São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2004

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PALEONTOLOGIA

Peça contrabandeada do Brasil para a França tem dente de espinossauro cravado em vértebra de pterossauro

Fóssil é flagrante de refeição de dinossauro

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Um fóssil contrabandeado do Ceará para a França deu a um grupo de paleontólogos europeus a oportunidade rara de flagrar um momento da vida privada dos dinossauros: a hora do almoço. Os ossos indicam que uma espécie de dino que habitou a chapada do Araripe há 100 milhões de anos incluía répteis alados na sua dieta.
O achado em questão consiste de três vértebras do pescoço, ainda unidas, de um pterossauro -parente voador dos dinos erroneamente chamado de pterodátilo ou de "dinossauro alado".
Enterrado em uma delas está um dente quebrado que a equipe liderada por Eric Buffetaut, do CNRS (Centro Nacional para a Pesquisa Científica), em Paris, identificou como pertencente a um espinossauro. E aí está a surpresa: achava-se que esse tipo de dinossauro fosse um inveterado comedor de peixes.
"Quando meu amigo François Escuillié me mostrou o fóssil e eu vi o dente dentro da vértebra, fiquei espantado", contou Buffetaut à Folha. "Essa é a combinação de dois animais muito raros."
Pterossauros não são exatamente desconhecidos na formação Santana, conjunto de rochas do Período Cretáceo (144 milhões a 65 milhões de anos atrás) que afloram no Araripe. Mais de uma dúzia de espécies já foram identificadas e fragmentos de esqueletos desses animais vira e mexe aparecem nas rochas calcárias da região, que naquela época era o fundo de uma laguna.
Já dinossauros são uma raridade em qualquer lugar -especialmente no Brasil. Somente três espécies foram identificadas no Araripe, sendo que duas delas, o Irritator challengeri e o Angaturama limai, são provavelmente o mesmo animal.
O predador suspeito de ter devorado o pterossauro descrito por Buffetaut e seus colegas Escuillié e David Martill na edição de hoje do periódico científico "Nature" (www.nature.com) é possivelmente um membro do gênero Irritator. Ele era um espinossaurídeo, um gigante de até 8 metros de comprimento, com focinho e dentes semelhantes aos dos crocodilos, o que sugeria uma dieta baseada em peixes. A suspeita foi reforçada nos anos 1990, pela descoberta de escamas semidigeridas dentro do abdome de um animal dessa família.

Caiu na rede é peixe
O achado do grupo europeu mostra que o Irritator não era assim tão enjoado com comida. Afinal, a mesma laguna na qual ele pescava também deve ter sido visitada por pterossauros, fanáticos por um peixinho. Um desses répteis alados -ou pelo menos uma boa parte dele- acabou na boca do gigante.
Buffetaut diz não ter como saber em que circunstâncias a morte do réptil voador aconteceu. "Eu não excluiria predação pelo dinossauro. Um pterossauro ferido seria muito fácil de apanhar", diz o francês. "Nós sugerimos no artigo que esse teria sido um caso de necrofagia, mas só por cautela."
Essa é apenas a segunda evidência já descoberta daquilo que os cientistas chamam de "comportamento fossilizado" no qual um pterossauro é refeição de um dinossauro. O caso anterior aconteceu no Canadá, envolvendo dois animais de pequeno porte.
O fóssil estudado pelo grupo europeu foi levado do Brasil para a França em circunstâncias não esclarecidas, e hoje pertence a uma coleção do Centro de Dinossauros de Wyoming, nos EUA.
As regulamentações do Brasil proíbem a exportação de fósseis, a menos que se trate de um trabalho científico em colaboração com pesquisadores brasileiros e que o original seja devolvido ao país. Não foi o caso. O próprio Irritator teve seu crânio contrabandeado do Ceará para a Alemanha e acabou sendo descrito por David Martill em 1996.
Buffetaut diz ignorar como as vértebras de pterossauro saíram do país. "Não fui eu quem achou o fóssil. Nem sei quanto tempo faz que ele está aqui", afirma. Mas "fósseis de Santana voam por toda parte. Eu já os vi até na Tailândia, onde faço pesquisa."


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