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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ RUMO A 2006
Prefeito é ambíguo ao responder se pretende exercer seu mandato até o final e enumera várias tarefas para o sucessor de Lula
"Governo do PT acabou sem ter começado"
DA REDAÇÃO
O prefeito José Serra afirma que
hoje seguiria os 67% dos paulistanos que, segundo o Datafolha,
não gostariam de vê-lo abandonar o mandato no meio para concorrer à Presidência em 2006. Mas
deixa claro: essa é sua posição
"hoje": "Fico contente quando
apareço bem em pesquisas e até
gosto que os institutos ponham o
meu nome", diz.
A promessa de permanecer na
prefeitura não o impede, porém,
de enumerar quais seriam as tarefas do sucessor de Lula. Da mudança da política econômica à redefinição das agências reguladoras, o tucano esboça diretrizes de
governo. Ao mesmo tempo diz
que a gestão de Lula, do ponto de
vista das realizações, "acabou": "É
como a Inês de Castro, do Camões: foi sem nunca ter sido".
(FBS e RL)
Folha - O sr. acredita em uma guinada do governo Lula rumo ao modelo representado por Hugo Chávez na Venezuela?
Serra - O chavismo é inviável no
Brasil. Primeiro: se tentar, vai
contaminar a economia. Segundo: não vai conseguir. Essas manifestações do Lula e de outros
que acusam as elites encontram
repercussão junto a uma claque
organizada, não nas massas.
O PT tinha quatro componentes na sua formação: intelectuais,
militantes de tradição bolchevista, sindicalistas e igreja, com as
Comunidades Eclesiais de Base.
As CEBs estão desembarcando.
Os intelectuais estão desembarcando ou se calando. Com eles,
está acontecendo algo parecido ao
ocorrido com os intelectuais depois do 20º Congresso na União
Soviética, em 1956, quando
Khruschov denunciou o stalinismo. Houve um esvaziamento gradual. A fala do Roberto Jefferson
acabou tendo um impacto sobre a
vida do PT semelhante ao do relatório do Khruschov para o stalinismo. Como dizia Marx, a história só se repete como farsa.
O componente sindical era especialmente da área pública, e
continua relativamente forte. Na
militância tradicional bolchevique, os que não mudaram de lado
estão contra, e os que fizeram a
nova classe estão alijados. Imaginar que algo assim possa mobilizar massas à la chavismo é ilusão.
Se o populismo fosse fácil, Lula e o
PT teriam embarcado nele.
Outro problema do governo do
PT é que eles traíram o seu ideário, foram para o outro lado e não
ofereceram um substituto. É como se o governo nunca tivesse começado. Agora, com três CPIs,
eles vão só lidar com essa situação
até o fim. Do ponto de realizações,
o governo Lula acabou. É como a
Inês de Castro, do Camões: aquela
que foi sem nunca ter sido. O governo acabou sem começar.
Folha - O governo Lula tem, no
entanto, resultados positivos a exibir na área econômica.
Serra - Alguns dos dados positivos que estão aí se devem à sorte
de ter aparecido o Palocci -não
que a política econômica esteja
certa, mas dá uma estabilidade-
e à melhor conjuntura internacional desde a crise de 1929.
O governo FHC enfrentou seis
crises externas: México, Sudeste
Asiático, Rússia, Argentina, 11 de
Setembro e a gerada pela expectativa da eleição do Lula.
Em quase três anos, eles tiveram
a maior bonança externa desde os
anos 20. E nessa festa nós fomos o
primo pobre: no primeiro ano
não cresceu; no ano passado,
cresceu, mas menos do que o resto da América Latina.
Folha - O que explica a relativa
preservação da figura de Lula, ainda não contaminada pela crise?
Serra - A grande lealdade a ele
do pessoal que caiu em desgraça
pública, a inexistência de uma
oposição parecida a que o PT fazia
e a estratégia de grande advogado
criminalista do Márcio Thomaz
Bastos. Além disso, na crise do
Collor, havia dois belzebus: ele e o
PC Farias. Agora, os belzebus são
muitos. É explicável que o Lula fique mais preservado, que seu desgaste seja mais lento. Não dá para
concluir daí que o índice de contaminação vai permanecer baixo
para sempre.
Folha - O presidente é um candidato forte em 2006?
Serra - O Lula teve em 2002 três
fatores altamente favoráveis que
não vão estar presentes no ano
que vem. Primeiro: todos o pouparam. No ano que vem, a tendência é estarem todos contra ele.
