São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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MEDICINA

Grupo mostra "reprogramação" de célula doente

Pesquisa nos EUA transforma tumor em camundongo

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Camundongos que desenvolvem câncer não são nenhuma novidade para a ciência. Mas um grupo de pesquisadores nos EUA fez exatamente o contrário: criou animais adultos a partir de células de um tumor maligno.
O estudo parece juntar num só experimento todos os pesadelos éticos da biotecnologia: os animais são transgênicos e foram produzidos com células-tronco que, por sua vez, derivaram de embriões clonados.
Bem menos assustador era o objetivo dos cientistas. Eles queriam entender quais são as fases do câncer que podem ser "reprogramadas" durante o desenvolvimento e quais fases são produzidas por alterações irreversíveis no material genético da célula doente. A distinção pode abrir caminho para novas terapias.
"Queríamos saber o quanto o relógio do câncer pode ser reiniciado", disse à Folha o médico alemão Rudolf Jaenisch, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), co-autor do estudo, que sai amanhã no periódico científico "Genes and Development" (www.genesdev.org).
Jaenisch é um dos pioneiros da clonagem de animais a partir de células adultas, procedimento que produziu a ovelha Dolly em 1996 e que os cientistas preferem chamar de "transferência nuclear" -por consistir justamente da fusão do núcleo de uma célula adulta com um óvulo sem núcleo.
Suas pesquisas também ajudaram a entender por que clones de mamíferos geralmente são anormais. Muitos problemas se devem às chamadas mudanças epigenéticas no DNA da cópia.
O nome é complicado; a idéia, nem tanto. Durante o desenvolvimento do organismo, alguns genes são "silenciados" por moléculas que se grudam a partes do DNA, tornando-o imprestável para a produção de proteínas.
As mudanças epigenéticas também são responsáveis por parte do comportamento delinqüente do câncer. Foi para entendê-las que o grupo de Jaenisch produziu os camundongos alterados.

Filhos do câncer
O grupo isolou células cancerosas de melanoma, um tumor maligno de pele, extraiu seus núcleos e os fundiu com óvulos de camundongo para produzir embriões. Estes se desenvolveram até chegar a algumas dezenas de células. Em seguida, foram destruídos para a extração de células-tronco.
Com as células-tronco em mãos, os cientistas começaram a parte realmente interessante do experimento. Eles queriam testar se as mudanças químicas ocorridas no óvulo conseguiram de alguma forma domar o mau comportamento inato do melanoma e recuperá-lo, produzindo um camundongo. Chegaram perto.
Algumas células-tronco foram induzidas a formar outro embrião. O "clone de câncer" se desenvolveu até certo ponto e morreu. "Há alterações genéticas grandes no câncer. Você não pode mudar todas", disse Jaenisch.
Outras células foram injetadas em embriões de camundongo normais, formando "quimeras", ou organismos híbridos. "É uma técnica comum para produzir transgênicos", conta o cientista.
Doze animais criados dessa forma chegaram à fase adulta. Mas não sem problemas: todos eles desenvolveram cânceres mais agressivos e espalhados do que os dos animais doadores das células doentes originais. Além disso, 33% deles tiveram sarcoma (tumor em tecido muscular). Um destino cruel para os camundongos, sem dúvida, mas talvez menos sombrio para humanos portadores de câncer.
"Boa parte do fenótipo [comportamento] do câncer pode ser reprogramada", afirmou Jaenisch. Drogas que ataquem fatores epigenéticos, portanto, poderiam ajudar a tratar a doença.


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