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XADREZ POLÍTICO
Ex-presidente critica governo Lula na economia e na área social e diz que resultado das eleições torna PSDB "competitivo" para 2006
Para FHC, vitória dará presença nacional a Serra
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, 73, avalia que a
eventual vitória de José Serra hoje
em São Paulo lhe dará "forte presença nacional" no xadrez político que tem como ponto de fuga a
sucessão presidencial de 2006.
FHC afirma que nenhum partido sairá das eleições municipais
dominando o cenário político nacional e diz que o PSDB será competitivo. Mas descarta concorrer,
ele próprio, a qualquer cargo público. "O PSDB tem vários nomes
fortes e não precisa do meu", diz,
referindo-se à sucessão de Lula.
Ao contrário do que previa,
FHC não deve voltar ao Brasil para votar em seu amigo José Serra
hoje, como fez no primeiro turno.
Com a agenda espremida por dois
compromissos -uma palestra
realizada anteontem na Universidade de Nova York e uma aula
magna que deve proferir amanhã
no Watson Institute for International Studies, da Universidade de
Brown-, o ex-presidente deve
permanecer nos EUA. Fica lá por
um mês para cumprir uma agenda de atividades acadêmicas.
Ontem, FHC ainda cogitava
"pegar carona" em algum avião
particular para vir ao Brasil, como
disse à Folha, mas considerava a
hipótese remota. "Estou aqui torcendo e muito confiante na vitória do Serra", disse por telefone,
após encaminhar por e-mail as
respostas às perguntas da Folha.
Folha - A eventual eleição de Serra tem impacto na correlação de
forças políticas em nível nacional?
Quais seus efeitos à luz da sucessão
de 2006?
Fernando Henrique Cardoso - As
eleições municipais estão redesenhando as expectativas. Não haverá um partido dominante e o
PSDB está bem situado. O PMDB
obteve cerca de 1.000 prefeituras,
o PSDB, 850; o PFL, 750; e o PT,
400. Serra eleito terá forte presença na política nacional. Tudo no
futuro, inclusive a sucessão presidencial, dependerá das condições
sócio-econômicas e do comportamento efetivo dos atores políticos,
dentre os quais o governo. Mas,
indiscutivelmente, o PSDB será
um partido competitivo.
Folha - O sr. tem uma avaliação
da prefeitura da Marta? Qual? O
que pensar do trabalho realizado
pela prefeita na periferia?
Fernando Henrique - O resultado
das pesquisas eleitorais mostra
que a prefeita, embora empenhada em atender certas áreas da periferia urbana, não empolgou o
povo.
Folha - A administração da prefeita teve uma taxa de aprovação
alta (48% de bom e ótimo,segundo
o último levantamento do Datafolha), mas a sua taxa de rejeição
também é muito elevada, mais de
40%. A que o sr. atribui essa rejeição? São aspectos de ordem comportamental que podem estar pesando na percepção do eleitor?
Fernando Henrique - Tanto há
um julgamento de aspectos comportamentais, como uma insatisfação com o partido. Note-se que
nas eleições para a Câmara Municipal a legenda do PSDB obteve,
pela primeira vez, mais votos do
que o PT, ou seja, votos diretamente para o partido, sem discriminar para qual vereador.
Folha - O sr. concorda com a avaliação de Serra, segundo quem o PT
pratica uma espécie nova de patrimonialismo, ancorado na máquina
partidária? O sr. pensa que o PT, ou
parte de suas práticas, é refratário
às regras da vida republicana? Por
quê?
Fernando Henrique - De fato, o
PT está refazendo o patrimonialismo, dando-lhe um caráter de
clientelismo mais partidário (tipo
"spoil system" americano) do que
o familismo tradicional brasileiro.
Mas eu não diria que o PT é refratário às regras da vida republicana, mesmo porque, no Brasil, a
experiência republicana sempre
foi tisnada de patrimonialismo.
Folha - O seu nome é sempre lembrado, dentro e fora do PSDB, como
o único que seria consensual para a
disputa presidencial contra Lula
em 2006. Essa hipótese está totalmente descartada? Ou ainda é cedo
para definições deste tipo? O sr.
aceitaria, sob determinadas circunstâncias, concorrer a outro cargo público, que não a presidência?
Fernando Henrique - O PSDB
tem vários nomes para a sucessão
presidencial, não precisa do meu.
Não está nas minhas cogitações
candidatar-me a qualquer cargo
público.
Folha - O governo Lula o frustrou
muito até agora? Se sim, em quais
aspectos? O sr. identifica uma tentação autoritária em parte do governo Lula?
Fernando Henrique - Na área administrativa e, sobretudo, na área
social, eu esperava mais do governo Lula. Ímpetos autoritários do
PT não me surpreenderam, pois
são antigos.
Folha - Caso vença, Serra terá
conquistado um cargo público que
o sr. deixou de conquistar por pouco em 1985, quando perdeu para
Jânio Quadros. O sr. imagina o que
seria sua trajetória política se tivesse vencido aquela eleição? E
qual seria a boa trajetória para Serra daqui em diante?
Fernando Henrique - É difícil
imaginar como seria minha trajetória se tivesse sido prefeito. Eu
não estava suficientemente preparado para a vida política. Talvez
não tivesse sido presidente depois. Não é o caso do Serra, político maduro e administrador competente. Tem tudo para continuar
a ter sucesso.
Folha - O terceiro governo do
PSDB seria mais progressista que o
de Lula? A condução da economia
seria esta?
Fernando Henrique - Não tenho
dúvidas de que um eventual terceiro governo do PSDB faria algumas modificações na área econômica, pois sempre é necessário
ajustes às condições da economia
global. E que avançaria muito
mais, de modo progressista, nas
áreas sociais. Sem falar na continuidade da reforma do Estado e
do aperfeiçoamento gerencial, de
que o país ainda tanto precisa.
Folha - O que o sr. está lendo? Está escrevendo um livro? Poderia resumir o assunto central?
Fernando Henrique - Estou terminando um livro contratado pela Editora Record que, a partir de
minhas memórias, analisa aspectos da vida brasileira recente, desde a Constituinte e do Plano Real
até as crises financeiras e as lutas
no Congresso para a modernização do Brasil.
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