São Paulo, Domingo, 31 de Outubro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

EXCLUSIVO
Gravações revelam como agem os escritórios especializados nas fraudes com recursos do DNER
Lobistas cobram até 25% de propina


da enviada especial

Os escritórios de lobby especializados em liberar o pagamento de precatórios no DNER agem como caçadores de esmeraldas.
Dentro do próprio DNER, eles obtêm uma lista com o nome dos credores. O passo seguinte é procurar os advogados que cuidam dos processos e vender os serviços de "consultoria" para liberar o dinheiro antes do tempo previsto.
O advogado Juarez Lopes da Silva, de Belo Horizonte, tinha quatro clientes que há muito tempo tentavam receber dinheiro de precatórios que já haviam sido expedidos contra o DNER.
O precatório é uma ordem de pagamento para uma ação judicial vitoriosa movida contra um órgão público. Para receber o dinheiro, os credores entram numa fila longa, atrás de todos aqueles que ganharam ações na sua frente. Dois clientes de Juarez estavam na fila do ano de 99, junto com outros 120 credores. Os outros dois estavam na fila de 98, junto com outros 136 credores.
A possibilidade de receberem o dinheiro neste ano era nula. Isso porque o DNER ainda não havia pago nem sequer os precatórios de 1997. Com o atraso de dois anos, eles só receberiam, na melhor das hipóteses, em 2001.
Milagrosamente, os quatro clientes de Juarez receberam o dinheiro este ano. No total, foram pagos R$ 7,9 milhões, segundo levantamento feito no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira) pelo gabinete do deputado Agnelo Queiroz (PC do B-DF) a pedido da Folha.
A reportagem procurou o advogado Juarez para entender o que aconteceu. Numa conversa gravada por telefone, a repórter se identificou como titular de um precatório a ser pago pelo DNER.
O advogado explicou então que foi encontrado por um desses caçadores de esmeraldas. Juarez já havia ido "quinhentas vezes" ao DNER para tentar um acordo, sem resultado. Até que foi procurado por Ulisses José Ferreira Leite, que ele qualifica como "lobista". "Ele me procurou. Descobriu, sabe? Acho que algum funcionário do órgão lá (do DNER) pode ter dado meu nome para ele", afirmou Juarez.
A mesma coisa aconteceu com o economista Edio Felício, que tinha R$ 6.139.609,00 a receber do DNER. Sua advogada, Zenild Coutinho, foi procurada por outro lobista, João Luiz da Fonseca. "Eles chegaram a mim", disse ela.
Para dar uma roupagem legal à operação, os lobistas propõem que o titular do precatório encaminhe uma proposta de acordo com o DNER, oferecendo um desconto de cerca de 10% sobre o valor original do precatório.
O lobista Fonseca explica o motivo: "A lei diz que você não pode pagar qualquer precatório desses antes da ordem. Então veja bem. O caso dele (Edio) é de 1997. Como é que ia pagar o dele, se ainda tinha (precatório) de 1996?" A resposta: propondo o desconto para justificar a operação. Além desse desconto oficial, o titular do precatório tem de pagar uma remuneração ao escritório de lobby.
"Não está custando barato, não", avisou o economista Edio Felício numa conversa com a repórter, que também se apresentou a ele como titular de precatório. Ao ser perguntado se o desconto de 10% para o DNER significava o pagamento de propina, ele disse: "Não, não. É doação mesmo. A propina é o contrato de prestação de serviço". O lobista Fonseca, segundo Edio Felício, cobrou 25% do valor do precatório -ou R$ 1,4 milhão.
Outro caçador de esmeraldas que procurou o advogado mineiro Juarez Lopes da Silva para novos negócios foi o engenheiro Marcelo Severo, que tem um escritório em Brasília, na quadra 311 Norte.
O advogado Juarez deu o telefone de Severo à Folha. Também imaginando estar falando com uma possível cliente, Severo foi claro quanto ao acerto que o credor do DNER tem que fazer.
"São 30% de desconto: 15 por dentro e 15 por fora, tá? O 15 por dentro é o (oficial) do governo. Os outros 15% são de advocatícios, que na verdade não passa de graxa, né? Só que é legalizado." Severo exibe a cópia de contratos-padrão para se fazer entender.
"Eu sou apenas um apanhador", diz ele, que informou trabalhar para um tal "doutor Aranha", que seria parente do diplomata e político Oswaldo Aranha (1894-1960) e que, conforme repetiu seguidas vezes, seria amigo do ministro Eliseu Padilha.
Para deixar o cliente seguro, ele explica que a comissão está respaldada pelo contrato de prestação de serviços advocatícios.
Os lobistas então encaminham o processo ao DNER, que dá um parecer favorável ao acordo. Segundo Fonseca, "40 dias depois é feita a ordem bancária".
Pelo menos em um dos casos dos clientes do advogado Juarez o dinheiro do DNER foi depositado direto na conta do lobista Ulisses José Ferreira Leite. De acordo com o Siafi, R$ 408.884,06 do acordo do precatório de Narciso Silvestre, cliente de Juarez, foram depositados na conta 96.780.7 da agência 484-7 do Bradesco, em Brasília. É uma conta conjunta do lobista Ulisses.
Segundo o procurador Pedro Eloi Soares, os acordos só são feitos pelo DNER quando o titular do precatório oferece descontos muito vantajosos para o órgão.
É um argumento que não se sustenta na realidade. Os clientes do advogado Juarez conseguiram furar a fila dando descontos irrisórios ao DNER.
Segundo o levantamento feito no Siafi, a empresa Sola S/A Agropecuária tinha um precatório de R$ 1.428.000,00 para receber. Fez um acordo para receber R$ 1.399.919,22. Um desconto de 2% sobre o valor original.
Ernane de Souza tinha que receber R$ 3.594.852,00. Recebeu R$ 3.415.110,26, de acordo com o Siafi. Com um desconto de 5%, passou do 97º para o 1º lugar na fila de precatórios do DNER. (MÔNICA BERGAMO)


Texto Anterior: Caso é grave, diz ex-presidente do STF
Próximo Texto: "Só o ministro autoriza"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.