São Paulo, sexta-feira, 02 de abril de 2004

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AMAZÔNIA

Cifor atribui à pecuária tendência de aumento na destruição da floresta, que será confirmada na próxima semana

Gado estimula desmatamento, diz estudo

MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA

A "conexão hambúrguer" contra a floresta amazônica está de volta -desta vez para valer. Um estudo internacional divulgado hoje destaca a pecuária de corte como motor do desmatamento recente na Amazônia brasileira. Se a hipótese for correta, as taxas de corte vão continuar subindo.
De fato, os números de desmatamento para 2003 -que deverão ser anunciados na semana que vem pelo governo federal- confirmam essa tendência. Segundo a Folha apurou, a marca anterior de 25.400 km2 será repetida ou superada. Isso equivale a cinco vezes a área do Distrito Federal.
Quem pretende pegar carona na divulgação é o Centro para Pesquisa Florestal Internacional, mais conhecido como Cifor (www.cifor.cgiar.org).
O centro ressuscita no relatório "A Conexão Hambúrguer Alimenta a Destruição da Amazônia" uma idéia lançada em 1981 pelo britânico Norman Myers de que havia uma ligação entre a derrubada de florestas tropicais e a carne bovina consumida em países ricos. Ele tinha em mente a América Central, mas foi a Amazônia brasileira que levou a fama, embora naquela época o Brasil exportasse muito pouca carne.
O relatório coordenado pelo economista David Kaimowitz, presidente do Cifor, lança o alerta de que agora essa relação começa a fazer sentido no Brasil.
De 1995 a 2003, as exportações brasileiras de carne subiram de US$ 500 milhões para US$ 1,5 bilhão. O consumo interno quadruplicou entre 1972 e 1997. E 80% do acréscimo na produção se deu na Amazônia, induzindo a conversão de floresta em pastagens.
Essa expansão teria sido favorecida por três fatores: a desvalorização do real nos últimos cinco anos, o combate à febre aftosa e a modernização da Amazônia.
Para Kaimowitz, 45, a pecuária amazônica deixou de ser coisa de aventureiros que se apoderavam de 100 hectares (1 km2), ou de gigantescas fazendas induzidas por incentivos fiscais: "Está no caminho do modelo do agronegócio". Os pecuaristas estão capitalizados e já não dependem de subsídios governamentais. "O Cifor vem monitorando essas transformações nos últimos cinco anos."
O biólogo Paulo Moutinho, do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), uma organização não-governamental que produziu vários estudos sobre a dinâmica socioeconômica por trás do desmatamento, elogia o estudo do Cifor: "Acho que o foco sobre a pecuária tem toda razão de ser. A liberação de área em relação à aftosa é um dos motivos da expansão do desmatamento e é o que a gente mostra em um livro que sairá em alguns dias".
Moutinho diz, porém, que o problema da pecuária não pode ser desconectado da expansão da soja na região. "Muitas vezes é a soja que capitaliza o pecuarista, empurrando-o para áreas de floresta ainda em pé."
O relatório do Cifor pede que a comunidade internacional dê mais recursos ao Estado brasileiro para que ele possa investir em medidas para contrabalançar essa tendência. Não toca na política restritiva acordada com o FMI pelo governo Lula, mas Kaimowitz reconhece, em entrevista, que as restrições a investimentos fazem parte do problema: "Eu apóio uma política fiscal mais flexível".


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