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BIOLOGIA
Estudo de americanos e brasileira mostra que o órgão funciona para regular os ritmos do organismo até em cegos
Olho tem dupla função, conclui pesquisa
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Se a beleza está nos olhos de
quem vê, a regulação do relógio
biológico é mais democrática: está nos olhos até de quem é cego.
Um novo estudo acaba de mostrar que o órgão da visão tem outra função além de enxergar, e que
opera até quando o indivíduo não
vê um palmo à frente do nariz.
Nos últimos anos, tem se cristalizado a noção de que a captação
de luz pelo olho, além de permitir
a visão, de fato ajuda a regular o
chamado relógio circadiano, o ritmo em que o organismo trabalha,
em sintonia com o dia e a noite. A
novidade é que agora está provado que as duas funções podem
ocorrer independentemente.
O avanço veio de um grupo de
pesquisadores dos EUA e do Brasil. Para conduzir os estudos, eles
usaram o melhor amigo do homem, quando o assunto é pesquisa científica: o camundongo. Manipulando geneticamente os animais, produziram três versões diferentes. Alguns tiveram desativado um gene para a produção de
uma substância chamada melanopsina. Outros ganharam um
gene que causava cegueira. Um
terceiro grupo recebeu os dois defeitos genéticos ao mesmo tempo.
A melanopsina é uma substância que foi anteriormente associada a reações que influem no relógio biológico. Mas restava saber se
ela só funcionava direito quando
o sistema visual estivesse em operação ou se sua ação tinha vida independente. Agora ficou demonstrado que ela pode atuar sozinha. Os camundongos com melanopsina, mas cegos, mantiveram seu relógio biológico razoavelmente regulado e o olho continuou reagindo à luminosidade,
mesmo sem função visual.
Em compensação, os cegos sem
melanopsina não tiveram o mesmo desempenho. "É como se eles
estivessem o tempo todo no escuro", diz Ana Maria Castrucci, pesquisadora do Instituto de Biociências da USP que participou do
estudo, publicado on-line pela revista norte-americana "Science"
(www.sciencexpress.org).
Pilha fraca
Por décadas os pesquisadores se
debateram a respeito da existência de um relógio biológico interno nos mamíferos. De uns anos
para cá, a informação se tornou
mais concreta. E a verdade é que o
chamado relógio circadiano até
funciona sem dicas de luminosidade -mas com a pilha fraca.
"É como se ele estivesse sempre
atrasado. Aí é que entra a luz, para
ajudar a fazer essa regulação mais
exata", afirma Castrucci. No caso
dos camundongos com cegueira e
sem melanopsina, por exemplo, o
relógio interno marcava um dia
com 24 horas e alguns minutos.
Embora a regulação por fotossensibilidade ocorra mesmo nos
animais cegos, a pesquisadora diz
que o resultado é ainda melhor
nos que têm o sistema visual intacto. "As duas vias acabam se
complementando."
De toda maneira, o estudo ajuda
a eliminar a noção de que a visão é
a única função do olho. E só a cegueira não justifica mais a extração do órgão e a substituição por
uma prótese, segundo a pesquisadora. "Se o olho estiver vivo, se estiver irrigado com sangue, mas estiver sem a visão, a pessoa não deve retirá-lo", afirma.
O relógio circadiano tem se provado um elemento importante da
saúde humana. De acordo com
Castrucci, há até um grupo de
pesquisadores que agora estuda a
síndrome afetiva sazonal (uma
espécie de depressão que ocorre
no inverno, época em que o período diário de luminosidade é menor) e sua potencial relação com
mutações no gene responsável
pelas instruções de fabricação da
melanopsina. "Hoje em dia, os
pacientes dessa síndrome são tratados com luz. Alguns respondem
bem e se recuperam, outros não.
Os cientistas especulam que pode
ter algo a ver com mutação na
melanopsina", diz a brasileira.
Longa estrada à frente
Apesar dos avanços no entendimento dos mecanismos do relógio circadiano em particular e das
reações à luz no âmbito celular
em geral, ainda há muito espaço
para especulação e controvérsia.
Em 1998, por exemplo, pesquisadores americanos sugeriram que
luz lançada sob o joelho poderia
causar alterações no ritmo do organismo. As conclusões acabaram refutadas em 2002 por outro
grupo de cientistas, mas ainda há
espaço para estudos a respeito.
"Em outras espécies, sabemos
que essas reações não estão restritas ao olho", diz Castrucci. "Em
humanos, se há alguma coisa fora
do olho, ainda não sabemos."
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