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ARTIGO
Onde mora a rejeição a Marta?
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Por que tanta rejeição a Marta
Suplicy? Sua administração foi
bem avaliada nas pesquisas. Para
não votar nela, evocam-se argumentos de ordem pessoal. Ela é
arrogante. Ela largou do Suplicy.
Ela preferiu o Favre. Ela usa botox. Ela -digamos de uma vez-
é perua.
Também a criticam pela criação
de novas taxas, por não ter acabado com as escolas de lata e pela recém-descoberta circunstância de
que "fez pouco pela saúde" -o
que, pensando bem, é até um elogio, pois significa que sua atuação
em outras áreas foi bastante expressiva. Um de seus grandes méritos, aliás, foi o de mostrar que
Maluf não é o único "que faz".
Acontece que a qualidade da administração não está muito em
pauta. O excesso de taxas ou as falhas na saúde parecem quase um
pretexto para quem não ia mesmo votar nela. O que conta é sua
arrogância. Sua peruíce.
Esses dois conceitos merecem
ser analisados. Acho que refletem
um componente ideológico, uma
preferência política, e não só uma
questão pessoal.
"Marta é arrogante": contudo,
Maluf é arrogante, Fernando
Henrique não prima pela modéstia, Collor era de uma soberba total, e quem rejeita Marta não necessariamente deixou de votar
nessas figuras.
Um dos momentos mais arrogantes de Marta, aliás, remonta à
campanha anterior. Foi quando a
candidata do PT mandou Maluf
calar a boca, chamando-o de "nefasto". A atitude, naquele momento, rendeu-lhe votos: talvez
tenha sido eleita justamente por
ser capaz de enfrentar Maluf sem
papas na língua, com superioridades de madame.
Creio que, uma vez na prefeitura, Marta se convenceu de que o
ar de classe alta, em vez de suscitar
antipatias, era fonte de autoridade, de prestígio e de respeito num
ambiente francamente conservador como o paulistano.
Não importava muito assumir
essa característica (que, de resto,
era sua mesmo), se, na prática, na
realidade administrativa, ela se
voltasse para os mais pobres (o
que, de resto, ela fez).
Esse talvez tenha sido o seu
maior erro de avaliação. Pois uma
coisa que sempre se verá com desconfiança é um grã-fino de esquerda. Parece diletantismo de
quem não sabe como é árdua a luta pela vida. Parece provocação.
Luxo revoltante, o de ter boa
consciência sem deixar de freqüentar restaurantes cinco estrelas. E ainda dizer com desprezo:
"Se eu, que vivo nas altas rodas,
posso ter consciência social, como é que você, um classe-média
bem breguinha, não se toca?"
Sim, o Eduardo Suplicy é rico e
de esquerda. Mas perdoam-no,
dado seu misto de santidade e alopramento.
Largando de Suplicy e ficando
com Favre, Marta abandona a
única coisa que a desculpava aos
olhos da classe média conservadora: o espírito de sacrifício na vida doméstica, a inocência de ser
rico sem saber para o que isso serve. Marta mostrou ser dona do
seu nariz e não estar disposta a
abandonar os seus gostos e desejos. Logo, é arrogante.
O rótulo tem outro aspecto. Não
só ela não se importou com a repercussão negativa de suas toaletes -acreditando que os ares de
direita a liberavam para ser de esquerda- como também se esforçou por seguir um vocabulário
malufista na exibição de obras na
região mais rica. O cidadão que
vive entre a Rebouças e o Shopping Iguatemi, infernizado pela
paralisação do trânsito, talvez tenha sentido que, a toque de caixa,
Marta esfregava em seu nariz realizações para malufista nenhum
botar defeito.
"É isso o que vocês querem, não
é? Fiquem sabendo do que eu
também sou capaz." Havia um
componente quase fálico nessa
ostentação de proezas de engenharia. O que se perdoava em Maluf parecia impositivo, ilegítimo
numa administração de uma mulher petista.
Um adesivo de Serra diz tudo, a
meu ver, sobre essa eleição: o candidato tucano é o "prefeito da
gente". Isto é, não é o prefeito "deles", os manos da periferia. Nem
"delas", as consumidoras da Daslu. Uma prefeita de classe alta faz e
acontece nas regiões mais desassistidas da cidade: isso é ostentação, arrogância, coisa de perua;
uma prefeita petista faz túneis na
áreas ricas, pára o nosso trânsito,
planta coqueiros que ninguém
pediu: isso é um abuso, é uma violência contra a propriedade privada. Entre os ricos e a periferia,
uma parcela da classe média se
sente especialmente ofendida, como se incorporasse toda a raiva
que Eduardo não sentiu. Diz então, com entonações de radionovela: "Marta, tu me traíste". Pérfida mulher.
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