Segundo: o Fernando Henrique
era o culpado de tudo. Agora, a
conversa da herança maldita não
vai colar mais. Terceiro: podia
propor qualquer coisa, do Fome
Zero aos dez milhões de empregos. Acho que o Lula sempre será
um candidato forte. É preciso
apenas considerar que ele não terá, no ano que vem, condições sequer parecidas com as de 2002.
Folha - O sr. acredita na possibilidade de impeachment?
Serra - Não me sinto em condições de prever até onde isso vai
chegar. Tudo depende dos desdobramentos. Quem achar que tem
claro o que vai acontecer é porque
não está entendendo nada.
Folha - Fala-se de um grande
acordo para circunscrever o escândalo e preservar Lula.
Serra - Não há acordos possíveis
dessa natureza, nem de um lado
nem de outro. Se a oposição se
reunir para fazer o impeachment
ou para evitar o impeachment, esses acordos serão fúteis.
Folha - Em pesquisa Datafolha,
67% dizem que o sr. não deveria se
afastar da prefeitura para ser candidato a presidente, e quase 30%
avaliam que o sr. deveria se afastar. Do total, 50% acreditam que o
sr. vai efetivamente sair para concorrer em 2006. Como reage a isso?
Serra - Se eu fosse perguntado,
estaria hoje do lado dos 67%. E
não estaria do lado dos 50% que
acham que eu vou me afastar.
Folha - O sr descarta uma eventual candidatura presidencial?
Serra - Fico contente quando
apareço bem em pesquisas e até
gosto que os institutos ponham o
meu nome. Mas entre pesquisa
boa e candidatura há uma distância enorme, que teria de ser percorrida e que ainda não foi.
Folha - O fato de o sr. ter afirmado em campanha que cumpriria
seu mandato de prefeito até o final
é um fator impeditivo de sua candidatura presidencial?
Serra - Eu disse o que pensava
naquele momento. Mas o maior
fator impeditivo é que eu gosto do
trabalho na prefeitura e acho que
há coisas muito importantes em
andamento. E, segundo, não sou a
única alternativa do meu partido.
Há outras, conhecidas e boas.
Folha - A eleição de 2006 se decidirá entre PT e PSDB ou há espaço
para uma surpresa?
Serra - É um equívoco pensar
que, se o PT desce, o PSDB automaticamente sobe, como se fosse
um elevador e seu contrapeso. É
uma análise mecanicista. Como
também é a oposta: os dois são
iguais e, portanto, o país vai revogar a predominância dos dois.
Folha - Qual será o principal desafio do próximo presidente?
Serra - Acho que as tarefas do
próximo presidente vão ser de
grande envergadura. Primeiro, terá de capitanear uma restauração
moral da administração pública e
da política. Segundo, terá de reconstruir a política econômica,
resolvendo o impasse câmbio-juros, o que não é fácil. Conheço
bons economistas que acham que
a economia poderia ter o mesmo
nível de estabilidade com uma taxa de juro real de 7% ou 8%, que
já é alta, e com uma taxa de câmbio de R$ 3,00. O grande problema é fazer a transição de uma
margem a outra sem que a economia seja tragada pela correnteza.
Terá de refazer, além disso, as
agências, a máquina pública que
foi deteriorada ainda mais pelo
loteamento político, pela ocupação partidarizada, melhorar a
qualidade da gestão. Tem de completar áreas de privatização. Não
se justifica, por exemplo, o governo ter o IRB na mão. Tem de melhorar os marcos legais de funcionamento dos fundos de pensão de
empresas públicas. Tem ainda de
resolver o problema do Mercosul,
porque tudo de problemático no
Mercosul foi empurrado com a
barriga.
O próximo governo terá também que encontrar um padrão
decente de relacionamento do
Executivo com o Legislativo. Terá
de encaminhar mudanças no sistema político-eleitoral.
Folha - Este último tema está em
pauta, mas não parece diversionismo introduzi-lo agora?
Serra -Temos o sistema eleitoral
mais aberrante do mundo, em
matéria de individualismo e de
custos. Mudanças são fundamentais. Eu só tenho dúvidas se neste
momento, no bojo da crise, há
condição de fazer. Seria de fato interpretado como diversionismo,
porque a agenda positiva hoje é
investigar, não tem outra.
Mas que é essencial, é, inclusive
para a questão do financiamento
público de campanha, que eu
acho uma falsa panacéia. O problema de financiamento eleitoral
existe em toda parte, mas no Brasil ele é mais grave que a média.
