São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2004

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SAÚDE

Tecnologias que combatem efeitos da permanência prolongada no cosmo beneficiam hospitais antes de astronautas

Medicina espacial trata paciente na Terra

L. Barry Hetherington/NSBRI
A cientista Babs Soller e sistema que analisa sangue sem agulha


CRISTINA AMORIM
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Quando Jay Shapiro, da Universidade Militar em Maryland, EUA, resolveu testar um medicamento encontrado nos hospitais para prevenir metástase como ferramenta para evitar a perda óssea em longas viagens espaciais, ele não imaginava que sua pesquisa teria aplicação prática de forma tão breve. Seu trabalho pode ajudar pessoas na Terra antes de beneficiar os astronautas.
Isso porque, para testar a hipótese, Shapiro buscou condições patológicas similares às virtualmente enfrentadas pelos viajantes espaciais -e as encontrou em paraplégicos. Os dois grupos sofrem perda óssea e muscular nas mesmas áreas do corpo, a parte inferior do tronco e as pernas.
Ele obteve financiamento do Instituto Nacional de Pesquisa Biomédica Espacial (NSBRI, na sigla em inglês) para conduzir seu estudo, iniciado em 2002 no Hospital Nacional de Reabilitação em Washington. Os resultados foram apresentados no início de outubro em um congresso de ortopedia e submetidos para publicação no periódico científico "Journal of Bone and Mineral Research".
A droga estudada se chama zoledronato. "Ela faz parte de uma classe de medicamentos, os bisfosfonatos, que atua como um quelante na matriz óssea, estabelecendo o equilíbrio entre a ação dos osteoblastos [célula que produz o osso] e dos osteoclastos [que reabsorve a massa óssea]", afirma Jackson Morishita, gerente de produtos na Novartis Brasil.
Depois de um ano, a perda óssea dos pacientes que receberam o medicamento foi de 6%, enquanto o grupo de controle apresentou um índice de 16% a 18%. A taxa ainda é elevada quando leva-se em conta a diminuição enfrentada no espaço: 2% de perda por mês, mesmo com a prática de exercícios (uma mulher idosa com osteoporose apresenta uma redução similar em uma década).
Enquanto não aparece a oportunidade para testar a eficiência do tratamento em astronautas, especialmente em tempos de viagens reduzidas ao espaço, Shapiro planeja um teste com o triplo de pacientes paraplégicos, a fim de desvendar como funciona exatamente a droga.
Os efeitos do ambiente espacial no corpo humano compõem um complicado quebra-cabeça para quem planeja viagens de longa duração pelo cosmo, como deseja o presidente George W. Bush. Uma ida para Marte, por exemplo, levaria pelo menos seis meses, e de nada adiantaria a equipe chegar em outro planeta com a saúde debilitada.
Shapiro é apenas um entre diversos pesquisadores que procuram soluções para a questão. Dentre acertos e erros, algumas pesquisas geram tecnologia com aplicação imediatamente no solo.
No Centro Glenn de Pesquisa da Nasa (agência espacial americana), em Ohio, o médico Rafat Ansari criou um sistema a laser para detectar sinais de catarata anos antes de o problema se tornar visível. A catarata é um efeito recorrente da exposição à radiação cósmica, então um aparelho do tipo poderia ser usado por astronautas durante uma missão. Enquanto o dia não chega, o método passa por testes clínicos no Instituto Nacional dos Olhos dos Estados Unidos e beneficia quem não pretende entrar em uma nave.

Sem picadas
Não muito longe dali, em Massachusetts, fica o laboratório de Babs Soller. Ela criou um aparelho, o espectroscópio de infravermelho próximo, que permite a análise do sangue do paciente sem agulhas, além de tornar desnecessário o uso de um laboratório para testar a amostra -duas características ideais para a utilização no espaço.
"É como se um raio de luz iluminasse um copo de refresco: uma parte passa através dele e outra é retida", explica Soller. A onda do infravermelho que passa através da mão dedura a composição de cada espécie química do sangue e de tecidos. O aparelho, de 20 por 22 cm e 3,6 kg, é capaz de fazer o hematócrito e medir a acidez e a oxigenação do sangue, dados que podem mostrar se o paciente está anêmico ou até se tem uma hemorragia interna.
Soller deseja formar uma parceria com uma empresa para produzir comercialmente o aparelho em tamanho reduzido. O mercado, ela garante, é promissor: "Não importa se estamos na Terra ou no espaço: em nenhum lugar as agulhas são bem-vindas".


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