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EXCLUSIVO
Gravações revelam como agem os escritórios especializados nas fraudes com recursos do DNER
Lobistas cobram até 25% de propina
da enviada especial
Os escritórios de lobby especializados em liberar o pagamento
de precatórios no DNER agem como caçadores de esmeraldas.
Dentro do próprio DNER, eles
obtêm uma lista com o nome dos
credores. O passo seguinte é procurar os advogados que cuidam
dos processos e vender os serviços
de "consultoria" para liberar o dinheiro antes do tempo previsto.
O advogado Juarez Lopes da Silva, de Belo Horizonte, tinha quatro clientes que há muito tempo
tentavam receber dinheiro de
precatórios que já haviam sido expedidos contra o DNER.
O precatório é uma ordem de
pagamento para uma ação judicial vitoriosa movida contra um
órgão público. Para receber o dinheiro, os credores entram numa
fila longa, atrás de todos aqueles
que ganharam ações na sua frente. Dois clientes de Juarez estavam
na fila do ano de 99, junto com
outros 120 credores. Os outros
dois estavam na fila de 98, junto
com outros 136 credores.
A possibilidade de receberem o
dinheiro neste ano era nula. Isso
porque o DNER ainda não havia
pago nem sequer os precatórios
de 1997. Com o atraso de dois
anos, eles só receberiam, na melhor das hipóteses, em 2001.
Milagrosamente, os quatro
clientes de Juarez receberam o dinheiro este ano. No total, foram
pagos R$ 7,9 milhões, segundo levantamento feito no Siafi (Sistema Integrado de Administração
Financeira) pelo gabinete do deputado Agnelo Queiroz (PC do B-DF) a pedido da Folha.
A reportagem procurou o advogado Juarez para entender o que
aconteceu. Numa conversa gravada por telefone, a repórter se identificou como titular de um precatório a ser pago pelo DNER.
O advogado explicou então que
foi encontrado por um desses caçadores de esmeraldas. Juarez já
havia ido "quinhentas vezes" ao
DNER para tentar um acordo,
sem resultado. Até que foi procurado por Ulisses José Ferreira Leite, que ele qualifica como "lobista". "Ele me procurou. Descobriu,
sabe? Acho que algum funcionário do órgão lá (do DNER) pode
ter dado meu nome para ele",
afirmou Juarez.
A mesma coisa aconteceu com
o economista Edio Felício, que tinha R$ 6.139.609,00 a receber do
DNER. Sua advogada, Zenild
Coutinho, foi procurada por outro lobista, João Luiz da Fonseca.
"Eles chegaram a mim", disse ela.
Para dar uma roupagem legal à
operação, os lobistas propõem
que o titular do precatório encaminhe uma proposta de acordo
com o DNER, oferecendo um
desconto de cerca de 10% sobre o
valor original do precatório.
O lobista Fonseca explica o motivo: "A lei diz que você não pode
pagar qualquer precatório desses
antes da ordem. Então veja bem.
O caso dele (Edio) é de 1997. Como é que ia pagar o dele, se ainda
tinha (precatório) de 1996?" A resposta: propondo o desconto para
justificar a operação. Além desse
desconto oficial, o titular do precatório tem de pagar uma remuneração ao escritório de lobby.
"Não está custando barato,
não", avisou o economista Edio
Felício numa conversa com a repórter, que também se apresentou a ele como titular de precatório. Ao ser perguntado se o desconto de 10% para o DNER significava o pagamento de propina,
ele disse: "Não, não. É doação
mesmo. A propina é o contrato de
prestação de serviço". O lobista
Fonseca, segundo Edio Felício,
cobrou 25% do valor do precatório -ou R$ 1,4 milhão.
Outro caçador de esmeraldas
que procurou o advogado mineiro Juarez Lopes da Silva para novos negócios foi o engenheiro
Marcelo Severo, que tem um escritório em Brasília, na quadra 311
Norte.
O advogado Juarez deu o telefone de Severo à Folha. Também
imaginando estar falando com
uma possível cliente, Severo foi
claro quanto ao acerto que o credor do DNER tem que fazer.
"São 30% de desconto: 15 por
dentro e 15 por fora, tá? O 15 por
dentro é o (oficial) do governo. Os
outros 15% são de advocatícios,
que na verdade não passa de graxa, né? Só que é legalizado." Severo exibe a cópia de contratos-padrão para se fazer entender.
"Eu sou apenas um apanhador", diz ele, que informou trabalhar para um tal "doutor Aranha",
que seria parente do diplomata e
político Oswaldo Aranha (1894-1960) e que, conforme repetiu seguidas vezes, seria amigo do ministro Eliseu Padilha.
Para deixar o cliente seguro, ele
explica que a comissão está respaldada pelo contrato de prestação de serviços advocatícios.
Os lobistas então encaminham
o processo ao DNER, que dá um
parecer favorável ao acordo. Segundo Fonseca, "40 dias depois é
feita a ordem bancária".
Pelo menos em um dos casos
dos clientes do advogado Juarez o
dinheiro do DNER foi depositado
direto na conta do lobista Ulisses
José Ferreira Leite. De acordo
com o Siafi, R$ 408.884,06 do
acordo do precatório de Narciso
Silvestre, cliente de Juarez, foram
depositados na conta 96.780.7 da
agência 484-7 do Bradesco, em
Brasília. É uma conta conjunta do
lobista Ulisses.
Segundo o procurador Pedro
Eloi Soares, os acordos só são feitos pelo DNER quando o titular
do precatório oferece descontos
muito vantajosos para o órgão.
É um argumento que não se
sustenta na realidade. Os clientes
do advogado Juarez conseguiram
furar a fila dando descontos irrisórios ao DNER.
Segundo o levantamento feito
no Siafi, a empresa Sola S/A Agropecuária tinha um precatório de
R$ 1.428.000,00 para receber. Fez
um acordo para receber R$
1.399.919,22. Um desconto de 2%
sobre o valor original.
Ernane de Souza tinha que receber R$ 3.594.852,00. Recebeu R$
3.415.110,26, de acordo com o Siafi. Com um desconto de 5%, passou do 97º para o 1º lugar na fila
de precatórios do DNER.
(MÔNICA BERGAMO)
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