A questão dos custos de campanha é eternamente deixada de lado. Preocupação legítima com financiamento tem de passar pela
redução de custos. Há dois fatores
críticos: sistema eleitoral e programa de televisão.
O sistema eleitoral é o mais caro
do mundo. Por exemplo: em São
Paulo, um vereador procura voto
junto a sete milhões de eleitores.
A campanha fica caríssima. Um
deputado federal procura voto
junto a 24 milhões de eleitores.
Outros Estados são menos populosos, mas a situação não é muito
diferente. Esse sistema é caríssimo, e é uma eleição individual.
Eu sempre defendi o sistema
distrital, que barateia na hora.
Calculo que poderia reduzir de
cinco a dez vezes a despesa média
para o candidato. No caso das cidades, é óbvio que deveria ser um
sistema distrital. Um vereador de
São Paulo seria eleito junto a 150
mil eleitores. E teria ainda a vantagem de controlar o eleito, o mandato, puni-lo na eleição seguinte
se for o caso.
Folha - O sr. acha o sistema de listas partidárias melhor que o atual?
Serra - Eu acho que sim. Não é
tão bom quanto o distrital, mas é
melhor que o atual. Muitos críticos desse sistema deixam de lado
a questão dos custos para enfatizar que ele significaria o domínio
da oligarquia partidária, que o
eleitor não iria escolher o seu parlamentar. Como se a qualidade do
Congresso pudesse ser pior com o
sistema de lista do que com o
atual. No entanto, se a lista não tiver, na parte de cima, nomes que a
sociedade acolha, você não vai ter
votos. Suponha que, ao terminar
meu mandato, em 2010 eu vá ser
candidato. Eu poderia ser candidato puxando a lista de deputados. Você valoriza o Parlamento.
Segundo ponto: horário gratuito. Do jeito que está, é disparado o
componente que inflaciona os
custos de campanha. É feito por
setores especializados, com características fortes de monopólio na
formação dos preços. O horário
eleitoral deve ser mantido, mas só
com os candidatos no estúdio,
sem produção. É possível que ele
fique mais chato, mas a política é
chata mesmo. Isso reduziria verticalmente os custos. É uma mudança que está ao nosso alcance
fazer. O melhor de tudo seria o
parlamentarismo, mas essa é uma
questão que no atual contexto
não deve ser colocada.
Folha - O sr. é favorável ao fim da
possibilidade de reeleição?
Serra - É sabido que eu sou contra a reeleição. Não funciona. Seria melhor ter um mandato de
cinco ou seis anos sem reeleição.
Mas introduzir essa discussão
agora seria perturbador.
Aliás, todas as iniciativas de mudanças políticas fundamentais só
podem partir do governo, do próprio Lula. Qualquer outra iniciativa seria encarada como golpismo.
Além disso, sem o peso do governo, será ocioso propor.
Folha - O sr. considera as reformas ociosas ou irrelevantes?
Serra - Nem uma coisa nem outra, mas transformá-las em condição anterior e superior a tudo só
serve como pretexto para não governar. Não sabe o que fazer no
governo? Diga então "tudo vem
depois das reformas". E, enquanto não chegam, você está escorado no pretexto de que elas ainda
não aconteceram. Sempre haverá
alguém disposto a dizer "mas ainda falta fazer tal coisa". Esse fetiche das reformas reflete, na verdade, a incompetência e a falta de
clareza de como levar o país.
Folha - O sr. recebeu uma avaliação popular bastante negativa ao
completar três meses de mandato.
A que atribuiu a melhora verificada
na avaliação dos seis meses?
Serra - É muito difícil dizer sem
perguntar para os eleitores. Acho
que tem tido um peso a nossa
ação administrativa, a atitude de
trabalho e a melhoria de serviços
como a limpeza pública e a saúde.
Conseguimos dar uma certa ordem financeira à prefeitura, o que
é fundamental. E, pouco a pouco,
estamos retomando o ritmo de
trabalho que a cidade exige. Estamos fazendo um esforço enorme
para aumentar a arrecadação sem
aumentar taxas -pelo contrário,
mandamos mensagem para a Câmara acabando com a do lixo.
Acho que o que fizemos de mais
importante na área financeira foi
a redução de custos. Reduzimos
em 8% o preço dos uniformes, reduzimos o preço da merenda.
O curioso é que a área da saúde,
a mais bem avaliada, é também a
pior. Acho o resultado previsível,
porque estamos avançando. Não
resolvemos todos os problemas,
mas estamos melhorando.
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