São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 2005

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DOSSIÊ CAYMAN

Solicitação foi feita a diretor da PF; ex-presidente diz que papel poderia induzir a erro que causaria problema ao país

FHC ordenou não-inclusão de documento em inquérito

FERNANDO RODRIGUES
ANDREA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) determinou em 1998 ao então diretor da Polícia Federal, Vicente Chelotti, não incluir um documento em um inquérito sobre o que era conhecido como dossiê Cayman. Chelotti obedeceu e virou alvo de um processo disciplinar instaurado pela Corregedoria Geral da PF.
FHC reafirmou à PF sua atitude num depoimento formal em 26 de janeiro deste ano. Na ocasião, foi indagado sobre a razão de ter pedido a Chelotti que não divulgasse o documento. O tucano disse "que sua determinação foi em razão de que os termos daquele papel poderiam induzir a equívocos que causariam problemas políticos e econômicos ao país".
O dossiê Cayman, ou Caribe, surgiu em novembro de 1998. Foi um conjunto de papéis montados com o objetivo de sugerir que quatro políticos tucanos teriam mantido recursos ilegais no exterior. Dois anos e meio depois, ficou provado que tudo era falso. Os citados eram FHC, José Serra, Mário Covas (1930-2001) e Sérgio Motta (1940-1998). Houve demora para se comprovar a fraude porque os papéis eram lastreados numa firma verdadeira, a CH, J & T, com sede nas Bahamas, um paraíso fiscal caribenho.
O documento não divulgado por Chelotti a pedido de FHC era uma certidão assinada por Emerick Knowles, advogado da CH, J & T. Knowles declarava que FHC, Serra e Mário Covas nada tinham a ver com o negócio, mas omitia a situação de Sérgio Motta.
Como Motta já havia morrido à época, não foi possível esclarecer com ele o assunto. Ficou uma dúvida no governo sobre a possibilidade de haver alguma parte verdadeira no dossiê. Daí a razão de FHC declarar que a publicidade da certidão das Bahamas poderia "induzir a equívocos que causariam problemas políticos e econômicos ao país". Segundo o ex-presidente, ele sempre soube que não havia veracidade nos papéis. Mas não conseguia provar.
"Ele [Chelotti] estava contente dizendo que estava demonstrando que nós não tínhamos [conta no exterior]. Eu disse que não precisava demonstração de nada. Eu sei que eu não tenho. Precisava saber quem tinha feito. Era esse o caso. A Polícia [Federal] nunca conseguiu chegar aos falsários", declarou o ex-presidente à Folha, relatando o episódio de 1998, quando recebeu a declaração das Bahamas das mãos de Chelotti.
O caso só ficou esclarecido com provas documentais de sua falsidade com a publicação de duas reportagens da Folha. Segundo FHC, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) também fracassou ao tentar obter provas da fraude. Em 1º de abril de 2001, a Folha publicou a reportagem "Extrato bancário do dossiê Caribe é falso", com prova escrita conseguida na Suíça, na instituição bancária citada no processo. Em 30 de maio de 2001, a reportagem "Motta não era diretor de empresa, diz FBI" também pôs fim a dúvidas sobre o ex-ministro das Comunicações de FHC.

Problema legal
Apesar de o caso estar resolvido no que diz respeito à comprovação da falsidade do dossiê, restaram dúvidas na PF sobre a conduta de Chelotti -devido à omissão do documento das Bahamas.
Da mesma forma, a ordem para que o documento não fosse incluído no processo pode render algum questionamento contra FHC. O depoimento do tucano admitindo ter dado a ordem a Chelotti foi enviado, para apreciação, ao procurador da República Luiz Fernando Viana, responsável por uma ação penal correlata ao caso que tramita na Justiça Federal em Brasília.
Diante das declarações de FHC, Viana enviou o documento ao Procurador Geral da República, Claudio Fonteles, para que se pronunciasse sobre a existência ou não de foro especial na investigação sobre possíveis irregularidades praticadas, já que o caso envolve um ex-presidente.
Em 8 de março, Fonteles informou a Viana seu entendimento pela continuidade da investigação na primeira instância. Viana disse que ainda é preciso investigar para averiguar a situação em que FHC determinara a Chelotti a não-inclusão do documento no inquérito que investigava o caso.


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