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ASTRONÁUTICA
Administrador da Nasa critica principal peça de seu programa tripulado e defende plano espacial de Bush
Ônibus espacial é limitado, diz O'Keefe
Alberto César Araújo/Folha Imagem
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Chefe da Nasa em torre do experimento LBA acima da floresta |
SALVADOR NOGUEIRA
ENVIADO ESPECIAL A MANAUS
É o mais perto que um administrador da Nasa chegou de repudiar a peça central de seu programa tripulado. Sean O'Keefe não
chega a qualificar o projeto do
ônibus espacial, responsável pela
morte de 14 astronautas até agora,
como um fracasso mantido por
mais de duas décadas pela agência
americana. Mas quase chega lá.
"Eu acho que ele tem seus limites", afirma. "Não é manobrável,
não é o jeito mais econômico de
fazer coisas, não é a coisa mais eficiente para acesso à órbita terrestre baixa, e assim por diante."
Ironicamente, os americanos
agora pretendem aposentar seus
ônibus espaciais reutilizáveis até
2010 e fazer as coisas no espaço
exatamente como os russos têm
feito desde sempre -usando veículos separados para transporte
de pessoal e de suprimentos.
O'Keefe, nomeado administrador da agência espacial americana
em 2001, esteve em Manaus, anteontem, e em São José dos Campos, ontem. No Brasil, aproveitou
a ocasião para conhecer o trabalho de parceria que a Nasa faz
com pesquisadores daqui em estudos amazônicos, no chamado
LBA, sigla em inglês para Experimento de Larga Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia.
O'Keefe também usou a visita
para discutir os projetos conjuntos da Nasa com a Agência Espacial Brasileira, durante visita ao
Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Em entrevista concedida à Folha na capital do Amazonas, o administrador defendeu sua decisão
de abandonar o Telescópio Espacial Hubble (que exigiria uma visita do ônibus espacial para permanecer funcionando além de
2008) e negou que a atitude indique uma incapacidade da agência
para aceitar os riscos inerentes à
exploração espacial.
Explicou também por que acredita que o plano do presidente
americano George W. Bush para
retomar viagens à Lua e depois ir
a Marte é exeqüível. Leia a seguir
alguns trechos da conversa.
Folha - Como a Nasa está trabalhando para que a nova iniciativa
espacial de ir à Lua e a Marte não vá
por água abaixo, como aconteceu
antes quando a mesma proposta
foi feita por George Bush, o pai, em
1989?
Sean O'Keefe - Há provavelmente três coisas que contribuíram
para isso. Primeiro de tudo, a liderança nacional do presidente. Sua
noção de que o objetivo é a exploração, é sobre descoberta, é sobre
o processo de desenvolver a tecnologia para explorar e atingir esses objetivos, em vez de identificar um destino e dizer "é para lá
que vamos, por essa razão". Isso
não é como os anos 1960, "vamos
à Lua e vamos estar lá em uma data específica", é um tipo de foco de
longo prazo sobre a estratégia e as
razões para esse exercício.
O segundo grande fator que é
diferente de 15 anos atrás é que a
tecnologia mudou -dramaticamente. Se você pensa nos limites
da tecnologia com que vivíamos
15 anos atrás e que pensávamos
que fosse extremamente boa na
época -nós não iríamos tolerar a
velocidade de um computador,
de um "laptop", se eu te trouxesse
um de 1989 hoje e dissesse, "aí está, agora comece a coletar dados,
fazer coisas, organizar pensamentos e tudo mais", você iria rejeitá-lo em questão de minutos. Então
toda a revolução da tecnologia da
informação tornou essa proposição mais exeqüível.
A terceira coisa é que estamos
muito mais informados hoje do
que estávamos há 15 anos, ou
mesmo nos anos 1960, em termos
do que pode ser obtido a partir da
exploração da Lua, de Marte e
além. Temos dois instrumentos
robóticos em Marte neste exato
instante fazendo algo que era só
sonhado pelos cientistas alguns
anos atrás, examinando evidências geológicas para determinar se
houve presença de água em algum momento.
Folha - Mas as tecnologias que estão no foco central da exploração
espacial, que são as que envolvem
a colocação de coisas no espaço,
não mudaram muito nesse período. Continuamos usando as mesmas técnicas e os mesmos foguetes
desde os anos 1960 -parece ser
uma barreira. Uma que a Nasa parecia querer romper, desenvolvendo um substituto para o ônibus espacial, ao menos até o presidente
anunciar seu novo plano.
O'Keefe - Com todo o respeito,
eu acho que você fez um pequeno
sumário de uma importante mudança de mercado que aconteceu
nos últimos 15 anos. Havia então
uma hipótese de trabalho de que o
mercado iria exigir a habilidade
de colocar pequenos e leves satélites de baixo custo em órbitas terrestres baixas. Então, as tecnologias de lançamento estavam sendo direcionadas para o propósito
de lançar com grande freqüência.
