São Paulo, terça-feira, 01 de outubro de 2002

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BIOTECNOLOGIA

Maioria dos pedidos apresentados no Brasil provêm do exterior; cientistas já debatem restrições à pesquisa

Patentes genéticas nacionais são 8% do total

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

A biotecnologia brasileira está correndo para o exterior em busca de patentes. No entanto, dentro de casa, continua minoritária. Dados do Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) mostram que pedidos de patente nacionais na área de engenharia genética representam apenas cerca de 8% do total depositado no instituto.
Os números fazem parte de um levantamento que está sendo feito pelo órgão e ainda contêm imprecisões. Mas dão uma idéia da desproporção entre a pesquisa nacional e a estrangeira -nos Estados Unidos, só 45% dos pedidos de patente vêm do exterior, segundo o USPTO (Escritório de Patentes e Comércio dos Estados Unidos).
Eles podem, ainda, sinalizar um outro fenômeno: com a promulgação da lei brasileira de propriedade industrial, em 1996, e com o desenvolvimento das pesquisas em genômica no Brasil, a partir de 1998, empresas e institutos de pesquisa estrangeiros têm passado a depositar mais patentes no país.
"Nos últimos três, quatro anos, eles têm começado a depositar aqui também", disse Maria José Sampaio, do setor de propriedade intelectual da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Para o engenheiro químico Ricardo Siqueira, examinador de patentes do Inpi, ainda não é clara a ligação entre o fato de o Brasil ter despontado em biotecnologia e o número de pedidos. Mas a quantidade geral de solicitações de patente na área, especialmente a partir dos anos 80, vem num "crescente vertiginoso".
"Esses dados [do levantamento] dizem respeito a tudo o que seja genética", afirmou Siqueira. "Se você considerar apenas engenharia genética, os pedidos nacionais são 8%. Se contar fermentação [biotecnologia desenvolvida principalmente pela indústria do álcool], o número vai para 15%."

Entraves à pesquisa
A concessão de patentes em biotecnologia, especialmente de sequências genéticas, tem sido apontada como um entrave à pesquisa. Sampaio diz que, em alguns casos, é preciso negociar os direitos de propriedade de um único gene -uma sequência artificial usada, por exemplo, para inserir alguma característica agronômica numa planta transgênica- com os detentores das patentes dos seus vários "pedaços".
"Você tem de armar todo um arcabouço, negociando genes e promotores [sequências que regulam a ativação do gene em tecidos específicos] com empresas", diz. Mas ela afirma que é preciso ver o outro lado da moeda: "Se por um lado eu tenho de negociar, por outro isso me beneficia, porque a minha propriedade intelectual também vai ser reconhecida."
O Brasil também tem buscado depositar pedidos de patente em escritórios estrangeiros, especialmente nos EUA. Segundo Edgar Dutra Zanotto, da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), coordenador do escritório de patentes da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), dos cerca de 50 pedidos de patente da fundação, 5 ou 6 se relacionam a genes -e todos foram depositados nos EUA.
O caso mais célebre é o do genoma da Xylella fastidiosa, bactéria que causa o amarelinho, decifrado por uma rede de laboratórios organizada pela Fapesp.
O pedido de patenteamento da sequência de DNA da Xylella foi feito um pouco antes da publicação do genoma na revista britânica "Nature", em julho de 2000. A patente ainda não foi concedida.
A ação, no caso, teve um caráter preventivo: apesar de a lei brasileira não permitir o patenteamento de uma sequência genética pura e simples, nos EUA qualquer gene é patenteável, desde que se mostre para que ele serve.

Elevando o sarrafo
A questão dos direitos de propriedade intelectual sobre sequências genéticas tem provocado polêmica. Como se trata de um campo novo, as regulamentações nacionais frequentemente deixam brechas para o abuso.
Em fevereiro de 2000, por exemplo, uma empresa americana chamada Human Genome Sciences obteve do USPTO uma patente sobre o gene que codificava a proteína CCR5.
Essa proteína é um receptor, ou seja, uma fechadura química celular. Ela é a rota que o vírus da Aids usa para invadir as células do sistema imunológico.
Quando a Human Genome Sequences isolou o gene para a CCR5, no entanto, ninguém sabia exatamente qual era o papel da proteína no organismo. A patente foi pedida porque os cientistas da empresa imaginavam que ela pudesse ser um receptor celular.
Seis meses depois do pedido, um outro grupo de pesquisadores descobriu a função do receptor. Um cientista que havia isolado o mesmo gene antes da empresa americana -mas que resolvera esperar a confirmação de sua função biológica para pedir a patente- não teve o pedido concedido.
O caso do CCR5 foi discutido por um relatório publicado em julho pelo Nuffield Council on Bioethics, um painel formado pela Fundação Nuffield, uma organização não-governamental do Reino Unido. Intitulado "A Ética do Patenteamento de DNA", o relatório reconhece a importância do patenteamento como forma de fazer avançar a pesquisa em biotecnologia, mas pede restrições à apropriação de genes.
"Concluímos que, no futuro, a atribuição de direitos de patente sobre sequências de DNA deva se tornar mais exceção que norma", afirma o relatório, que está disponível na internet (www.nuffield bioethics.org).
Segundo o Nuffield Council on Bioethics, as patentes de DNA têm sido concedidas com tanta generosidade e cobrindo uma gama tão ampla de aplicações que ameaçam atrapalhar a pesquisa.
O relatório questiona, por exemplo, se o mero isolamento de um gene preenche o requisito de inventividade necessário para uma patente nos dias de hoje, quando a bioinformática simplificou a tarefa de isolar uma sequência perdida no meio do genoma.
John Doll, chefe do departamento de biotecnologia do USPTO, diz que os EUA nunca foram generosos demais na concessão de patentes de genes. "Isso é uma opinião, não um fato", disse.
Segundo ele, desde 2001 os EUA exigem que se demonstre a função do gene para o patenteamento. "Entrar pela porta com uma sequência não garante o direito."


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