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BIOTECNOLOGIA
Maioria dos pedidos apresentados no Brasil provêm do exterior; cientistas já debatem restrições à pesquisa
Patentes genéticas nacionais são 8% do total
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
A biotecnologia brasileira está
correndo para o exterior em busca de patentes. No entanto, dentro
de casa, continua minoritária. Dados do Inpi (Instituto Nacional de
Propriedade Industrial) mostram
que pedidos de patente nacionais
na área de engenharia genética representam apenas cerca de 8% do
total depositado no instituto.
Os números fazem parte de um
levantamento que está sendo feito
pelo órgão e ainda contêm imprecisões. Mas dão uma idéia da desproporção entre a pesquisa nacional e a estrangeira -nos Estados
Unidos, só 45% dos pedidos de
patente vêm do exterior, segundo
o USPTO (Escritório de Patentes e
Comércio dos Estados Unidos).
Eles podem, ainda, sinalizar um
outro fenômeno: com a promulgação da lei brasileira de propriedade industrial, em 1996, e com o
desenvolvimento das pesquisas
em genômica no Brasil, a partir de
1998, empresas e institutos de pesquisa estrangeiros têm passado a
depositar mais patentes no país.
"Nos últimos três, quatro anos,
eles têm começado a depositar
aqui também", disse Maria José
Sampaio, do setor de propriedade
intelectual da Embrapa (Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Para o engenheiro químico Ricardo Siqueira, examinador de
patentes do Inpi, ainda não é clara
a ligação entre o fato de o Brasil
ter despontado em biotecnologia
e o número de pedidos. Mas a
quantidade geral de solicitações
de patente na área, especialmente
a partir dos anos 80, vem num
"crescente vertiginoso".
"Esses dados [do levantamento] dizem respeito a tudo o que seja
genética", afirmou Siqueira. "Se
você considerar apenas engenharia genética, os pedidos nacionais
são 8%. Se contar fermentação
[biotecnologia desenvolvida principalmente pela indústria do álcool], o número vai para 15%."
Entraves à pesquisa
A concessão de patentes em biotecnologia, especialmente de sequências genéticas, tem sido
apontada como um entrave à pesquisa. Sampaio diz que, em alguns casos, é preciso negociar os
direitos de propriedade de um
único gene -uma sequência artificial usada, por exemplo, para inserir alguma característica agronômica numa planta transgênica- com os detentores das patentes dos seus vários "pedaços".
"Você tem de armar todo um
arcabouço, negociando genes e
promotores [sequências que regulam a ativação do gene em tecidos específicos] com empresas",
diz. Mas ela afirma que é preciso
ver o outro lado da moeda: "Se
por um lado eu tenho de negociar,
por outro isso me beneficia, porque a minha propriedade intelectual também vai ser reconhecida."
O Brasil também tem buscado
depositar pedidos de patente em
escritórios estrangeiros, especialmente nos EUA. Segundo Edgar
Dutra Zanotto, da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos),
coordenador do escritório de patentes da Fapesp (Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo), dos cerca de 50 pedidos de patente da fundação, 5 ou 6
se relacionam a genes -e todos
foram depositados nos EUA.
O caso mais célebre é o do genoma da Xylella fastidiosa, bactéria
que causa o amarelinho, decifrado por uma rede de laboratórios
organizada pela Fapesp.
O pedido de patenteamento da
sequência de DNA da Xylella foi
feito um pouco antes da publicação do genoma na revista britânica "Nature", em julho de 2000. A
patente ainda não foi concedida.
A ação, no caso, teve um caráter
preventivo: apesar de a lei brasileira não permitir o patenteamento de uma sequência genética pura e simples, nos EUA qualquer
gene é patenteável, desde que se
mostre para que ele serve.
Elevando o sarrafo
A questão dos direitos de propriedade intelectual sobre sequências genéticas tem provocado polêmica. Como se trata de um
campo novo, as regulamentações
nacionais frequentemente deixam brechas para o abuso.
Em fevereiro de 2000, por exemplo, uma empresa americana chamada Human Genome Sciences
obteve do USPTO uma patente
sobre o gene que codificava a proteína CCR5.
Essa proteína é um receptor, ou
seja, uma fechadura química celular. Ela é a rota que o vírus da Aids
usa para invadir as células do sistema imunológico.
Quando a Human Genome Sequences isolou o gene para a
CCR5, no entanto, ninguém sabia
exatamente qual era o papel da
proteína no organismo. A patente
foi pedida porque os cientistas da
empresa imaginavam que ela pudesse ser um receptor celular.
Seis meses depois do pedido,
um outro grupo de pesquisadores
descobriu a função do receptor.
Um cientista que havia isolado o
mesmo gene antes da empresa
americana -mas que resolvera
esperar a confirmação de sua função biológica para pedir a patente- não teve o pedido concedido.
O caso do CCR5 foi discutido
por um relatório publicado em julho pelo Nuffield Council on Bioethics, um painel formado pela
Fundação Nuffield, uma organização não-governamental do Reino Unido. Intitulado "A Ética do
Patenteamento de DNA", o relatório reconhece a importância do
patenteamento como forma de
fazer avançar a pesquisa em biotecnologia, mas pede restrições à
apropriação de genes.
"Concluímos que, no futuro, a
atribuição de direitos de patente
sobre sequências de DNA deva se
tornar mais exceção que norma",
afirma o relatório, que está disponível na internet (www.nuffield
bioethics.org).
Segundo o Nuffield Council on
Bioethics, as patentes de DNA
têm sido concedidas com tanta
generosidade e cobrindo uma gama tão ampla de aplicações que
ameaçam atrapalhar a pesquisa.
O relatório questiona, por
exemplo, se o mero isolamento de
um gene preenche o requisito de
inventividade necessário para
uma patente nos dias de hoje,
quando a bioinformática simplificou a tarefa de isolar uma sequência perdida no meio do genoma.
John Doll, chefe do departamento de biotecnologia do USPTO, diz que os EUA nunca foram
generosos demais na concessão
de patentes de genes. "Isso é uma
opinião, não um fato", disse.
Segundo ele, desde 2001 os EUA
exigem que se demonstre a função do gene para o patenteamento. "Entrar pela porta com uma sequência não garante o direito."
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