São Paulo, sábado, 01 de maio de 2004

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BIOLOGIA

Perfil genético do peixe sofre mudança profunda com pesca no Atlântico Norte, que dizimou 99,9% da população

Sob ameaça, bacalhaus amadurecem cedo

ALESSANDRO GRECO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Em 1497, o navegador e explorador italiano Giovanni Caboto (também conhecido como John Cabot) ficou impressionado com a quantidade de bacalhau do Atlântico (Gadus morhua) pescada por seus marinheiros na costa de Labrador, no Canadá. Na década de 1990, cinco séculos depois, a devastação do estoque desse peixe é tamanha que mudou profundamente o perfil genético da população que restou na região.
A diminuição atingiu 99,9%, em relação à década de 1960, apesar de o Canadá ter declarado uma moratória na região em 1992, vigente até hoje e sem data para terminar. Segundo pesquisa publicada na última edição da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com), a pesca excessiva levou as fêmeas de bacalhau a diminuir de tamanho e a chegar à idade adulta mais cedo, uma conclusão até então posta em dúvida por cientistas e empresários de pesca.

Crescimento acelerado
"[Esben] Olsen e seus colegas apresentaram evidências contundentes de mudança genética em um dos mais conhecidos locais com pesca excessiva de um tipo de peixe", afirma Jeffrey Hutchings, da Universidade de Halifax, Nova Escócia (Canadá), em comentário sobre a pesquisa na mesma edição da "Nature".
A polêmica quanto à influência da pesca sobre os genes do bacalhau vem da chamada "plasticidade" desses peixes diante de mudanças no seu ambiente. A diminuição da quantidade de bacalhau resultante da pesca excessiva pode acarretar -além do aumento no preço de um peixe que já foi comida de pobre- um aumento de recursos (alimento) e, conseqüentemente, ao crescimento acelerado dos peixes remanescentes.
Peixes que crescem mais rápido atingem a idade adulta antes de peixes com crescimento mais lento. Segundo o estudo, no Atlântico Norte a chegada à idade adulta das fêmeas diminuiu, em média, de seis anos, no meio da década de 1980, para cinco anos, no meio da década de 1990.
"Isso poderia explicar, talvez de forma rápida e econômica, a observação de que uma população [de peixes] explorada tende a chegar à maturidade mais cedo, mas eu acho que isso não exclui a possibilidade de que haja também mudanças genéticas na maturação", diz Olsen.
Os dados encontrados apóiam a hipótese de Olsen e de seus colegas de que não se trata apenas de um efeito da maior disponibilidade de alimentos, mas também de uma seleção de peixes com a capacidade genética de crescer e amadurecer mais rápido. Para interpretar esses dados, porém, foi preciso usar um novo método probabilístico, capaz de separar o colapso do bacalhau no Atlântico Norte da mudança no crescimento e na maturação.
"Concluímos que nossa análise apóia fortemente a hipótese de que genótipos com tempo de maturação mais curto foram favorecidos em relação àqueles com maturação mais longa", afirma o pesquisador.

Início de reversão
Talvez o maior achado da pesquisa seja o fato de ela indicar que, em 1993, começou uma reversão desse processo. "Nossa análise sugere que a moratória [de 1992] causou uma mudança no regime de seleção do bacalhau, em que aqueles com genótipo para maturação mais longa passaram a ser favorecidos em relação àqueles de maturação mais curta", diz Olsen.
Como a moratória tem somente 12 anos, os autores afirmam, por precaução, que é preciso esperar novas pesquisas para ver se há mesmo essa reversão.


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