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ARTIGO
A perspectiva de longo prazo
BAN KI-MOON
O
PRÓXIMO ano [2009]
será uma narrativa de
tensão: uma série de
escolhas difíceis entre os imperativos do presente e os do
amanhã. Como resolveremos
essa tensão dará a medida de
nossa visão e nossa liderança.
Como comunidade de nações, enfrentamos três provas
imediatas. A primeira já começou. Não é a crise financeira
global, por mais importante ela
seja. Eu me refiro às mudanças
climáticas, a única ameaça verdadeiramente existencial.
Temos apenas 12 curtos meses até a cúpula crucial em Copenhague, onde os líderes
mundiais vão se reunir em dezembro para chegar a um acordo para reduzir o processo de
aquecimento global. Precisamos de um acordo que amplie,
aprofunde e fortaleça o Protocolo de Kyoto. Precisamos de
um novo tratado para o século
21 que seja equilibrado, inclusivo e abrangente -e um que
possa conquistar a adesão de
todos os países.
Demos um passo importante
em Poznan, Polônia, onde ministros e especialistas da área
climática se reuniram para traçar um plano de trabalho para o
futuro. As negociações foram
difíceis. Elas prometem se tornar ainda mais difíceis. Alguns
dos participantes argumentaram que não podemos nos dar
ao luxo de tratar de mudanças
climáticas em meio a nossas dificuldades atuais. Eu afirmo
que não podemos nos dar ao luxo de deixar de fazê-lo.
Nossa segunda prova é econômica. Está claro que precisamos de um estímulo global. As
grandes economias responderam à crise atual com ambiciosos planos de resgate fiscal e
monetário. A cúpula emergencial do G-20, em novembro,
mostrou que os governos estão
cooperando para coordenar
suas políticas. Esses esforços
foram ampliados numa reunião mais recente em Doha.
Tudo isso é bem-vindo. Mas
precisamos fazer mais. Sobretudo, precisamos pensar em
termos novos e ousados. Se quisermos sair da crise financeira
gastando, devemos fazê-lo de
maneira inteligente. E isso significa que esses gastos precisam ser investimentos. Eles
precisam ser sustentáveis, para
que não nos limitemos a destinar dinheiro para resolver problemas mas, em lugar disso,
utilizemos esses recursos para
deitar as bases de um futuro
mais estável e próspero.
Liderança chinesa
A China deu provas de liderança. Um terço de seu recentemente anunciado programa de
estímulo econômico de US$
586 bilhões será canalizado para o crescimento verde e a infra-estrutura. Os chineses
aproveitaram uma oportunidade para fazer frente a vários desafios simultaneamente: gerar
empregos, conservar a energia
e combater as mudanças climáticas. Os EUA, sob Barack Obama, pretendem fazer o mesmo.
Esses formuladores de políticas públicas sabem que o investimento em combustíveis alternativos e tecnologias que não
agridam o ambiente trarão recompensas futuras maciças em
termos de um ambiente mais
seguro, independência energética e crescimento sustentável.
Mas eles também sabem que
o investimento verde pode gerar empregos e incentivar o
crescimento aqui e agora. Outros países deveriam seguir esse exemplo. Não conseguiremos introduzir uma era de
prosperidade sustentável sem
um impulso global grande, que
inclua todos os países. Se alguma vez houve um momento para uma visão ousada e ambiciosa -a oportunidade de traçar
um caminho novo e melhor-,
esse momento é agora.
Nossa terceira prova é uma
questão de princípios pragmáticos. As mudanças climáticas e
as finanças globais não são nossas únicas crises. Elas vêm
agravar outras ameaças: insegurança alimentar, volatilidade
nos mercados de energia e
commodities, e a terrível persistência da pobreza. Nenhum
país foi poupado. Mas são os
mais pobres que sentem esses
golpes com mais força.
Se não for corretamente tratada, a crise financeira de hoje
se tornará a crise humana do
amanhã. A turbulência social e
a instabilidade política vão
crescer, exacerbando todos os
outros problemas. O perigo é
que ocorra uma série de crises
em cascata, cada uma delas surgindo a partir da anterior, com
consequências potencialmente
devastadoras para todos.
Assim, durante 2009 é preciso que atuemos num espírito
de solidariedade global. As medidas que tomarmos para fazer
frente à crise financeira precisam atender aos interesses de
todos os países, tanto dos mais
pobres quanto dos mais ricos e
poderosos. Os programas de assistência a países em desenvolvimento devem ser vistos como
parte de qualquer plano de estímulo global e recuperação econômica de longo prazo.
Metas do Milênio
No mínimo, isso significa não
usar a crise financeira como
desculpa para reduzir a ajuda
internacional e a assistência ao
desenvolvimento. Precisamos
honrar os compromissos que
assumimos sob as Metas de Desenvolvimento do Milênio,
vendo-os como responsabilidade pragmática, além de moral.
Neste mundo interconectado, o desafio é enxergar o nexo
entre esses três conjuntos de
problemas. Com visão, encontraremos soluções para cada
um que sejam soluções para todos. Mas será preciso liderança
para traduzir essa visão em
ação, assim como será preciso
liderança para contrabalançar
nossos interesses maiores de
longo prazo com as urgências
acirradas do agora.
BAN KI-MOON é secretário-geral das Nações
Unidas. Este artigo foi distribuído no fim de 2008
pelo PROJECT SYNDICATE
Tradução de CLARA ALLAIN
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