São Paulo, quinta-feira, 02 de janeiro de 2003

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BIOTECNOLOGIA

A Clonaid, criada pelo líder de uma seita que acredita em ETs, fez anúncios sem comprovação no passado

Firma de clonagem tem histórico de blefe

Yessika Vivancos - 28.dez.2002/Associated Press
Brigitte Boisselier e Raël dão entrevista sobre o suposto clone humano à rede de TV CNN, nos EUA


GINA KOLATA
KENNETH CHANG
DO "THE NEW YORK TIMES"

A Clonaid, empresa que diz ter fabricado o primeiro clone humano, tem um histórico de anúncios espetaculares que nunca foram comprovados. E o jornalista Michael Guillen, encarregado pela empresa de validar sua afirmação mais recente já serviu de intermediário entre um casal que buscava um serviço de clonagem e um médico disposto a oferecê-lo.
A Clonaid foi fundada em 1997 pelo líder de uma seita que acredita que ETs povoaram a Terra e que a missão da humanidade é clonar. Quando formou a empresa, esse líder, que se autodenomina Raël, tinha um objetivo: "Era um projeto para criar controvérsia", disse o vice-presidente da Clonaid, Thomas Kaenzig.
Embora a companhia anunciasse um serviço de clonagem, não estava pronta para oferecê-lo. Durante três anos, a Clonaid "era só uma caixa postal nas Bahamas", disse Kaenzig. "Não havia pesquisa nenhuma acontecendo".
Mas, no outono de 2001, a diretora de pesquisa da Clonaid, a química e "bispa" raeliana Brigitte Boisselier, começou a falar de um laboratório secreto da Clonaid nos Estados Unidos.
"Ela era muito reticente sobre ele", disse um funcionário da FDA, agência que controla fármacos e alimentos nos EUA, cuja autorização seria requerida para qualquer pesquisa de clonagem no país. "Ela disse: "Eu tenho um laboratório, mas não digo onde'". O escritório de investigação criminal da FDA descobriu logo: tratava-se de uma sala alugada, numa escola abandonada de Nitro, na Virgínia Ocidental.
O ambiente ali dificilmente se prestaria a pesquisa, afirmou o funcionário, que quis se manter anônimo. Insetos entravam por uma janela aberta, vindos de um celeiro na vizinhança. "Não havia lugar com condições de esterilidade", disse. O único pesquisador no local era um estudante de pós-graduação, que parecia terrivelmente despreparado.
O trabalho em curso nem envolvia células humanas. O estudante obtivera ovários de vaca de um abatedouro e estava tentando extrair óvulos deles.
Mas o equipamento do laboratório era de última geração, segundo o funcionário da FDA. Ele havia sido comprado por um homem cujo filho de dez meses morrera de doença cardíaca congênita. O pai, Mark Hunt, ex-parlamentar da Virgínia Ocidental, obtivera o equipamento de um laboratório de fertilização assistida que estava fechando -por uma cifra estimada em US$ 200 mil.
Depois da inspeção do laboratório da Clonaid, a FDA e Hunt acordaram que ele não tentaria clonar seu filho nos EUA sem permissão da agência. Hunt, que não quis dar entrevista, vendeu o equipamento mais tarde e fechou o laboratório. Também rompeu publicamente com os raelianos, dizendo que eles eram ávidos demais por publicidade. A Clonaid, então, saiu dos EUA.
Segundo Kaenzig, a firma começou aprendendo a criar embriões clonados de vaca e, em 2001, criou seu primeiro embrião humano clonado.
Muita gente soube de Hunt e seus esforços por Guillen, doutorado pela prestigiosa universidade Cornell em física teórica. Em setembro de 2001, ele entrevistou Hunt e sua mulher, Tracy, na TV ABC e mostrou um vídeo do filho do casal, morto em 1999.
Na época, ele disse que Boisselier estava sendo investigada por fraude e relatou que ela tinha retirado seu negócio de clonagem dos Estados Unidos. Sete meses antes, Guillen reportara que a Clonaid estava à beira do sucesso.
"Falei com a dra. Boisselier e ela me disse que em duas semanas eles esperam conceber o primeiro clone humano e implantá-lo numa mãe de aluguel, esperando uma gravidez para março", ele disse em 16 de fevereiro de 2001 em seu programa.

Intermediação
Logo, um outro interessado em clonagem se encontrou com os Hunt: o médico andrologista Panos Zavos. Ele disse que Guillen tinha dito que poderia mandar o casal até sua clínica, em Lexington, Kentucky, mas que o jornalista queria em troca uma reportagem exclusiva.
Zavos, que diz que seu trabalho de clonagem se realiza fora dos EUA, terminou se encontrando com os Hunt, mas Guillen não conseguiu sua exclusiva -já concedida ao documentarista Peter Williams. Procurado, Guillen não respondeu a telefonemas.


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