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Biodiversidade segue as flutuações do clima, diz estudo
Análise de pólen extraído de rochas da Amazônia sugere maior número de espécies em fases geológicas quentes
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
O último número do periódico
especializado "Science" acrescentou uma peça importante a um
dos mais intricados quebra-cabeças da biologia contemporânea: a
origem da biodiversidade das florestas tropicais, como a da Amazônia. Pesquisadores da Colômbia e dos Estados Unidos mostram que ela varia muito no tempo, e que essa flutuação já ocorria
de 10 milhões de anos a 82 milhões de anos atrás, acompanhando as ondas sucessivas de variação do clima.
O artigo documenta que o número de espécies vegetais da floresta é mais alto nas épocas mais
quentes. Nos períodos mais frios,
é menor a variedade de plantas.
Tal correlação entre clima e biodiversidade foi verificada por meio
de grãos fósseis de pólen encontrados em cilindros de rochas escavados de várias profundidades.
Ao todo foram 5 km de cilindros,
1.530 amostras de mais de uma
dúzia de locais na selva amazônica do leste da Colômbia e do oeste
da Venezuela.
O estudo foi liderado por Carlos
Jaramillo, do Instituto Smithsonian de Pesquisa Tropical (STRI,
dos Estados Unidos). Jaramillo,
Milton Rueda (Instituto Colombiano de Petróleo) e Germán Mora (Universidade do Estado de Iowa, EUA), identificaram mais de
1.400 espécies de plantas entre os
288 mil grãos de pólen e esporos
examinados (que têm formatos e
características diversos o bastante
para permitir a discriminação, se
não a identificação indubitável,
das diversas espécies).
"É um trabalho interessante sobre uma época da qual não se sabia muita coisa", avalia José Maria
Cardoso da Silva, vice-presidente
de Ciência da ONG Conservação
Internacional, biólogo especializado em biodiversidade. "Sabia-se da flutuação [da biodiversidade
no tempo], mas não havia dados.
É a primeira comprovação."
Normalmente, quanto mais
profunda uma amostra de rocha,
mais antiga ela é. Usando métodos variados de datação, os cientistas conseguem dizer aproximadamente em que época foi formada a rocha extraída, em geral por
sedimentação.
Máquina do tempo
Depois de caracterizar as amostras de pólen recolhidas de diversas profundidades, Jaramillo e
companhia compararam o número de espécies de cada período
com as características do clima
então vigente, como a temperatura (que pode ser inferida da amostra com base na quantidade e na
composição de gases, como o carbônico, aprisionados em cada seção do cilindro). Encontraram
duas curvas muito semelhantes.
Isso não quer dizer, claro, que o
aumento da temperatura seja a
causa do aumento no número de
espécies vegetais. O surgimento
de novas espécies, processo que
os biólogos chamam de especiação, ocorre quando há grandes e
em geral abruptas transformações do meio, como cataclismos
geológicos ou climáticos. As espécies novas que surgem por adaptação competirão umas com as
outras pelos recursos do ambiente e só sobreviverão se ele puder
oferecê-los em abundância.
Aí entra a temperatura mais alta. Segundo a hipótese de Jaramillo e seu grupo, esse fator na realidade permite que as florestas tropicais se espalhem por áreas
maiores. Há mais de 50 milhões
de anos, por exemplo, havia matas tropicais no que hoje é a Patagônia. Maior área de florestas oferece mais possibilidades de sobrevivência -nichos ecológicos, como se diz- para um número
maior de espécies.
Mais uma razão para se preocupar com a paulatina destruição
das florestas tropicais no planeta:
"As descobertas intrigantes de Jaramillo oferecem uma perspectiva evolutiva para uma crise moderna", disse num comunicado
do STRI o biólogo William Laurance, que já trabalhou no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus. "Elas
sugerem que a rápida perda contemporânea e a fragmentação de
florestas tropicais conduzirão a
decréscimos chocantes, de longo
prazo, na biodiversidade."
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