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São Paulo, sábado, 01 de março de 2003

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ASTRONÁUTICA

Treinamento cuja meta é ajudar militares norte-americanos a definir investimentos na área durou 8 dias

EUA fazem simulação de guerra espacial

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto centenas de milhares de soldados americanos se preparam no Golfo Pérsico para uma guerra iminente contra o Iraque, na Base da Força Aérea Schriever, Estado do Colorado (EUA), cerca de 250 especialistas civis e militares estão com a cabeça em outro conflito -que em tese só poderia acontecer daqui a 14 anos.
Trata-se de um jogo de guerra espacial, uma simulação do que poderia acontecer num conflito armado travado também acima da atmosfera. Supostamente ambientado em 2017, o experimento teve duração de oito dias.
O principal objetivo é ajudar o governo dos EUA a desenvolver sua política para a militarização definitiva do espaço -uma bandeira levantada nos anos 80 pelo presidente Ronald Reagan e ressuscitada duas décadas depois por George W. Bush.
O programa de jogos de guerra espaciais foi iniciado em janeiro de 2001, na mesma época em que Bush assumiu a Presidência dos EUA. A primeira simulação, "Schriever 2001", foi batizada em homenagem ao general aposentado Bernard Schriever, pioneiro na definição das forças espaciais e do programa de mísseis dos EUA.
A simulação recém-concluída é a segunda da série, e a premissa básica é a mesma nos dois casos: um conflito de escala mundial irrompe entre as forças aliadas, azuis, e as inimigas, vermelhas.
Diversos especialistas representam as várias agências governamentais americanas e definem as estratégias para responder ao "perigo vermelho" -que em 2017 está mais ameaçador do que nunca, explorando as vulnerabilidades nas defesas azuis detectadas durante o primeiro jogo de guerra.
"Temos muitas decisões fundamentais para fazer sobre o espaço e seus usos no futuro", disse o major John Wagner, diretor do último jogo de guerra, em um comunicado. Segundo Wagner, o jogo "vai permitir ver o que o espaço traz ao combate e dar uma bola de cristal à Força Aérea".
Os militares estão avaliando os resultados da simulação. As conclusões não serão divulgadas. Mas já circulam algumas idéias, velhas e novas, sobre o que pode estar reservado para o futuro da corrida pelas armas no espaço.
O carro-chefe é o famoso projeto "Guerra nas Estrelas". Instituído em 1984 por Reagan, o conceito é o de um escudo, uma rede de satélites em órbita com o objetivo de destruir qualquer míssil balístico direcionado ao território norte-americano. Na época, era apenas uma fantasia tecnológica -e pode continuar sendo ainda hoje.
O projeto foi retomado por George W. Bush e está em fase de estudos. Há muito segredo em torno dos resultados, mas fracassos seguidos nos testes colocam dúvidas sobre se o projeto não seria ambicioso demais, mesmo 20 anos depois da idéia original.
Outras opções menos extravagantes envolveriam conflitos de satélites em órbita. Autômatos espaciais travariam uma guerra própria, e quem alvejasse mais satélites inimigos teria uma vantagem estratégica crucial no conflito. E ainda há a importância já provada dos satélites-espiões.
Desde o início da era espacial, em 1957, a comunidade internacional se preocupa com a questão da militarização espacial. Na fase mais crítica, no auge da Guerra Fria, foi estabelecido um acordo internacional para promover os usos pacíficos da nova fronteira.
O Tratado do Espaço, de 1967, tem algumas brechas. "Ele proíbe armas orbitais de destruição em massa, nucleares, químicas ou biológicas, mas não fala nada de armas suborbitais, que não chegam a dar uma volta na Terra, nem de outros tipos de armamento na órbita terrestre", diz José Monserrat Filho, advogado especializado em direito espacial.

"Pax astralis"
"Até agora a humanidade conseguiu evitar a transformação do espaço num teatro de guerra", diz Monserrat. Mas as chances de manutenção dessa "pax astralis" estão caindo vertiginosamente.
A guerra contra o terror e as recentes tensões com Iraque e Coréia do Norte ajudaram Bush a propagar sua visão de "armas no espaço". Além disso, a China está emergindo como nova potência espacial e deve colocar um homem em órbita até o fim do ano. Embora seja vendido pelos chineses como um programa pacífico, seu gerenciamento é militar.
Monserrat diz esperar que o espaço vai permanecer como uma fronteira da ciência, não da guerra. "Mas é inegável que estamos caminhando rapidamente para o ponto de não-retorno."


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