São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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Biodiversidade segue as flutuações do clima, diz estudo

Análise de pólen extraído de rochas da Amazônia sugere maior número de espécies em fases geológicas quentes

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

O último número do periódico especializado "Science" acrescentou uma peça importante a um dos mais intricados quebra-cabeças da biologia contemporânea: a origem da biodiversidade das florestas tropicais, como a da Amazônia. Pesquisadores da Colômbia e dos Estados Unidos mostram que ela varia muito no tempo, e que essa flutuação já ocorria de 10 milhões de anos a 82 milhões de anos atrás, acompanhando as ondas sucessivas de variação do clima.
O artigo documenta que o número de espécies vegetais da floresta é mais alto nas épocas mais quentes. Nos períodos mais frios, é menor a variedade de plantas. Tal correlação entre clima e biodiversidade foi verificada por meio de grãos fósseis de pólen encontrados em cilindros de rochas escavados de várias profundidades. Ao todo foram 5 km de cilindros, 1.530 amostras de mais de uma dúzia de locais na selva amazônica do leste da Colômbia e do oeste da Venezuela.
O estudo foi liderado por Carlos Jaramillo, do Instituto Smithsonian de Pesquisa Tropical (STRI, dos Estados Unidos). Jaramillo, Milton Rueda (Instituto Colombiano de Petróleo) e Germán Mora (Universidade do Estado de Iowa, EUA), identificaram mais de 1.400 espécies de plantas entre os 288 mil grãos de pólen e esporos examinados (que têm formatos e características diversos o bastante para permitir a discriminação, se não a identificação indubitável, das diversas espécies).
"É um trabalho interessante sobre uma época da qual não se sabia muita coisa", avalia José Maria Cardoso da Silva, vice-presidente de Ciência da ONG Conservação Internacional, biólogo especializado em biodiversidade. "Sabia-se da flutuação [da biodiversidade no tempo], mas não havia dados. É a primeira comprovação."
Normalmente, quanto mais profunda uma amostra de rocha, mais antiga ela é. Usando métodos variados de datação, os cientistas conseguem dizer aproximadamente em que época foi formada a rocha extraída, em geral por sedimentação.

Máquina do tempo
Depois de caracterizar as amostras de pólen recolhidas de diversas profundidades, Jaramillo e companhia compararam o número de espécies de cada período com as características do clima então vigente, como a temperatura (que pode ser inferida da amostra com base na quantidade e na composição de gases, como o carbônico, aprisionados em cada seção do cilindro). Encontraram duas curvas muito semelhantes.
Isso não quer dizer, claro, que o aumento da temperatura seja a causa do aumento no número de espécies vegetais. O surgimento de novas espécies, processo que os biólogos chamam de especiação, ocorre quando há grandes e em geral abruptas transformações do meio, como cataclismos geológicos ou climáticos. As espécies novas que surgem por adaptação competirão umas com as outras pelos recursos do ambiente e só sobreviverão se ele puder oferecê-los em abundância.
Aí entra a temperatura mais alta. Segundo a hipótese de Jaramillo e seu grupo, esse fator na realidade permite que as florestas tropicais se espalhem por áreas maiores. Há mais de 50 milhões de anos, por exemplo, havia matas tropicais no que hoje é a Patagônia. Maior área de florestas oferece mais possibilidades de sobrevivência -nichos ecológicos, como se diz- para um número maior de espécies.
Mais uma razão para se preocupar com a paulatina destruição das florestas tropicais no planeta: "As descobertas intrigantes de Jaramillo oferecem uma perspectiva evolutiva para uma crise moderna", disse num comunicado do STRI o biólogo William Laurance, que já trabalhou no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus. "Elas sugerem que a rápida perda contemporânea e a fragmentação de florestas tropicais conduzirão a decréscimos chocantes, de longo prazo, na biodiversidade."


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