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Micro/Macro
Medindo a força da gravidade
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Todo mundo conhece a força da gravidade; ela não desiste nunca, fazendo tudo cair constantemente. Das quatro
forças da natureza, que incluem a força
eletromagnética, também nossa conhecida, e as forças nucleares forte e fraca,
que só têm influência no interior do núcleo atômico, a força da gravidade é, de
longe, a mais familiar. Por incrível que
pareça, ela é, também, a menos familiar.
Isso porque a gravidade é uma força extremamente fraca e, portanto, difícil de
ser medida. "Mas como?", exclama o leitor, visivelmente irritado. "Tudo cai e
ainda assim esses cientistas não conseguem medir a força da gravidade com
precisão?". Pois é, leitor, a coisa é mais
complicada do que parece. Repare como
é fraca a força da gravidade: um ímã vagabundo, desses de refrigerador, é capaz
de levantar um prego, vencendo a atração gravitacional da Terra inteira, com
sua massa de 6 bilhões de trilhões de toneladas (ou 6 x 1021 toneladas, em notação científica)!
O inglês Isaac Newton demonstrou, no
final do século 17, que a força da gravidade entre dois corpos é proporcional ao
produto de suas massas e inversamente
proporcional à distância entre elas. O
ponto é que, para obtermos uma relação
exata, essa proporcionalidade deve ser
multiplicada por uma constante, que nós
chamamos de G. É essa constante que
determina a intensidade da força gravitacional entre dois corpos. Imagine duas
massas de um quilo cada, separadas por
um metro. A atração gravitacional entre
elas é determinada pelo valor da constante G; uma constante pequena reflete
uma atração pequena, uma constante
grande, uma atração grande. Medir a
força da gravidade, portanto, é equivalente a medir G. E como a atração gravitacional entre dois corpos é muito fraca,
medir G não é nada fácil.
A primeira medida de G foi efetuada
por outro inglês, Henry Cavendish, um
pouco mais de cem anos após Newton
propor sua lei gravitacional. Ele usou um
aparato conhecido como balança de torção, que pode ser visualizado como um
pequeno alteres suspenso por uma linha
de pesca. O sistema tem de estar isolado
de influências externas, como variações
de temperatura, ou pessoas. Em seguida,
deve-se aproximar uma massa relativamente grande (uma bola de chumbo de
10 kg, por exemplo), até uma das extremidades do alteres. A atração entre as
duas bolas fará com que elas se aproximem, girando o haltere de um certo ângulo. Daí podemos calcular G. Cavendish obteve um resultado comparável ao
resultado atual com precisão de 1%. O
valor atual é de G = 6,67390 x 10-11, em
unidades apropriadas (ou seja: 6,67390/
100.000.000.000). Ou, pelo menos, esse é
um dos valores atuais.
A polêmica surgiu em 1994, quando
um grupo alemão, após 15 anos de pesquisas (!), anunciou uma medida para G
0,5% maior do que o valor então aceito.
0,5% parece pouco, mas no mundo de altíssima precisão das medidas em física é
um verdadeiro vexame. Outras constantes fundamentais da natureza, números
que, como G, nos permitem modelar fenômenos naturais e extrair resultados
quantitativos de nossas medidas, são conhecidas com enorme precisão. A constante de Planck, importante em processos atômicos, é conhecida com precisão
de 1 parte em 10 milhões. A velocidade da
luz é hoje tomada como exata. Já a precisão de G, é de apenas uma parte em mil.
(O leitor pode consultar o portal
www.physics.nist.gov para ver detalhes.)
Essas disparidades na medida da força
que nos é mais familiar vêm provocando
uma grande reação na comunidade científica; vários experimentos de alta precisão estão sendo desenhados para melhorar as medidas de G. Por que tanto interesse? Nossa medida da massa da Terra,
e de qualquer outro objeto celeste, depende de G; a taxa com que uma estrela
produz sua radiação, ou a própria expansão do Universo, também. Conforme Einstein demonstrou em 1916, G mede a curvatura do espaço devido à presença de objetos muito maciços, como o
Sol ou, mais dramaticamente, buracos
negros. Não existem motivos imediatos
para melhorarmos nossas medidas de G.
Mas quem está preocupado com isto?
Medir as constantes fundamentais da
natureza faz parte do processo de descoberta do mundo à nossa volta; talvez algum dia poderemos até entender a origem dessas constantes, ou por que a gravidade é tão fraca.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hannover (EUA), e autor
do livro "Retalhos Cósmicos".
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