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+ Marcelo Gleiser
Vida sob pressão
A água não sai do copo, mesmo que ele esteja para baixo
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Todo mundo que já desceu uma
serra de carro ou viajou de avião
sentiu aquela inconveniente
pressão nos ouvidos.
Outra situação semelhante ocorre
quando mergulhamos. Quanto mais
fundo, maior a pressão. Quem faz
mergulho sabe que é importante despressurizar os ouvidos com freqüência. O fato de a pressão aumentar
quando descemos uma ladeira ou
mergulhamos nos diz algo sobre as
propriedades dos gases (no caso, o ar)
e dos líquidos (no caso, a água).
O tímpano é o nosso detector de
pressão mais sensível, uma membrana que vibra com a variação de pressão do ar e que, com isso, nos permite ouvir. Se as janelas dos aviões não fossem extremamente rígidas, se despedaçariam quando o avião subisse. Isso porque a pressão no interior do avião
é mantida igual a do nível do mar, enquanto lá fora, a altas altitudes, é bem
menor. A pressão que sentimos nos
ouvidos é essencialmente o peso do ar
(ou da água) sobre nossas cabeças. Vivemos literalmente sob pressão.
Em meados do século 17, um cientista irlandês deu o primeiro passo na
compreensão desses fenômenos. Robert Boyle (1627-1691) simboliza uma
era de profunda transição na história,
com um pé no passado pré-científico e
outro no futuro, marcando o início da
ciência moderna. Nessa era, a distinção entre alquimia e química ou também entre astrologia e astronomia estava apenas começando.
Boyle foi o 14º filho do homem mais
rico da Irlanda. Chegando à Inglaterra, juntou-se a outros intelectuais e
"filósofos naturais" e criou uma sociedade secreta chamada "Colégio Invisível", onde eram debatidas as últimas novidades científicas. Na época, o clima político da Inglaterra não estava
muito para a defesa da liberdade de
pensamento.
Essa sociedade seria depois chamada de Sociedade Real (do inglês "Royal
Society"), uma das instituições científicas mais prestigiosas do mundo.
Boyle, quando não fazia experimentos alquímicos, explorava as propriedades do único gás conhecido na época, o ar. Montou um laboratório na
Universidade de Oxford em 1653 que
incluía a mais potente bomba de vácuo já construída, uma máquina capaz
de sugar o ar de um vasilhame fechado. Quanto mais poderosa a bomba,
menos ar fica no vasilhame e melhor é
o "vácuo" em seu interior. Você pode
se tornar numa bomba de vácuo usando sua boca para sugar o ar de uma
garrafa vazia. Nada recomendável.
Eis um experimento que todos podem fazer que demonstra a importância da pressão atmosférica exercida
pelo ar. Encha um copo até a borda
com água e tape-o com uma carta de
baralho. Usando um dedo para manter a carta no lugar, vire o copo de cabeça para baixo. Remova o dedo, como se fosse deixar a carta cair no chão.
O que acontece? A água não sai do
copo, mesmo que esteja virado! (Só
para garantir, é bom fazer isso sobre
uma pia). A força exercida pelo ar é
maior do que o peso da água.
Usando sua bomba, Boyle obteve a
primeira lei quantitativa que descrevia propriedades mensuráveis da matéria (do ar). Encheu pela metade uma bexiga de ovelha (feito um balão de
aniversário murcho) e colocou-a num
vasilhame. Retirando o ar do recipiente, percebeu que a bexiga inflou.
A ausência de ar do lado de fora da
bexiga causou um desequilíbrio, deixando que o ar de dentro expandisse.
Boyle mostrou que, à temperatura
constante, o volume de uma amostra
de ar varia inversamente com a pressão: menor pressão, maior volume.
Essa lei simples abriu as portas para
um estudo quantitativo das propriedades dos gases e para uma ciência
matemática da matéria.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo".
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