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SEMINÁRIO
Insuficiência de dados confiáveis tende a prejudicar as políticas de combate à miséria no Brasil, dizem especialistas
País desperdiça gasto social, conclui debate
OSCAR PILAGALLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Situado entre os países com pior distribuição de renda e
maior índice de desigualdade do
mundo, o Brasil é
ineficiente no gasto social.
Sem dados confiáveis sobre a
miséria, que permitiriam focar o
combate à indigência, o país desperdiça recursos. As verbas são
parcialmente consumidas antes
de atingir o destino final. E o mais
grave: prioridades inadequadas
apenas perpetuam a pobreza.
Essas são as conclusões do seminário "Combate à fome e à pobreza", realizado esta semana pela
Folha e pelo Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada),
do Ministério do Planejamento.
Para o economista José Márcio
Camargo, professor da PUC do
Rio de Janeiro, o país ainda não
identificou o problema principal.
"Os programas sociais focalizam
o adulto, enquanto as crianças
continuam pobres", disse ele.
Camargo sustenta o argumento
com duas comparações: 1) a despesa com aposentadoria representa 12% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto o número de
idosos é inferior a 7% da população; e 2) 10% dos idosos vivem em
famílias pobres, proporção que
sobe a 50% no caso das crianças.
"O país fez a opção pelos idosos,
principalmente nos últimos 15
anos", afirmou Camargo, lamentando se tratar de algo que, devido
aos direitos adquiridos, é difícil de
desfazer. Para ele, centrar a ação
social no idoso não resolve a problema da miséria, porque são as
crianças pobres de hoje que serão
os adultos pobres de amanhã.
A intervenção de Camargo provocou polêmica. A platéia aplaudiu uma síntese crítica do jornalista Gilberto Dimenstein, mediador do evento. "Seria tirar do idoso para dar para a criança", disse.
Os defensores da realocação das
verbas sociais admitem que a proposta pode soar perversa, mas
afirmam que, dada a restrição orçamentária, não há o que fazer.
O economista Ricardo Paes de
Barros, do Ipea, concordou com
Camargo. "Os programas sociais
no Brasil têm um viés intergeracional pesado." Ele avalia que a
aposentadoria rural não tem o
mesmo caráter de investimento
da bolsa-escola. Segundo Paes de
Barros, o desconhecimento do
problema social pode gerar distorções na canalização das verbas.
O economista acredita que, para
se usar bem as verbas, é preciso
ter em mente que a fome é muito
menor do que a extrema pobreza.
"Metade dos municípios mais pobres não estão entre aqueles com
maior taxa de subnutrição, pois
criaram redes informais de proteção social", afirmou. A constatação da existência de um grau de
solidariedade que faz com que a
fome seja menor do que sugerem
os indicadores de renda coloca
em xeque a bolsa-alimentação como política social compensatória.
Para Paes de Barros, a proporção real do problema da fome no
país só seria conhecida com um
censo antropométrico, que coletasse dados sobre peso, altura e
índice de massa corporal da população. Sem instrumentos estatísticos como esse, o país continuará condenado a gastar mal
com políticas sociais.
Se o Brasil não tem um problema de grandes dimensões com a
fome, o mesmo não se pode dizer
em relação à desnutrição. Na avaliação de Carlos Augusto Monteiro, nutrólogo da USP, a questão
não é tanto a falta de alimento.
"Temos um problema de desnutrição associado à qualidade da
alimentação e a doenças infecciosas, que podem determinar um
mau aproveitamento biológico
dos alimentos ingeridos", disse.
A dança dos números
A visualização do quadro social
depende mais da percepção dos
especialistas do que das estatísticas. O país não sabe nem qual é a
população de indigentes.
Devido à utilização de metodologias diferentes, os cálculos
apontam enormes divergências.
Por um critério internacional,
endossado pelo Banco Mundial, o
Brasil teria 15 milhões de miseráveis (9% da população). São pessoas cuja renda não ultrapassa o
equivalente a um dólar por dia.
O Ipea trabalha com a hipótese
de 22 milhões de indigentes (13%
da população). Chegou a esse número traçando uma linha abaixo
da família mais pobre que satisfaz
seu requerimento nutricional.
O Instituto Cidadania, ONG do
presidenciável petista Luiz Inácio
Lula da Silva, fala em 44 milhões
(26% da população).
O Centro de Políticas Sociais da
FGV tem o número mais alto: 50
milhões de pessoas extremamente pobres (29,3% da população).
"A definição da linha de pobreza tem um quê de arbitrariedade",
afirmou Mauro Del Grossi, professor do Instituto de Agronomia
do Paraná. Todos concordaram.
Para Marcelo Neri, da FGV, o
importante é o país adotar um
número oficial, qualquer que seja
ele. "Sem isso, vamos continuar
andando em círculos", afirmou.
Neri disse não haver um número
certo ou errado. "Depende da
percepção do que é justo."
O economista da FGV provocou polêmica ao afirmar que a definição da linha depende da ética
do pesquisador e da instituição.
"A linha mais ética não é necessariamente a linha mais alta", reagiu
o presidente do Ipea, Roberto
Martins. "Falei ética no sentido de
julgamento de valor", disse Neri.
Oded Grajew, diretor-presidente do Instituto Ethos, que reúne
empresas dispostas a assumir alguma responsabilidade social, foi
o único a mencionar a questão
política. Para ele, a ação social deve estar associada ao questionamento do modelo econômico,
que é concentrador de renda.
Participaram ainda do debate,
que também teve a mediação de
Anna Peliano, coordenadora de
Projetos Especiais do Ipea: Chico
Ferreira, economista da PUC-RJ,
e Denise Coitinho, coordenadora
da área técnica de alimentação e
nutrição do Ministério da Saúde.
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