São Paulo, quarta-feira, 31 de outubro de 2001

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ELIO GASPARI

Uma nova baixaria, o "Mata Malan"

Há um estranho cheiro de "Mata Malan" no ar. Vem de duas panelas. A mais temperada é a dos economistas ou animadores econômicos que se apresentam como defensores de um "desenvolvimentismo" que ele teria travado. A mais oportunista vem do deputado Wellington Dias (PT-PI), que deseja convocá-lo à Comissão de Fiscalização e Controle para explicar a relação existente entre o motorista de Hugo Braga, assessor parlamentar do ministério, e o famoso lobista de Brasília, Alexandre Paes dos Santos, o APS.
A idéia segundo a qual Malan foi um obstáculo ao desenvolvimento é uma mistificação a serviço da transmigração de seus ex-aliados para as caravelas de José Serra, Tasso Jereissati e (por que não?) Lula. Deu-se uma conjuntura na qual a política econômica do governo FFHH associará a orfandade ao fracasso. Fracassou porque empulhou o país com o populismo cambial, deixou-o vulnerável e estagnado. FFHH diz agora que serão necessários 20 anos para entendê-lo. Alá é grande e haverá de lhe dar 91 anos de vida.
Política fracassada é uma coisa, ministro da Fazenda contra o desenvolvimento é bem outra. Malan nunca foi contra o progresso, até porque não é burro. Se a transformação de Malan em bode da estagnação resolvesse o problema, tudo bem. A dificuldade está no fato de ela trazer embutida outra empulhação, bem pior. É a transformação dos seus ex-aliados em críticos, para preservar modernidades adquiridas. Uma consultoria aqui, uma sociedade em banco acolá.
Servidor público, Pedro Malan nunca viveu de outro rendimento que não viesse do serviço público. Faz tempo, gritava-se na rua "o povo está a fim, da cabeça do Delfim". Se Antônio Delfim Netto não fosse de circo, hoje estaria sem ela. Em 1984, as mesmas pessoas e empresas que se cevaram no "milagre econômico" jogaram-lhe a culpa da bancarrota e foram ensaboar Tancredo Neves. No seu primeiro dia fora do poder, Delfim almoçou num restaurante paulista e sentou-se numa mesa do fundo. Atravessou 50 metros para entrar e outros 50 para sair. Ninguém lhe deu nem sequer um abano de cabeça. Elitezinha pobre, a nacional.
Assim como os sábios da ekipekonômica obrigam-se a uma quarentena quando deixam o governo, deveriam ser obrigados também a ficar em silêncio por tempo equivalente àquele em que, calados, estiveram no governo. Some-se a isso, em alguns casos, o tempo em que, sempre calados, dirigiram bancos, corretoras ou empresas de consultoria. Questão de pudor. Não falaram quando suas críticas podiam beneficiar o público, não devem falar em época de campanha eleitoral, quando beneficiam a si próprios.
A convocação de Malan à Comissão de Fiscalização e Controle é oportunista e pretende montar um teatro em Brasília de forma a regionalizar uma crise surgida no Rio Grande do Sul, onde se descobriu o seguinte:
1) Em 1998 organizou-se um clube de seguros para coletar dinheiro em benefício da candidatura de Olívio Dutra.
2) O presidente desse clube, Diógenes de Oliveira, pediu ao chefe de polícia que amenizasse a vida dos bicheiros. Nas suas palavras: "Conheço os caras, o Olívio conhece. O que estou dizendo, conversando contigo por determinação do Olívio [..." é para tu saberes dessas relações que nós temos com esse pessoal, desde que eles não interfiram no crime organizado".
A biografia de Olívio Dutra haverá de ser um antídoto eficiente para que esse episódio não se transforme numa peça essencial de avaliação de seu governo, bem como da moralidade das administrações petistas. Todavia, se a biografia de Malan não merece respeito, que respeito merece a de Olívio?
Quando o deputado do PT sai-se com a idéia de se convocar o ministro da Fazenda para explicar quem pagava o motorista de seu assessor parlamentar, o que se está buscando é teatro, com o objetivo de tumultuar a percepção do episódio gaúcho. Ninguém está livre de assessores que dão "carteiraços" (Diógenes), ou aceitam mimos indevidos de lobistas (Hugo Braga). Descobertos, manda a norma que sejam afastados e foi isso que Malan fez com o seu. O Ministério Público e a Polícia Federal estão investigando as malfeitorias cometidas pelo lobista APS. Deve-se a eles o que se sabe. (E a uma iniciativa do ministro José Serra, que saiu atrás de uma chantagem fantasiada de denúncia.) Essa é a parte séria do trabalho. A iniciativa do deputado Wellington Dias serve apenas para avacalhar a comissão que preside.


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