiro.
Na campanha de 1998, Delfim recebeu dinheiro da Bovespa (R$ 20 mil), da BM&F (R$ 5.000) e da Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (R$ 5.000).
No ano passado, reeleito mais uma vez, o deputado pepebista foi financiado pela Bovespa (R$ 33 mil) e CBLC (R$ 17 mil).
O presidente da comissão especial, da qual Delfim foi o relator, também teve parte de suas duas últimas campanhas financiada pelo mercado.
Rodrigo Maia (PFL-RJ), que em 1998 recebeu R$ 20 mil da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, no ano passado ganhou dinheiro da Bovespa (R$ 27 mil) e da CBLC (R$ 13 mil).
Juntas, Bovespa, BM&F e CBLC desembolsaram cerca de R$ 1,8 milhão para candidatos em 2002.

Armas
Deputados que relataram o projeto de lei que prevê o desarmamento civil, Alberto Fraga (PMDB-DF) e Luiz Antonio Fleury (PTB-SP) receberam doações financeiras na última campanha eleitoral da fabricante de armas e munições CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos).
Fraga, 45, teve 64% dos gastos de sua campanha à reeleição (R$ 94 mil no total) financiados pela CBC. Em 1999, o então secretário nacional de Direitos Humanos, José Gregori, disse que o projeto estava "bloqueado" na Câmara graças ao deputado Fraga.
A doação da CBC para Fleury, de R$ 50 mil, foi feita por via indireta, pela empresa geradora de energia Enguia, que integra a mesma holding da fabricante de cartuchos, o Grupo Arbi.
O ex-governador paulista (1991-94) admitiu saber que a doação era oriunda da CBC. Ele relatou o projeto do desarmamento na Comissão de Constituição e Justiça.
Com os dois pareceres contrários, hoje o projeto aguarda ser votado em plenário. O Código de Ética da Câmara só veta doações ocorridas antes da relatoria. No total, as indústrias de armamento CBC e Forjas Taurus doaram cerca de R$ 1 milhão.
Além de Fraga, a CBC, cujos principais clientes são as Forças Armadas e as polícias Civil e Militar, financiou diretamente parte das candidaturas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (R$ 100 mil), do atual secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro, Josias Quintal (R$ 40 mil), do ex-secretário de São Paulo Marco Vinicio Petrelluzzi (R$ 30 mil), entre 13 candidatos.

Medicamentos e CBF
Os parlamentares Ney Lopes (PFL-RN) -que foi relator da comissão-, José Linhares (PPB-CE) e Darcísio Perondi (PMDB-RS) recolheram entre R$ 10 mil e R$ 20 mil das companhias que investigaram na CPI dos Medicamentos. As empresas, ao final da CPI, não foram indiciadas.
O objetivo da CPI (1999-2000) era apurar preços abusivos e falsificação de medicamentos, de insumos hospitalares e de materiais de laboratórios.
A empresa Altana Pharma, que tinha anteriormente o nome de BYK Química Farmacêutica, contribuiu com R$ 15 mil para a campanha de cerca de R$ 490 mil do deputado Ney Lopes.
Ela foi investigada pela Polícia Federal por suposta prática de cartelização e por propaganda enganosa.
A empresa Fresenius Medical Care ajudou a eleger o deputado José Linhares (PPB-CE), membro titular da CPI, com R$ 20 mil. Foi citada na CPI por suspeita de formação de cartel para controlar as unidades de hemodiálise e diálise no país.
O então diretor da empresa no Brasil, João Pedrinelli, negou todas as acusações.
Em sua campanha de R$ 218 mil, o membro da comissão pelo PMDB Darcísio Perondi foi ajudado com R$ 10 mil pela Libra Produtos Laboratoriais. O CRM (Conselho Regional de Medicina) de SC registrou queixa na CPI de que um de seus medicamentos não tinha o efeito esperado.
No outro caso envolvendo doações e CPI, a CBF financiou parte das campanhas de Perondi, José Rocha (PFL-BA) e Eurico Miranda (PPB-RJ) -da CPI da CBF/Nike- e dos senadores do PMDB Gilvam Borges (AP) e Renan Calheiros (AL), da CPI do Futebol. Cada um recebeu R$ 100 mil.


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