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1964 - 40 ANOS DO GOLPE - 2004
Havia vários planos de golpe naqueles dias de março de 64; só um vingou, o da direita, que derrubou Jango e levou a uma ditadura de 21 anos
O dia em que os militares tomaram o poder
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Antes de começar a cair, há 40
anos, em 31 de março de 1964, o
governo João Goulart foi alvo potencial de pelo menos três atentados frustrados da direita, um deles marcado para menos de um
mês do golpe militar efetivo.
Antes de cair, o governo João
Goulart planejou, por meio de seu
ministro da Guerra, o seqüestro
de Carlos Lacerda, então governador do Estado da Guanabara e inimigo político do presidente.
Os meses, semanas, dias e mesmo horas que antecederam as
ações que instalaram uma ditadura militar no Brasil que duraria 21
anos foram marcados por fortes
tensões de ambos os lados.
"Havia essa questão do golpe,
esse clima de "Quem é que vai dar
o golpe?'", diz o historiador Carlos Fico, autor de "Além do Golpe" (editora Record, recém-lançado) e "Como Eles Agiam - Os
Subterrâneos da Ditadura Militar" (2001), entre outros livros sobre aquele período.
De um lado, os militares conspiradores, que começaram a efetivar o golpe da direita naquele dia
31. Do outro, para o professor da
UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro), embora não haja
nenhuma evidência empírica de
que João Goulart planejava uma
saída inconstitucional, "ficou parecendo a muitos agentes da época que ele realmente o fazia".
Avião derrubado
O primeiro dos três atentados
contra Jango teria lugar no Ceará,
no final de 1963. Comandante da
base aérea de Fortaleza, o tenente-coronel Roberto Hipólito da Costa planejara abater o avião presidencial, um turboélice Viscount,
durante visita oficial à região.
"Dentro de poucos dias, o Jango
virá ao Nordeste para uma visita à
Paraíba, participar de uma reunião com a Liga Camponesa de
João Pessoa. Estamos preparando
uma manobra para derrubar o
avião dele", disse Hipólito da Costa a Armando Falcão, futuro ministro da Justiça do governo Geisel, conforme relata Lira Neto em
seu livro "Castello - A Marcha para a Ditadura" (Editora Contexto,
recém-lançado). Foi dissuadido.
O outro ocorreria durante o comício da Central do Brasil, no Rio
de Janeiro, no dia 13 de março de
1964, quando o presidente "se definiu pela esquerda", nas palavras
do brasilianista Thomas Skidmore. Um major angariou oficiais e
combustível suficientes e pretendia tocar fogo no palanque onde
se reuniriam à noite os principais
membros do governo, inclusive a
primeira-dama, Maria Tereza.
O general Antonio Carlos Muricy, que duas semanas depois comandaria tropas mineiras rebeladas, convenceu seu subalterno a
abandonar a idéia, conforme relata Elio Gaspari em seu "A Ditadura Envergonhada" (Companhia
das Letras, 2002). O outro atentado estava marcado para 16 de
abril, em Belo Horizonte, mas
Jango caiu antes disso.
Lacerda seqüestrado
Enquanto isso, do outro lado,
Jair Dantas Ribeiro, ministro da
Guerra do governo João Goulart,
chegara a planejar o seqüestro do
udenista Carlos Lacerda meses
antes, segundo relato de Gaspari
em "A Ditadura Envergonhada".
Uma tropa de pára-quedistas
capturaria o governador da Guanabara durante uma visita ao hospital Miguel Couto, na zona sul do
Rio, a mando do ministro da
Guerra. Só que o coronel que originalmente comandaria a ação
exigiu ordens escritas. As ordens
não vieram, o plano foi atrasado e
acabou nunca posto em prática.
"É preciso ter em mente o momento histórico que vivia o Brasil", afirma o historiador Marco
Antonio Villa, autor de "Jango
-Um Perfil" (Editora Globo, recém-lançado). "O recurso às armas era muito presente no imaginário de então, cinco anos depois
da Revolução Cubana, com a
guerrilha na Venezuela em pleno
curso e surtos guerrilheiros em
vários países da América Latina."
Com ele concorda Carlos Fico,
da UFRJ. "A esquerda da época se
sentia muito segura de uma eventual vitória socialista e muito pouco preocupada com a questão democrática. Da direita nem preciso
falar, afinal ela deu o golpe."
Além disso, diz, em ambos os lados "os agentes políticos falavam
as coisas mais bárbaras, mais radicais, sem problemas. Isso dava a
impressão generalizada de golpe". Que efetivamente começou a
ser urdido nas primeiras horas
daquele dia 31 de março de 1964.
(O golpe mesmo seria concluído apenas no dia seguinte, para
horror nos anos vindouros dos
militares conspiradores, que não
queriam ver sua "revolução", a
"redentora", aliada ao dia internacional da mentira e do trote.)
Os pijamas vermelhos
Mais precisamente, às 5 da madrugada, pelo ímpeto de um general, Olímpio Mourão Filho, em
Juiz de Fora (MG), que depois seria imortalizado pela pena de sua
filha Laurita, na biografia "O General dos Pijamas Vermelhos"
(Editora Francisco Alves, 2002).
"Ele estava de pijamas vermelhos, a cor dos comunistas. Na
verdade, pijama é licença literária.
Ele usava mesmo um belíssimo
robe de seda vermelha por cima
dos pijamas", disse ela em 2002,
quando brigava por uma vaga na
Academia Brasileira de Letras.
Naquela hora, em frenesi, depois de escrever algumas frases
em seu diário ("Morro pobre,
mas até a última hora posso andar
de cabeça erguida. Viva o Brasil!",
foi uma delas), Mourão telefonou
para o deputado Armando Falcão
e manifestou sua intenção de iniciar uma quartelada. Depois, este
ligaria para o general Castello
Branco, chefe do Estado-Maior.
O empolgado militar não chegaria muito longe, mas serviria
para deflagrar a série de marchas
e contramarchas que, em última
instância, colocariam Jango no
exílio (4 de abril, no Uruguai), o
general Castello Branco na Presidência (15 de abril, em Brasília) e
o Brasil numa ditadura militar.
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