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ARQUEOLOGIA
Reunião de geólogos nos EUA debate qual teria sido a porta de entrada dos primeiros homens no continente
Rota costeira para a América ganha força
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Como e quando os primeiros
habitantes das Américas chegaram ao Novo Mundo é um dos
maiores mistérios da arqueologia.
Foi por uma rota costeira ou por
um corredor livre de geleiras, no
interior do continente? Uma série
de trabalhos apresentados na última reunião da Sociedade Geológica Americana lançou mais luz
sobre o tema, além de indicar
áreas para pesquisas futuras.
"Embora nós não tenhamos resolvido nesse encontro a questão
de quando e como as Américas
foram colonizadas primeiro, eu
fiquei espantado ao perceber que
a maior parte das pessoas parecia
defender uma migração costeira.
É a primeira vez que eu vejo isso",
disse à Folha um participante, o
antropólogo Jon M. Erlandson, da
Universidade do Oregon, em Eugene (Costa Oeste dos EUA).
"A maior parte dos participantes nesse simpósio acredita na rota costeira, mas há muitos por aí
que acreditam no corredor. Há
hipóteses interessantes sobre a rota costeira, a maioria achando que
os meios de transporte tenham sido barcos", afirma outra participante, a antropóloga Charlotte
Beck, do Hamilton College, de
Clinton, Estado de Nova York.
Uma ponte de terra ligando
Ásia e América do Norte (veja
mapa acima, à direita) surgiu durante um período de glaciação entre 70 mil e 50 mil anos atrás, "secando" o estreito de Bering. Com
mais água na forma de gelo, o nível do mar desceu, criando uma
rota terrestre, a Beríngia, para a
colonização das Américas.
Com o aquecimento posterior, a
área de terra foi diminuindo, mas
até cerca de 23 mil anos atrás a
ponte ainda podia ser usada por
levas migratórias. Em momentos
posteriores também houve "janelas de oportunidade", com a rota
transitável em períodos de duração variada.
A presença de geleiras, porém,
complicaria a passagem pelo interior do continente. Uma rota ao
longo da costa do Alasca (EUA),
do Canadá e de outros Estados
americanos poderia ter sido uma
opção mais atraente para os migrantes. A tecnologia para isso já
existia 50 mil anos atrás, quando
humanos chegaram à Austrália
cruzando o mar aberto -certamente com a ajuda de barcos.
"Pessoalmente, suspeito que
ambas as rotas, costeira e interior,
foram usadas, e que o povoamento das Américas foi um processo
complexo marcado por migrações múltiplas", diz Erlandson.
Rodovia das algas
Um dos argumentos em prol de
uma rota seguindo a costa ao longo do Pacífico Norte é a existência
de florestas de algas desde o Japão
até a Baixa Califórnia, no México,
e em muitos pontos da costa andina sul-americana.
"Essas florestas de algas são ambientes marinhos altamente produtivos, que podem ter proporcionado conjuntos semelhantes
de recursos, assim como águas
protegidas para os barcos e para
os povos marítimos que podem
ter migrado para as Américas no
final do Pleistoceno."
"Essa teoria da "rodovia das algas" é ainda bem hipotética, embora algumas das evidências mais
antigas de uso de recursos costeiros venham da Califórnia e do Peru", diz o antropólogo.
A busca de pistas sobre as rotas
mobiliza antropólogos, geólogos
e arqueólogos.
"Não há muito consenso sobre
quando os seres humanos viajaram pela costa. Nosso trabalho
sugere que pode ter havido uma
janela de oportunidade entre 18
mil e 16 mil anos atrás, quando
uma rota livre de gelo existiu na
costa noroeste da América do
Norte", diz o geólogo Majid Al-Suwaidi, que pesquisa no momento na Universidade Simon
Fraser, no Canadá.
"O ambiente era favorável nessa
época. A descoberta de um osso
de cabra montanhesa sugere que
grandes animais estavam presentes, além das espécies de peixe e
ave, e poderiam suprir comida
aos migrantes. Depois desse período, condições glaciais completas teriam tornado difícil que as
pessoas sobrevivessem", afirma
Al-Suwaidi.
As datas de passagem pelo extremo norte do continente são
importantes para tentar entender
como seres humanos foram parar
no extremo sul.
Até a década de 1990, a maioria
dos arqueólogos defendia que o
sítio mais antigo do continente
era o de Clovis, nos EUA, datado
de 11,5 mil anos atrás. A cultura típica do sítio, observável em vários
outros pontos, ainda é chamada
de Clovis. Mas hoje não se duvida
mais que havia seres humanos
habitando o sul do Chile há 12,5
mil anos, no sítio arqueológico de
Monte Verde. Para estarem ali,
seus ancestrais teriam de ter passado a ponte da Beríngia muito
antes da era Clovis.
"Há um artigo interessante na
[revista especializada] "Quaternary Science Reviews" que faz
uma simulação da migração costeira, e eles concluem que as pessoas não poderiam ter chegado a
Monte Verde no tempo previsto.
O problema é a falta de evidências, que estão muito provavelmente debaixo d'água", diz a antropóloga Charlotte Beck. "Por
outro lado, isso é apenas uma simulação", declara ela.
Pelo norte e pelo sul
A rota noroeste-sul é a mais discutida, mas há também quem defenda a migração vinda da Europa -com base na semelhança de
algumas ferramentas de pedra-,
ou pelo Pacífico Sul. Essa última
hipótese facilitaria explicar a presença antiga em Monte Verde.
"Eu acredito que o povoamento
das Américas pode ter sido feito a
partir de duas direções, sul e norte. Outros compartilham essa
idéia", diz o arqueólogo Rolfe
Mandel, do Kansas Geological
Survey, da Universidade do Kansas em Lawrence.
Mandel edita uma revista científica, "Geoarchaeology: An International Journal", que recebeu recentemente um artigo sobre a
possibilidade de seres humanos
terem pulado de ilha em ilha pelo
Pacífico Sul até atingir a costa oeste da América do Sul, também no
momento em que os oceanos tinham seu nível mais baixo durante a Era do Gelo.
"Resumindo, o debate sobre o
tempo da chegada e as rotas dos
primeiros americanos provavelmente vai continuar por muitos
anos", conclui Mandel.
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