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GENÉTICA
Alteração em um único gene regulador evitaria surgimento do terceiro molar em alguns indivíduos, diz estudo
Mutação pode explicar a evolução do siso
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Sutis são os modos da genética.
Uma tese de mestrado brasileira
de 2004, que virou artigo científico no periódico da Academia Nacional de Ciências dos EUA, sugere que a presença ou a ausência de
um dente de siso pode depender
de uma variação mínima num gene que serve para muitas coisas.
A maioria das pessoas gosta de
explicações simples para coisas
complexas. Quanto mais se pesquisa o papel dos genes, porém,
fica evidente que ele se parece
mais com o caos da internet do
que com o apertar de um botão.
O gene pax9, por exemplo, é um
velho conhecido dos estudiosos
do desenvolvimento embrionário. Ele é transcrito e empregado
em momentos cruciais da formação do feto, como no surgimento
dos dentes, da coluna vertebral,
dos membros e céu da boca. Genes da família PAX fazem parte de
um clã especial, que especifica fatores de transcrição - proteínas
que disciplinam a ativação de vários outros genes, daí seu poder
de influência.
Os geneticistas Maria Cátira
Bortolini e Tiago Pereira decidiram fazer perguntas novas ao
pax9, durante o mestrado de Pereira na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). Por
sua função-chave, o gene é muito
conservado, ou seja, tem pouca
variação entre indivíduos e até
entre espécies. Mutações eventuais são eliminadas pela seleção
natural, pois em geral tornam os
embriões inviáveis.
Pereira seqüenciou (soletrou)
os vários pedaços (éxons) que
compõem o pax9 em três populações humanas (europeus, japoneses e índios), vários macacos brasileiros e um gorila. Verificou que
as poucas e diminutas variações
na seqüência, chamadas de polimorfismos, se concentram no
éxon 3 do gene. Uma espécie de
"janela evolutiva", escreveram os
12 autores de cinco países no artigo publicado no dia 11 de abril.
O trabalho também revelou a alta incidência, nos humanos, de
uma variante especial, batizada
Ala240Pro. Isso faz supor que o
fator de transcrição ligeiramente
modificado não só não tenha sido
um desastre como possa ter trazido vantagem para seus portadores, passando assim a mutação
para as gerações seguintes.
"A nossa hipótese é que tal polimorfismo tenha um efeito muito
específico apenas na dentição,
pois a dentição posterior (dentes
de trás) parece depender unicamente do pax9", explica Pereira.
Com a ligeira mudança causada
pela substituição Ala240Pro, o fator de transcrição teria ficado um
pouco menos ativo, diminuindo o
sinal para a formação dos terceiros molares (dentes de siso) nos
embriões afetados.
Os portadores da versão tradicional do gene, por seu lado, nasceriam com os quatro dentes de
siso. Como sabe qualquer um que
os tenha, são dentes propensos a
problemas, como cárie e abcesso.
Milênios atrás, quando ainda
não havia dentistas, livrar-se deles
antes de nascer pode ter representado uma bela vantagem.
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