São Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 2004

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ESPAÇO

Cinturão de rochas batizadas de vulcanóides pode existir entre Mercúrio e o Sol; sonda parte hoje rumo ao planeta

Astrônomos caçam asteróides misteriosos

Reuters/Arquivo JPL-Nasa
Primeira foto de Mercúrio, feita em 1974 pela sonda Mariner-10


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles já tentaram com avião, sem sucesso. Então, partiram para os foguetes. Agora, já pensam em usar naves espaciais tripuladas. Sua profissão de fé: encontrar e estudar os vulcanóides.
O que poderia ser o enredo de um filme "B" de ficção científica é na verdade o esforço sério dos cientistas Alan Stern e Daniel Durda, do Southwest Research Institute, em Boulder, Colorado (EUA). E vulcanóides não são alienígenas de orelhas pontudas, mas asteróides muito antigos que, segundo alguns astrônomos, devem existir na órbita mais interna do Sistema Solar, entre o planeta Mercúrio e o Sol.
A origem do nome remonta ao princípio do século 20, quando os cientistas, intrigados com perturbações estranhas na órbita de Mercúrio, postularam a existência de um planeta ainda mais perto do Sol, que respondesse pelas anomalias gravitacionais. Deram a ele até um nome: Vulcano.
Em 1915, o físico Albert Einstein (1879-1955) propôs sua teoria geral da relatividade, uma visão mais complexa das relações entre espaço, tempo e gravidade que não só concorda com todas as previsões acertadas obtidas a partir da velha teoria da gravitação elaborada por Isaac Newton (1642-1727), como adiciona novos fenômenos ao rol de esquisitices cósmicas. Uma das coisas que ela previa com sucesso eram as variações da órbita de Mercúrio. O mistério estava desfeito, e sem a ajuda de Vulcano -que acabou esquecido pelos astrônomos.
O suposto astro só seria relembrado a partir de 1974, quando a sonda Mariner-10 fez seu primeiro sobrevôo do planeta mais próximo do Sol. E o que ela viu foi um astro todo esburacado, muito parecido com a Lua -sinal de que muitos impactos de asteróide ocorreram ali no passado.
Os cientistas começaram a se perguntar se nenhum desses objetos sobrara para contar a história. Sabe-se que, em outras áreas do sistema planetário, os tijolos que deram origem aos planetas se preservam até hoje -exemplos disso são o cinturão de asteróides, entre Marte e Júpiter, e o cinturão de Kuiper, além de Netuno.
"Em todas as regiões do Sistema Solar em que há zonas gravitacionalmente estáveis, há hoje alguma coisa. No interior da órbita de Mercúrio há uma zona gravitacionalmente estável. Por que não?", disse à Folha Alan Stern. "Além do mais, há muitas crateras em Mercúrio. Então, pelo menos sabemos que houve alguma coisa lá em alguma época. Queremos ver o que sobrou disso."
Detectar vulcanóides não é simples. Primeiro, eles devem ser pequenos. Segundo, como estão muito próximos do Sol, deve ser difícil observá-los, mesmo com os instrumentos já colocados no espaço. "A maioria deles não pode ser apontada na direção do Sol", explica Stern -a radiação da estrela danificaria os equipamentos.
Um dos que podem é o Soho, o observatório da Nasa criado justamente para monitorar o Sol. Durda e Stern fizeram uma varredura à procura de vulcanóides com ele em 2000, mas não acharam nada. Mas o instrumento não pode detectar nenhum objeto que meça de 20 km a 60 km de diâmetro. Coisas menores ainda podem estar lá, escondidas.
Depois, desenvolveram uma câmera para fazer observações em aviões da Força Aérea americana, voando a 21 km de altitude, numa região em que 90% da atmosfera da Terra já ficou para trás. Esses vôos, realizados em 2002, também fracassaram.
Mas Durda e Stern ainda não desistiram. Com financiamento da organização Sociedade Planetária, eles lançaram um foguete suborbital no começo deste ano, equipado com uma câmera para procurar os vulcanóides no curto período em que estiver no espaço. Não houve detecção, mas esse primeiro vôo foi apenas para verificar a viabilidade da estratégia. A dupla agora estuda a possibilidade de lançar outros foguetes suborbitais, para ampliar a busca.
"Se houver algum vulcanóide, ele deve ter dez quilômetros ou menos", diz Stern. E se, ao final da busca, nada acabar sendo descoberto, os cientistas terão outro problema nas mãos: explicar por que eles não estão lá.

Sonda deve partir hoje
De um jeito ou de outro, a pesquisa pode revelar várias pistas sobre a formação de um sistema planetário como o nosso. Além disso, pode ajudar a decifrar os mistérios de Mercúrio -planeta que deve receber uma visita de uma nova sonda a partir de 2011.
A americana Messenger deve partir hoje, numa longa viagem que contornará o Sol 15 vezes antes de atingir Mercúrio. O objetivo da missão é responder a várias perguntas sobre o planeta mais quente do Sistema Solar. Uma delas diz respeito à possível presença de gelo em suas crateras, mesmo com uma temperatura de 450 C em sua superfície.


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