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PALEONTOLOGIA
Peça contrabandeada do Brasil para a França tem dente de espinossauro cravado em vértebra de pterossauro
Fóssil é flagrante de refeição de dinossauro
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Um fóssil contrabandeado do
Ceará para a França deu a um
grupo de paleontólogos europeus
a oportunidade rara de flagrar um
momento da vida privada dos dinossauros: a hora do almoço. Os
ossos indicam que uma espécie de
dino que habitou a chapada do
Araripe há 100 milhões de anos
incluía répteis alados na sua dieta.
O achado em questão consiste
de três vértebras do pescoço, ainda unidas, de um pterossauro
-parente voador dos dinos erroneamente chamado de pterodátilo ou de "dinossauro alado".
Enterrado em uma delas está
um dente quebrado que a equipe
liderada por Eric Buffetaut, do
CNRS (Centro Nacional para a
Pesquisa Científica), em Paris,
identificou como pertencente a
um espinossauro. E aí está a surpresa: achava-se que esse tipo de
dinossauro fosse um inveterado
comedor de peixes.
"Quando meu amigo François
Escuillié me mostrou o fóssil e eu
vi o dente dentro da vértebra, fiquei espantado", contou Buffetaut à Folha. "Essa é a combinação de dois animais muito raros."
Pterossauros não são exatamente desconhecidos na formação Santana, conjunto de rochas
do Período Cretáceo (144 milhões
a 65 milhões de anos atrás) que
afloram no Araripe. Mais de uma
dúzia de espécies já foram identificadas e fragmentos de esqueletos desses animais vira e mexe
aparecem nas rochas calcárias da
região, que naquela época era o
fundo de uma laguna.
Já dinossauros são uma raridade em qualquer lugar -especialmente no Brasil. Somente três espécies foram identificadas no
Araripe, sendo que duas delas, o
Irritator challengeri e o Angaturama limai, são provavelmente o
mesmo animal.
O predador suspeito de ter devorado o pterossauro descrito por
Buffetaut e seus colegas Escuillié e
David Martill na edição de hoje do
periódico científico "Nature"
(www.nature.com) é possivelmente um membro do gênero Irritator. Ele era um espinossaurídeo, um gigante de até 8 metros
de comprimento, com focinho e
dentes semelhantes aos dos crocodilos, o que sugeria uma dieta
baseada em peixes. A suspeita foi
reforçada nos anos 1990, pela descoberta de escamas semidigeridas
dentro do abdome de um animal
dessa família.
Caiu na rede é peixe
O achado do grupo europeu
mostra que o Irritator não era assim tão enjoado com comida. Afinal, a mesma laguna na qual ele
pescava também deve ter sido visitada por pterossauros, fanáticos
por um peixinho. Um desses répteis alados -ou pelo menos uma
boa parte dele- acabou na boca
do gigante.
Buffetaut diz não ter como saber em que circunstâncias a morte do réptil voador aconteceu. "Eu
não excluiria predação pelo dinossauro. Um pterossauro ferido
seria muito fácil de apanhar", diz
o francês. "Nós sugerimos no artigo que esse teria sido um caso de
necrofagia, mas só por cautela."
Essa é apenas a segunda evidência já descoberta daquilo que os
cientistas chamam de "comportamento fossilizado" no qual um
pterossauro é refeição de um dinossauro. O caso anterior aconteceu no Canadá, envolvendo dois
animais de pequeno porte.
O fóssil estudado pelo grupo europeu foi levado do Brasil para a
França em circunstâncias não esclarecidas, e hoje pertence a uma
coleção do Centro de Dinossauros de Wyoming, nos EUA.
As regulamentações do Brasil
proíbem a exportação de fósseis, a
menos que se trate de um trabalho científico em colaboração
com pesquisadores brasileiros e
que o original seja devolvido ao
país. Não foi o caso. O próprio Irritator teve seu crânio contrabandeado do Ceará para a Alemanha
e acabou sendo descrito por David Martill em 1996.
Buffetaut diz ignorar como as
vértebras de pterossauro saíram
do país. "Não fui eu quem achou
o fóssil. Nem sei quanto tempo
faz que ele está aqui", afirma. Mas
"fósseis de Santana voam por toda parte. Eu já os vi até na Tailândia, onde faço pesquisa."
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