São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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Cientista holandês diz que meteorito gigante pode não ser culpado pelo fim dos dinossauros

A pedra do fim do mundo?

Divulgação
Concepção artística mostra o asteróide que causou a cratera de Chicxulub caindo na Terra


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

O acusado de um dos maiores massacres da história da vida na Terra pode ser inocente. O corpo celeste que teria causado a extinção em massa dos dinossauros, há 65 milhões de anos, pode ter atingido o planeta bem antes da hora que o tornaria responsável pela chacina.
Essa interpretação polêmica é baseada em nova análise da "cena do crime" e vai ser divulgada amanhã pelo pesquisador Markus Harting, da Universidade de Utrecht (Holanda), em um encontro científico em Mendoza, na Argentina, organizado pelas sociedades de geologia dos EUA, da Argentina e do Chile.
O criminoso poderia ter sido um asteróide ou cometa; sabe-se apenas que o resultado do impacto foi a gigantesca cratera de Chicxulub, na península de Yucatán, sul do México, com cerca de 200 km de diâmetro.
O "modus operandi" do criminoso foi exposto em 1980 em um artigo científico clássico pelo pesquisador Luiz Alvarez (1911-1988), Prêmio Nobel de Física, seu filho Walter e colegas. Eles sugeriram que o impacto teria lançado tanta fumaça e poeira no ar que a radiação solar teria sido bloqueada, criando um inverno artificial que mataria plantas e os animais que as comem.
A provável cena do crime foi identificada uma década depois, a cratera cujo centro está sobre a povoação mexicana de Chicxulub.
A prova do crime seria uma fina camada do elemento químico irídio presente em rochas em todo o mundo no chamado limite K-T, isto é, em torno do fim do Período Cretáceo da Era geológica Mesozóica e o começo do Período Terciário da Era Cenozóica, 65 milhões de anos atrás. O irídio é raro na Terra, mas abundante em meteoros.
Além do irídio, o impacto também causa o derretimento de rocha, formando por exemplo vidro, e sua ejeção para fora da cratera. Harting fez uma detalhada análise geoquímica e em microscópio eletrônico de microesferas de vidro encontradas em sedimentos em várias camadas no México, Texas (sul dos EUA), Guatemala, Belize e Haiti, e provenientes da cratera de Chicxulub.
As bolinhas de vidro foram depois levadas pela erosão para outras camadas de sedimentos, algumas próximas do limite K-T, o que tenderia a fazer os cientistas associarem-nas ao crime. Mas os estudos do pesquisador indicam que as microesferas do momento do impacto estão menos desgastadas que as que depois foram redepositadas em sedimentos mais recentes. E a associação com a famosa camada de irídio, ainda mais recente, foi a prova final. O resultado indicou que o impacto teria acontecido 300.000 anos antes do limite K-T, o que inocentaria o meteoro ou asteróide da mortandade dos dinos.
Ou seja, o impacto e a deposição da camada de irídio seriam dois eventos diferentes.

Algozes alternativos
Uma teoria alternativa para explicar as grandes mudanças climáticas de então aposta em erupções vulcânicas intensas. Ou então o irídio em excesso teria vindo de uma grande nuvem de poeira cósmica que trombou com a Terra.
"O vulcanismo é uma fonte possível de irídio. Mas é possível usar métodos geoquímicos para diferenciar entre o irídio terrestre -vulcânico- e o cósmico", disse Harting em entrevista à Folha. "A camada de irídio é, pelo que eu sei, veio de um sinal cósmico, mas pode também ser mista, ter uma fonte vulcânica também". Ele lembra que houve de fato o vulcanismo no final do Cretáceo, e que pode ter tido uma influência na extinção ao lançar muita poeira e gás carbônico na atmosfera, alimentando o efeito estufa (elevação da temperatura causada por aumento da concentração de gases que aprisionam a radiação solar).
Mas Harting acha estranho que o índice mais elevado de irídio não esteja próximo da cratera de Chicxulub, ainda mais que os métodos usados para medir o elemento foram criados a princípio justamente para detectar o ritmo de sedimentação.
"É mais realista dizer que eventos de longo prazo têm mais influência no ambiente, no clima e na mudança do limite K-T", afirma o pesquisador holandês. "Entretanto, isso não é tão espetacular para que um cientista baseie sua carreira nisso". Já a idéia de um grande impacto, a idéia de um "revólver fumegante", parece ter mais charme, diz ele, do que a metódica avaliação das provas.
Harting não duvida de que o impacto ocorreu, apenas diz que ele não teve conseqüências tão marcantes. Foi mais um dos elementos a afetar o clima do planeta, como o vulcanismo e a deriva dos continentes. As mudanças foram rápidas e os dinos não se adaptaram.
Olhando imagens de satélite da cratera, há quem diga que ela teria 120 km em vez de 200 km de diâmetro. E há outros pesquisadores indo na mesma linha de Harting, como Gerta Keller, da Universidade de Princeton (EUA). O debate promete ser intenso amanhã em Mendoza. "Há colegas que vão insistir no revólver fumegante como a única história", diz Harting. "Mas estamos falando de evidências, e não de uma idéia ou especulações."


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