São Paulo, quinta-feira, 31 de outubro de 2002

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TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA

Central sindical, ligada ao PT, vê "mais desvantagens do que vantagens" para o Brasil na Área de Livre Comércio das Américas

CUT sugere que Lula não negocie a Alca

Juca Varella/Folha Imagem
A embaixadora dos EUA no Brasil, Donna Hrinak, no comitê do PT em São Paulo, com André Singer, porta-voz do presidente eleito


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A QUITO

Se quiser manter a fase "paz e amor" também nas negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), Luiz Inácio Lula da Silva terá um obstáculo nascido no próprio coração do PT: a CUT, a central sindical ligada ao partido, sugere que o futuro governo abandone as negociações.
"O governo deveria sair da negociação, não por uma questão ideológica, mas porque ela, do ponto de vista econômico, não é vantajosa para o Brasil", diz Kjeld Jakobsen, secretário de Relações Internacionais da CUT e, de longe, o maior especialista em negociações comerciais do sindicalismo brasileiro.
Não por acaso, Kjeld estava ontem à mesa do Fórum Social Mundial, cujo slogan é precisamente "Outra América é possível", em alusão ao repúdio à Alca permanentemente esgrimido por organizações sociais das quais o PT sempre foi muito próximo.
Aliás, o slogan mais abrangente "Outro mundo é possível" é o grito de guerra sob o qual se reúne o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, para o qual a participação do PT tem sido fundamental.
"Há uma diferença entre movimento sindical e governo e entre as funções de um e de outro, por mais que possamos ter boas relações", explica o sindicalista, já se antecipando ao paradoxo que será, a partir de janeiro, ver o PT representado na Alca oficial e, as organizações a ele ligados, na "outra América é possível".
Mas Kjeld rechaça uma posição ideológica na Alca: "A visão da CUT é a de que a Alca tem mais desvantagens do que vantagens, especialmente em setores nos quais o emprego é afetado, razão suficiente para sermos contra".
O que a CUT defende é a explicitação, pelo futuro governo, de que setores pretende defender e de que áreas serão abertas à concorrência com a produção norte-americana, no âmbito da Alca.
"O governo do Brasil deveria ser tão transparente quanto o dos Estados Unidos, que mostrou que áreas pretende abrir e, principalmente, quais aquelas em que não fará concessões", diz.
Essa proposta brasileira teria que levar em conta as políticas industriais e de desenvolvimento que embasaram os discursos de campanha. "Se for assim, a proposta não seria aceita por vários parceiros na Alca, inclusive pelo governo norte-americano", acha Kjeld, fechando seu raciocínio.
Em campanha, Lula chegou a dizer que a Alca seria um processo de "anexação" do Brasil pelos EUA, o que indicaria a rejeição frontal a ela, como é óbvio.
Mas, à medida que a eleição se aproximava (e a vitória também), o PT suavizou o discurso e passou a aceitar a continuidade da negociação, desde que, como é natural, o interesse brasileiro fosse ferreamente defendido.
O governo dos EUA comprou esta segunda fase e esqueceu a primeira, conforme ficou claro em teleconferência na semana passada com um alto funcionário do comércio exterior norte-americano, já relatada pela Folha.
Mas, no mundo da oposição à Alca, a visão que prevalece sobre Lula e sobre o que fará na negociação com os Estados Unidos ainda é belicosa. "O triunfo de Lula é um elemento de avanço na nossa luta contra a Alca, porque sabemos de suas posições", diz, por exemplo, Adolfo Alberto Arroyo, líder da "Rede Mexicana contra o Livre Comércio". Reforça a norte-americana Karen Hansen, de outra ONG anti-Alca: "A vitória de Lula é uma inspiração para a comunidade progressista norte-americana, que a está festejando até com caipirinha".
Karen aponta um outro efeito da vitória de Lula nas negociações: "Vai fortalecer os congressistas norte-americanos que já têm dúvidas sobre a Alca e sobre livre comércio, porque estão vendo que triunfou um candidato que também tem dúvidas".
Ainda assim, os ativistas não acreditam -nem pedem- que o futuro presidente brasileiro adote, de saída, posições radicais.
"Sua margem de manobra será muito estreita, já que vai ter que mergulhar em uma piscina com apenas dois centímetros de água", diz o argentino Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz.
Reforça o mexicano Arroyo: "Ninguém espera que, às 3 horas da tarde do dia 2 de janeiro (primeiro dia após a posse), Lula adote posições radicais".
O que Arroyo vê na vitória de Lula é "uma mudança na correlação de forças", obviamente a favor dos que se opõem à Alca.
Agora é preciso ver à qual dos lados (pró e contra a Alca) se dirigirá o estilo "paz e amor" de Lula na campanha. Do lado dos opositores à Alca, a propaganda está longe de ser de paz e amor. Uma faixa estendida no ginásio da Universidade Salesiana de Quito, enquanto rolavam os debates sobre a "outra América", proclamava: "A Alca matará mais que a Aids".


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