São Paulo, domingo, 31 de julho de 2005

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ELIO GASPARI

Lula e FFHH podem matar o caixa dois

Se Lula do PT, FFHH do PSDB e Jorge Bornhausen do PFL querem falar sério, devem determinar aos partidos nos quais mandam que se organizem para colocar suas contas na internet. Essa é a melhor maneira para fechar a torneira de onde sai o principal fluxo de dinheiro da corrupção política. Em vez de abusar da paciência da patuléia com parolagens de falsa indignação, os três caciques comprometem-se com uma providência disciplinadora e moralizante. Se esses três partidos abrirem em tempo real as contas de seus candidatos, a eleição de 2006 acabará com a relevância do caixa dois nas campanhas.
O PT, o PSDB e o PFL apresentam-se como campeões da moralidade e atribuem-se o direito de denunciar os adversários como salteadores. Quando são apanhados com a mão na caixa, protegem-se alegando a generalidade da malfeitoria.
Em vez de discutir o caixa dois dos outros, Lula, FFHH e Bornhausen deveriam acabar com os seus. Um bom começo seria obrigar cada candidato do PT, do PSDB e do PFL a botar suas contas na internet, em tempo real. Raul Jungmann, candidato a prefeito do Recife, colocou suas contas na internet. Arrecadou e gastou R$ 350 mil. Teve 30 mil votos e anda de cabeça erguida. Em abril do ano passado, o tesoureiro Delúbio Soares derrubou uma proposta nesse sentido durante uma reunião do Diretório Nacional do PT. Deu um argumento típico do comissariado em que se deslumbrou: "Transparência assim é burrice". Ele achava que era esperto.
No atual sistema, para cada real declarado à Justiça Eleitoral, circula outro no caixa dois. Chamá-lo de dinheiro não contabili- zado é ofender a inteligência doscontribuintes. É dinheiro triplamente sujo. Sai sujo da empresa que o dá, entra sujo no cofre do candidato e, sujo, vai para o bolso de quem prestou algum serviço à campanha. O dinheiro sujo estabelece uma relação de cumplicidade entre o doador e o candidato. Um dos maiores empreiteiros do país gostava de entregar a mala pessoalmente, em seu escritório, olhando no olho dos candidatos.
Os partidos argumentam que as doações não podem ir para a internet porque os empresários temem o assédio dos outros candidatos. Conversa fiada.
As contas podem ficar na rede, em tempo real , sem que a identidade do doador seja conhecida antes da eleição. Basta divulgar o valor do cheque e o número do boleto da contribuição eleitoral. No limite, as despesas também podem ficar sob o sigilo parcial. Até o dia da eleição divulgam-se a natureza do serviço prestado, a cifra, o número da nota fiscal e a data de sua emissão. O nome da empresa fica para depois.
A abertura das contas dos partidos e de seus candidatos depende apenas deles. Como a memória da corrupção eleitoral é curta, muita gente já esqueceu que em 2000 apareceram as planilhas com o caixa dois usado pelo PSDB durante a campanha de 1994. Coisa de pelo menos R$ 10 milhões, com mala, banqueiro e tudo. (O ministro Luiz Fernando Furlan sabe um pedaço dessa história. O nome da Sadia apareceu ao lado de uma cifra de R$ 300 mil.)
À época o Planalto admitiu ter cometido "erros formais" e impediu a formação de uma CPI. Des- tacou-se nessa linha de combate o senador Arthur Virgílio. Vale a pena ouvi-lo: "Não vamos permitir que ponham Fernando Henrique como réu no Tribunal Superior Eleitoral. Vamos comparar quanto Lula gastou. (...) Vamos atacar também".
Virgílio intimidou o PT, que hoje tenta intimidar o PSDB. Em comum, há apenas a bola de ferro do caixa dois amarrada aos pés de pessoas como Lula e FFHH, gente em quem a patuléia prefere confiar.
Talvez eles acreditem, como Delúbio Soares, que botar as contas dos partidos e dos candidatos na internet seja burrice. Tudo bem, desde que não se incomodem de carregar o caixa dois em suas biografias. Os doutores querem que o povo confie neles, mas não confiam no povo a ponto de lhe mostrar os livros-caixa.

Pior
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, anda falando mal da qualidade da agenda de Lula. De fato, é duro ter um governante que cumpre programa de dirigente sindical. Pior que isso, só tudo isso e mais um presidente do Supremo falando mal do presidente da República.

PPP do Delúbio
Em novembro do ano passado realizou-se na sala da secretaria executiva do Ministério do Planejamento uma esquisitíssima reunião da qual participaram o presidente da Fiesp, Paulo Skaff (que saiu logo), o doutor Demian Fiocca, corifeu da filosofia das PPPs e representantes das empreiteiras Camargo Correia, Andrade Gutierrez, OAS e Alusa. Discutiam o projeto das Parcerias Público Privadas. Segundo o senador Heráclito Fortes (PFL-PI), a Alusa é conhecida no Nordeste como "a empresa de Delúbio". A empresa nega esse parentesco.

Urucubaca
Um bruxo de boa memória descobriu uma nova urucubaca na política brasileira: é a maldição que cai sobre o patrono de festas de posse de presidente. A pedido do poderoso tucano Sérgio Motta, o banqueiro Angelo Calmon de Sá, dono do Banco Econômico, cacifou despesas da festa de posse de FH em 1995. Nada a ver com a recepção do Itamaraty. Dois anos depois Calmon de Sá tornou-se um sem-banco. A festa popular de Lula em 2002 foi financiada pelo dinheiro de um empréstimo conseguido por Marcos Valério. Coincidência: as duas festas custaram mais ou menos a mesma coisa. Em torno de R$ 1,5 milhão.

Tem mais gente
Feitas as contas resulta que o comissariado montou um esquema de jabaculês parlamentares, traficâncias bancárias e corretagens de interesses falidos tendo na outra ponta um só operador, Marcos Valério. Mais: pela primeira vez desde que D. Maria mandou enforcar o alferes Joaquim José da Silva Xavier, um negócio desse tamanho fica restrito a Minas Gerais, sem nenhum paulista no lance.

Triste silêncio
Tem muita gente boa na academia petista mordendo o pó por ter negado solidariedade ao professor Francisco de Oliveira em 2003, quando Lula censurou-lhe um artigo num livro intitulado "Reforma Política". No texto, ele atacava a autonomia dada pelo companheiro ao Banco Central. Vale o registro de que nessa época o professor Aziz Ab'Saber, veterano petista, procurou o colega para dizer-lhe que não estava só.

Recordar é viver
Como tem muita gente falando em aguar as CPIs para preservar uma coisa que chamam de governabilidade, interessa repetir o que disse o professor Luizinho, líder do governo, depois de uma blitz da Polícia Federal contra funcionários do Tribunal de Contas da União, em dezembro do ano passado: "Há segmentos que estão agindo de forma dirigida e arrivista. Algumas ações estão ocorrendo à revelia do comando da Polícia Federal. Essas ações põem em risco as instituições da República e a governabilidade". Agora o professor está atrás de uma explicação para o fato de um assessor seu ter sacado R$ 20 mil na agencia valeriana do Banco Rural, em Brasília.


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