Isso não aconteceu. O mercado
não emergiu.
O ônibus espacial foi projetado
para ser um recurso que só vai até
a órbita terrestre baixa -e é só.
Ele nunca foi visto como algo que
fosse fazer algo mais do que isso.
Então o conceito inteiro de sua
operação era o de garantir acesso
freqüente à órbita terrestre baixa.
Não é sobre isso que o presidente
Bush está falando. Ele está falando
sobre explorar ALÉM da órbita
terrestre baixa -de volta à Lua, a
Marte e ao Sistema Solar.
Folha - E sobre os riscos da exploração espacial, a Nasa está pronta
para lidar com eles? O astrônomo
real britânico, Martin Rees, é da
opinião de que os programas espaciais governamentais desenvolveram tamanha aversão ao risco que
não podem suportar o peso das falhas e catástrofes que seriam inerentes a planos mais audaciosos. A
crise enfrentada pela Nasa após a
perda do Columbia parece apoiar
essa idéia -ela nem sequer pôde
aceitar os riscos de enviar uma missão do ônibus espacial para manter
o Telescópio Espacial Hubble... como poderia então assumir o risco
de ir à Lua, por exemplo?
O'Keefe - Bem, nós não vamos à
Lua com o ônibus espacial. O objetivo que o presidente anunciou
é o de usar o ônibus espacial para
construir a Estação Espacial Internacional e aposentá-lo. Nós...
Folha - Sim, desculpe-me por interromper, mas eu não estou falando do ônibus espacial especificamente...
O'Keefe - Claro que está. Foi exatamente o que me perguntou.
Folha - Não. Eu sei que não se pode ir à Lua no ônibus espacial. O
que estou dizendo é que a observação do comportamento da Nasa no
programa do ônibus espacial mostra que a agência precisa sempre
enfatizar que está evitando todos
os riscos para sair de crises após
perdas catastróficas. E duvido que
ir à Lua seja menos arriscado do
que voar no ônibus espacial até
uma órbita terrestre baixa...
O'Keefe - Eu acho que você está
errado. Basta você olhar para a
história e pensar objetivamente.
Um ano atrás, [estávamos vivendo] o acidente do Columbia, que
foi uma tragédia de proporções
enormes, e um ano depois o presidente está anunciando um movimento na direção de uma política espacial muito clara. Isso foi o
que o Painel de Investigação de
Acidente do Columbia disse que
estava faltando.
Então, estou tendo dificuldades
em reconciliar sua conclusão com
os fatos, e os fatos sugerem que, se
algo aconteceu, esse acidente foi
um evento catalítico, algo que forçou uma mudança e nos concentrou em uma política diferente,
mais focada, mais específica. Então, isso mostra menos aversão a
risco e demonstra que estamos
mais agudamente cientes do risco
dessa máquina específica, e essa
máquina específica é uma incrível
maravilha da engenharia.
Mas não demonstrou ser tão segura quanto achamos que devia
ser, e descobrimos a cada dia novas coisas sobre os limites de tentar colocar numa máquina só a
capacidade de colocar carga, pessoas e realizar operações contínuas, fazendo tudo isso de um jeito que é, francamente, incrivelmente complicado. E não a projetamos de um jeito que iria otimizar alguma dessas funções. Ela faz
todas elas razoavelmente bem.
Sobre sua proposição central,
entretanto, eu não discordo, há
uma linha muito fina entre grande sucesso e grande tragédia. E é
com o que convivemos em cada
missão, o tempo todo.
Folha - E...
O'Keefe - E eu não posso deixar
de lado o seu comentário sobre o
Hubble.
Com essa máquina, com o ônibus espacial, não poderíamos ao
mesmo tempo reformar o Hubble
e cumprir todas as recomendações do Painel de Investigação do
Acidente do Columbia.
Qual deve ser a escolha? Minha
determinação foi "vamos cumprir essas recomendações". É isso.
É tão básico assim. Não é uma
questão de termos aversão a riscos ou não, é uma questão de, se
estamos falando sério sobre melhorar a segurança dessa máquina
até o final da década, como o presidente nos direcionou a fazer, então você precisa fazer escolhas.
E essas escolhas sugerem que, se
pretendemos cumprir com todas
as recomendações, não podemos
fazer a missão de reforma com
aquela máquina, o que reforça
ainda mais o porquê de termos de
aposentá-la.
Folha - Com tudo isso, o sr. classificaria o experimento do desenvolvimento do ônibus espacial como
um fracasso?
O'Keefe - Dificilmente eu poderia caracterizá-lo como um fracasso. Ele mostrou os limites da
tecnologia para fazer as coisas que
tentávamos fazer naquele tempo.
Mas eu dificilmente chamaria de
fracasso. Foi uma experiência em
que aprendemos muito, certamente foi um grande contribuinte, se não o maior, para construir
a Estação Espacial Internacional
-não seria possível sem ele.
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