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JANIO DE FREITAS
O dia do absurdo
Ainda que cause algum
transtorno antes e alguma
surpresa depois, a votação de segundo turno não ameaça com
as conseqüências graves, para o
futuro brasileiro, que peessedebistas e petistas prevêem, conforme o resultado. O grave mesmo está em outra eleição, gravidade bastante para fazer da
próxima terça-feira mais um
dia do absurdo entre as nações.
Ou por outra, o dia provavelmente mais simbólico do que
chamamos de civilização ocidental.
Enquanto existiu a União Soviética, a expressão era maior e
mais eloqüente: falava nos "valores da civilização ocidental e
cristã" - uma demonstração
involuntária de que essa civilização, de valores tão puros, tão
humanitária, não considerou os
milhões de judeus dignos de integrá-la. E não foram os nazistas os autores e nem mesmo os
usuários da expressão, que fez
carreira como estandarte do
"mundo livre".
Pois terça-feira será o dia do
absurdo. Os Estados Unidos
irão às urnas para indicar o seu
presidente pelos próximos quatro anos. Um país indica o seu
presidente e todos os demais
países do mundo suspendem a
respiração, ansiosos uns e angustiados outros, todos sabedores de que, em muitos sentidos, a
preferência norte-americana será mais importante para os seus
destinos nacionais do que se fosse a escolha dos seus próprios
mandatários.
Como quem indicasse apenas
um presidente, os eleitores dos
Estados Unidos indicam quem
terá o poder da força militar e financeira sobre o planeta. Indicam é bem a palavra. Porque o
sistema eleitoral norte-americano assegura ao poder político e,
se necessário, ao judicial -ambos indissociáveis do poder econômico- a palavra final sobre
quem será o presidente.
Lembre-se, a propósito, que o
democrata John Kennedy valeu-se de intervenções pouco
convencionais de chefes gângsteres, na disputa eleitoral, para
chegar à presidência. E o atual
George Bush, além de derrotado
pelos votos do povo, contou com
irregularidades eleitorais na
Flórida governada pelo irmão e,
depois, com precipitada decisão
da Corte Suprema de maioria
republicana (lá, os magistrados
têm associação partidária). Assim recebeu a Presidência que,
pelo comprovado na revisão
eleitoral incumbida à Universidade Harvard, caberia de direito ao seu oponente, o democrata
Al Gore.
Uma ordem/desordem internacional sujeita ao superpoder
de homens de incertas qualidades, elevados por métodos tão
aquém do necessário, pode ser
ocidental, porque imposta a
partir do Ocidente, eventualmente cristã ou não, mas não
pode ser entendida como civilização.
O que todo esse absurdo reserva ao mundo, ao menos pelos
próximos quatro anos, em grande parte se esboça depois de
amanhã. Se vitorioso, George
Bush terá a oportunidade de
melhorar sua marca de 100 mil
mortos civis no Iraque, na
maioria mulheres e crianças, segundo o levantamento conjunto, revelado nesta semana, pelas
universidades Columbia, Johns
Hopkins e Al Mustansiriya.
Bush talvez consiga superar Nixon/Kissinger e Johnson, artistas do napalm no Vietnã.
E John Kerry quem é, o que será se vitorioso? Uma incógnita
que funciona como alternativa
para quem já sabe o que é George Bush. O que pode ser muito e
pode ser nada, dependendo de
quanto se sujeite às regras, tradições e poderes que preservam
o mundo perdido em absurdos.
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